sábado, 20 de agosto de 2011

ECOS DA HISTÓRIA DE TIMOR-LESTE - II




Retirada: ÚLTIMAS TROPAS INDONÉSIAS DEIXAM O TIMOR (*)

Seth Mydans - The New York Times

"Díli – Encerrando uma ocupação de 24 anos que culminou em selvagem destruição, os últimos 900 soldados indonésios que permaneciam em Timor Leste baixaram ontem sua bandeira vermelha e branca e voltaram para seu país.

Os oficiais foram acompanhados até o aeroporto pelas pessoas que assumiram seu lugar: o general australiano que chefia a força de paz internacional da ONU e José Alexandre Gusmão, o chefe guerrilheiro que liderou a guerra separatista contra a Indonésia.

‘Sinto-me sensacional’, disse Gusmão com um sorriso de felicidade depois de cumprimentar os oficiais que partiam. Libertado após sete anos de prisão na Indonésia, hoje ele é o líder efetivo da nação emergente. Gusmão e seus compatriotas combateram os indonésios desde que estes invadiram Timor Leste em 1975, um ano depois de Portugal abandonar sua antiga colônia.

‘Agora, a partir de hoje, aqui não é mais Indonésia’, disse um dos oficiais de partida, o tenente-coronel J. D. Sembiring, que disse acreditar que a população local errou ao votar pela independência, mas lhe deseja boa sorte. ‘Agora queremos deixar esta região porque muitas pessoas morreram na luta’, ele disse. Cerca de 200 mil timorenses foram mortos ou morreram de doenças e fome desde que a Indonésia invadiu e anexou o território como sua província. Dezenas de milhares de soldados indonésios também morreram.

Enquanto o sol baixava, rapazes dançavam em volta de uma fogueira na praia, entoando uma canção de liberdade e gritando ‘Viva Timor Leste!’ Santos Kosme, um deles, disse: ‘Rindo comemoramos nossa liberdade. Hoje é um dia feliz’.

Horas depois os últimos soldados indonésios embarcaram num navio de transporte, cada um carregando sua mochila, num silêncio quebrado apenas por murmúrios. No último ato de sua longa permanência aqui, uma pequena unidade armada de metralhadora guardava a cerca do porto.

A partida da tropa foi o passo final de uma dolorosa separação que começou com um plebiscito em 30 de agosto, no qual 78,5% da população votaram pela separação da Indonésia. A votação foi seguida de uma onda de terror e destruição por milícias apoiadas pelos militares indonésios, que destruíram ou danificaram cerca de 70% dos edifícios de Timor Leste e obrigaram a maioria dos 800 mil habitantes e se refugiar.

Em conseqüência disso, uma força internacional de paz de 7.500 soldados foi destacada para cá em 20 de setembro. O Parlamento da Indonésia decidiu em votação este mês aceitar a decisão de independência de Timor Leste. Há quatro dias a ONU votou por estabelecer na ilha uma administração interina durante dois ou três anos, que inclui o destacamento de 9 mil soldados.

A perda de Timor Leste e a presença de tropas estrangeiras humilharam a Indonésia e despertaram uma onda de nacionalismo defensivo. Mas estas foram questões colaterais num intenso levante político que terminou em 20 de outubro com a eleição parlamentar de Abdurrahman Wahid, um religioso muçulmano, como novo presidente do quarto maior país do mundo.

Num gesto de conciliação, Wahid disse que receberá Gusmão no aeroporto se ele viajar a Jacarta, a capital indonésia. Gusmão disse ontem que pretende aceitar o convite e também quer conversar com os líderes militares indonésios. Quase sussurrando ao falar com repórteres sob uma chuva fina, às vezes arregalando os olhos e às vezes abrindo um sorriso feliz, Gusmão disse que espera que a Indonésia e Timor Leste possam ser bons vizinhos. ‘Estamos numa posição de olhar para o futuro e esperamos que os dois países possam criar relações amigáveis e cooperativas’, ele disse.

Durante sua ocupação de quase 25 anos, a Indonésia investiu cerca de US$ 100 milhões por ano no pequeno território – a maior parte para tentar conter a pequena mas resistente guerrilha. ‘Houve muito sangue derramado ao longo dos anos para manter o império unido’, disse Eric Chamberlain, um ex-assessor militar australiano na Indonésia que hoje trabalha para uma organização de ajuda em Dili.

‘Eles gastaram uma fortuna tentando transformar esta ilha num lindo lugar’, disse Chamberlain. ‘Ouvi dizer que muitos soldados ficavam revoltados porque o governo gastava muito mais aqui que em suas cidades. Então o transformaram num belo lugar e agora o destruíram, com grande sentido de vingança.’

Entre os oficiais militares que coordenaram e participaram disso, segundo Chamberlain, a campanha de destruição tinha como claro objetivo mandar um recado, que também foi pintado em aerossol na parede de um prédio incendiado no bairro comercial de Dili: ‘A conseqüência de uma escolha errada’ -referindo-se ao voto pela independência.

Dili continua em ruínas, mas fervilha de vida com a volta dos refugiados das montanhas ou, em barcos e aviões, dos campos em Timor Oeste, na Indonésia, para onde fugiram ou foram obrigados a fugir pelas milícias. Os habitantes estão voltando para suas casas queimadas, e muitos têm de usar como teto as lonas azuis distribuídas pelos organismos de ajuda.

As tropas indonésias que partiram nas últimas semanas carregaram tudo o que puderam, incluindo móveis e até as redes das quadras de tênis. Os habitantes que agora assumem o lugar de senhores de Timor Leste terão que começar quase do zero. ‘Eles recebem o básico para viver’, disse Luciano Calestini, membro da organização de ajuda World Vision, que distribuía provisões ontem de manhã. ‘O básico para viver são uma folha de plástico, um cobertor, algumas barras de sabão, um cantil para água e cinco quilos de arroz.’"

(*) Copyright The New York Times/UOL, 31/10/99. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

** Texto retirado de Observatório da Imprensa

Sem comentários:

Mais lidas da semana