domingo, 7 de agosto de 2011

A NOVA CRISE DO CAPITALISMO




RODOLPHO MOTTA LIMA* - DIRETO DA REDAÇÃO

Ficaram famosas no meio político nacional as palavras de Juracy Magalhães, um dos tenentes dos anos 20 e participante do golpe militar de 1964, que, inquirido sobre as condições em que assumia, em junho de 1964, o posto de embaixador brasileiro em Washington,   respondeu: “O Brasil fez duas guerras como aliado dos Estados Unidos e nunca se arrependeu. Por isso eu digo que é o que bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".

Passaram-se muitos anos a partir de então, mas a última frase seguiu sendo exemplificativa de um certo tom de subserviência que, ao longo do tempo, vem marcando as relações entre Brasil e Estados Unidos, sendo também um emblema para posturas  de exagerado louvor  à América,  notadamente por parte da  mídia majoritária em nosso país.

Essas considerações me vêm a propósito da atual situação por que passam os americanos, mergulhados em uma crise sem precedentes  e de difícil equacionamento. O jornalista Paul Krugman , conceituado colunista do “New York Times”, chega a mencionar  que a evolução do problema poderá “empurrar os EUA para um padrão República de Bananas”, acrescentando que o desfecho final dos desentendimentos que redundaram em um discutível acordo, “põe todo o sistema de governabilidade em questão”.

Voltando à frase de  Juracy Magalhães, ela  não surgiu do nada. Na realidade, foi cunhada a partir de uma outra,  de  Charles Erwin Wilson, um manda-chuva da General Motors que, nomeado Secretário de Defesa pelo governo Eisenhower, teria dito, no Senado americano, que “o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos, e vice-versa”.  Ela também mereceu divertida versão do Presidente Lula que, interrogado  (em sua primeira visita a Washington) sobre as ligações entre o PT e o regime comunista da China, respondeu : “Eu não conhecia a China muito bem, até que o governo americano fez da China seu parceiro comercial preferencial. E eu pensei comigo mesmo:  se é bom para os americanos, deve ser bom para os brasileiros.”  

Penso que o panorama que agora se vislumbra na economia americana permite a construção de uma nova frase , que parodia todas as anteriores:  definitivamente, o que está sendo um mal para os EUA não pode vir a ser um mal para o Brasil.

Obama está sendo empurrado contra a parede e derrotado em suas intenções por um segmento cujo fundamentalismo econômico abomina os valores sociais.  A presença crescente, nas grandes decisões nacionais,  do “Tea Party” – grupo ultradireitista, que prega a diminuição do Estado e radicaliza em relação à imigração e à religião - aponta para o ideários  de uma sociedade cada vez mais fechada e avessa aos interesses dos menos favorecidos.  Questões básicas, como a aplicação de maiores impostos  às grandes fortunas, ou a retirada de incentivos fiscais à indústria de petróleo, ou a diminuição de gastos com armamentos, ou a manutenção/implementação de benefícios sociais, não encontram eco na maioria dos congressistas americanos.

Decididamente, o que é bom para os republicanos americanos não é bom para os brasileiros. Precisamos, por isso, ficar atentos. E faço essa observação porque não é difícil perceber ligações ideológicas entre o que pensam os políticos americanos mais retrógrados e o que defendem, em nossa política, os segmentos derrotados nas últimas eleições e encastelados na oposição, sustentados pela grande mídia. Aqui também se reage às ações que buscam vincular às atividades do Estados às causas populares. E aqui também, perigosamente,  se tenta, pelo viés da instauração  de um clima de ingovernabilidade, evitar o prosseguimento de políticas voltadas para as grandes causas sociais.

Penso que   os Estados Unidos e os outros endividados países da Europa (Grécia, Espanha, Portugal, Itália, etc) estão pagando o preço devido pela atual versão do capitalismo, o preço de um liberalismo que se quer absoluto e que, em nome das leis de um mercado elevado à condição de Deus, dispensa preocupações sociais e reduz a quase zero os valores humanitários.  A crise americana é (mais uma) crise do capitalismo. Realmente, pelas suas dimensões, pode provocar consequências sem precedentes, inclusive em nosso país, dado o perverso sistema de vasos comunicantes que interliga planetariamente  o fato econômico. A desarticulação de uma economia (mesmo localizada)  enfraquece a todos. Por isso, é preciso muito cuidado para não embarcarmos, aqui, nesse navio em vias de afundar. 

Não sou dos que acreditam  na morte das ideologias. Não acho, por exemplo  que, com a queda do muro de Berlin, caíram os valores socialistas. Os próprios alemães, que derrubaram o muro,  não fizeram o mesmo com as estátuas dos filósofos Marx e Engels, que lá estão, em Berlin, como objeto de diária romaria dos simpatizantes. Porque uma coisa é a prática indevida, a ação nefasta, que deve ser rejeitada, e outra coisa são as ideias  que preconizam a redenção das grandes massa humanas no sentido  da superação das injustiças, ideais  imorredouros enquanto perdurarem as desigualdades sociais.

Obama, é óbvio, está longe de ser socialista. As soluções que propõe buscam apenas minimizar ou mascarar as perversidades de um sistema fundado no capital.  Mas enfrenta uma turma que até se arrisca a perder os dedos, por não querer ceder os anéis...

E eu fico, aqui, com as palavras de Eduardo Galeano, escritor e pensador uruguaio, que, num misto de visão profética, construção poética e convite à prática política, afirma que o sistema neoliberal não é o único possível e diz pressentir que há, mesmo neste mundo enlouquecido e infame , a gestação de um outro, uma gestação difícil , mas que vingará. Não sei se a minha geração assistirá a esse nascimento, mas é nisso que, firmemente, deposito todas as minhas crenças.

 Em tempo:
Por falar em palavras e crenças, quero deixar aqui meu abraço ao Eliakim e a todo o pessoal do DR , esse espaço que, nos seus dez anos de existência, propugna pelo exercício irrestrito da liberdade de expressão , crença maior  do ideário democrático. 

*Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.

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