sábado, 20 de agosto de 2011

O MUNDO VAI ACABAR!





O fantasma do fim do mundo assombra a humanidade desde tempos imemoriais, paranóia estimulada por profetas, videntes e astrólogos dos quatro cantos do planeta. A história registra com abundância profecias sobre o fim do mundo e o efeito muitas vezes trágico provocado por elas. E mesmo com o fiasco de todas estas profecias, as pessoas continuam a levá-las à sério e a dar crédito aos loucos que se intitulam profetas.

Uma coisa é certa: o mundo vai acabar um dia; pode ser amanhã, na semana que vem, daqui a um ano, uma década, um século ou milênios…

A crença de que o mundo iria acabar no ano 2000, gerada pela interpretação errônea do texto do Apocalipse e pelas profecias estapafúrdias de Nostradamus, tirou o sono de muita gente no século passado. Depois do fracasso delas, seria lógico supor que as pessoas deixassem de acreditar, definitivamente, em profetas e videntes de qualquer tipo. Mas ao invés disso, a crença retorna agora revigorada por supostas profecias baseadas em um dos calendários maias.

Profecias Maias

O estudioso guatemalteca Enrique Alvarado, que reside na Áustria, desmente toda esta enxurrada sensacionalista sobre o fim do mundo. Desde 1992, quando se tornou sacerdote maia (Ajquij), Alvarado estuda os calendários maias, em especial o Calendário Ritual ou Tzolkin. Segundo ele, não há um calendário maia, mas vários que formam um sistema, pois estão interligados; além disso, nenhum destes calendários termina em 2012 ou outra data.

Por definição, um calendário é um instrumento para medir o tempo e não uma contagem regressiva; portanto, não tem um final, a menos que se considere como tal o momento no qual se deixa de usá-lo, o que não aconteceu aos que foram elaborados pelos povos maias, pois ainda são usados diariamente na América Central.

É evidente que a maioria dos livros, artigos e sites que exploram este tema tenta fazer conexões com profecias conhecidas e assuntos sem nenhuma relação com o calendário maia.

Para tentar justificar o injustificável, os esotéricos rechearam essas profecias com argumentos retirados de assuntos completamente estranhos a elas. Vale tudo para vender o peixe: astrologia de almanaque, hexagramas chineses, runas nórdicas, conceitos tirados de filmes de ficção científica (portal dimensional, quarta dimensão, alienígenas), bobagens inventadas pelo pessoal new age (canalizações, mensagens de mestres ascensionados), Nostradamus, Bíblia, física quântica interpretada por gente que mal sabe soletrar o próprio nome… São tantas bobagens que acho estranho não citarem a previsão feita num dos episódios da série Arquivo X, onde 22 de dezembro de 2012 é o dia da invasão dos extraterrestres!

Na verdade não há nenhuma profecia “detalhada” na cultura maia sobre o que acontecerá em 2012. Os poucos textos desta civilização que foram traduzidos são criptográficos e imprecisos. Afirma-se que os seus calendários terminam em 2012, mas embora sua mitologia fale em mudanças de eras (como quase todos os povos da antiguidade), não há nada que permita deduzir-se que tenham profetizado o fim do mundo nesta data. Para dar respaldo a essa fantasia, os autores que escreveram livros a respeito misturaram outras profecias (que fracassaram), como as de Nostradamus, de Edgard Cayce, de Jeanne Dixon e do Apocalipse entre outras. A maioria de seus argumentos nada têm a ver com o calendário maia, mas impressionam os incautos que não percebem a inconsistência deles. Da mesma forma, os argumentos pseudo-científicos que utilizam são arbitrários e tentam fazer conexões que não resistem a uma análise mais acurada.

É evidente que o mundo está sofrendo transformações climáticas que tendem a aumentar, com consequências catastróficas no futuro. Estamos colhendo o resultado de décadas de depredação do meio ambiente, desmatamento, poluição, efeito estufa, explosão demográfica, etc. Que estamos caminhando para o caos, que mudanças radicais e catastróficas podem acontecer é uma previsão fácil de acertar, de tão óbvia; mas apontar datas para futuros desastres é um mero jogo de adivinhação que serve apenas para vender livros e semear inquietação nas mentes mais sugestionáveis.

Balaio de gatos

Profecias catastróficas sempre fizeram parte do repertório de videntes, astrólogos e profetas; mas que eu saiba, nenhum deles previu as duas maiores conflagrações mundias ocorridas no século vinte: a primeira e a segunda guerra.

Terremotos, inundações, cataclismas que destruíram civilizações no passado estão no inconsciente coletivo da humanidade. Na própria Bíblia, na mitologia grega e sumeriana estes eventos são sempre registrados como supostos castigos divinos.

Os esotéricos tentam dourar a pílula, dizendo que segundo o calendário maia haverá em 2012 um alinhamento do Sol em relação ao centro da Via Láctea, que provocará a emissão de uma energia radiante, que alcançará a a Terra através do Sol, iniciando um “ciclo de evolução para a humanidade”.

Tudo isso é uma bela peça de ficção; mas teriam os maias uma astronomia tão sofisticada a ponto de saber o que é galáxia, energia radiante ou buraco negro? O próprio conceito de “evolução” é coisa moderna, que surgiu na cultura ocidental a partir de Darwin; portanto, o que os maias têm a ver com isso?

De fato, eles elaboraram um calendário muito preciso, mas isso não significa necessariamente que tivessem meios de prever o que acontecerá no futuro. Diga-se de passagem que os maias mostraram mais discernimento em relação aos conquistadores espanhóis do que os astecas; enquanto estes acolheram seus futuros algozes como deuses, os maias os rechaçaram de início e não entregaram o ouro sem uma feroz resistência…

Talvez já tivessem sido prevenidos sobre a cordialidade espanhola; da centena de homens do início da expedição comandada por Francisco Hernandez de Córdoba, no primeiro contato com os maias cinqüenta foram mortos e os que não tiveram suas gargantas cortadas com espadas de madeira encravadas de sílex foram capturados para servirem a futuros sacrifícios. Apesar da sua civilização notável, da sua arquitetura, da astronomia sofisticada, da escrita, esse povo tinha costumes cruéis, como sacrifícios humanos, que horrorizaram os próprios espanhóis. Por isso, não deixa de ser risível que os esotéricos atribuam a noção de “evolução cíclica da humanidade” a um povo que acreditava em deuses cruéis e impiedosos, e praticava sacrifícios rituais até de crianças… Suas crenças só poderiam inspirar visões futuras de destruição e morte.

Aliás, a religião quase sempre é um reflexo da cultura e da realidade de um povo; o Apocalipse bíblico foi escrito por um profeta sedento de sangue, mergulhado no ressentimento, alimentado pelo ódio à vida, ao mundo e aos romanos. No fundo, suas visões eram a expressão do seu desejo de aniquilação coletiva imediata.

Os adeptos destas supostas profecias tentam colocá-las em concordância com outras teorias relativas ao Fim dos Tempos e com a crença de que a humanidade deve passar por um processo de regeneração coletiva, de separação do joio do trigo.

No fundo, é a mesma idéia compartilhada pelos espíritas adeptos da teoria dos exilados do planeta Capela, dos crentes da passagem do “planeta X” ou Hercólobus e, também, dos teosofistas que acreditam nos mitos das civilizações arcaicas da Lemúria e Atlântida. Mas nas supostas profecias maias não há referência a este planeta intruso e, portanto, essa conexão fica por conta da imaginação dos seus intérpretes.

Os cientistas também previram uma intensa atividade solar entre 2011 e 2012, embora neguem que isso possa acarretar catástrofes. Tempestades solares intensas acontecem periodicamente e há quem acredite que a atividade solar em 2012 possa provocar uma mudança significativa na inclinação do eixo da Terra e produzir, em conseqüência, atividades geológicas de proporções catastróficas. Não é a primeira vez que cientistas se metem a prever catástrofes e fracassam, da mesma forma que videntes e profetas do passado.

A única conclusão a tirar disso tudo é que, caso 2012 passe em branco, podem estar certos de uma coisa: novas profecias serão anunciadas e o povão, esquecido de todas as que fracassaram, também acreditará nelas…

Predições astrológicas e psicose coletiva

À guisa de ilustração, citaremos algumas situações anedóticas provocadas por predições de astrólogos, referentes ao fim do mundo:

Em 1179 o célebre astrólogo João de Toledo previu que a conjunção de sete planetas no signo de Libra em setembro de 1186 desencadearia um cataclisma universal. A divulgação de sua profecia aterrorizou o Oriente e o Ocidente civilizados com a ameaça de tempestades terríveis e tremores de terra. Toledo conclamou a todos a se esconder em cavernas e montanhas, pois o mundo seria destruído e apenas alguns seriam poupados.
Nada ocorreu e depois Toledo justificou-se alegando que a conjunção, na verdade, relacionava-se à invasão dos hunos, um “pequeno erro interpretativo” que provocou pânico, desespero, suicídios e saques.

Outro astrólogo cristão, chamado Corumfiza, predisse que os árabes seriam totalmente destruídos por tempestades, ventos fortes e um grande fedor. Milhões de pessoas prepararam-se para o pior e em todos os países da Europa construíram-se abrigos subterrâneos. Na Pérsia e na Mesopotâmia as cavernas foram preparadas para abrigar refugiados; em Bizâncio o imperador mandou retirar as janelas do seu palácio e cobri-las com vigas. Na Inglaterra – em Winchester –, uma freira caiu em transe, recitou versos latinos assustadores profetizando eventos terríveis por causa da conjunção e morreu logo em seguida; neste clima de histeria, o arcebispo de Canterbury ordenou um jejum de três dias. Mas na data determinada, o dia amanheceu com um tempo esplêndido e nem a mais leve brisa incomodou os mortais. Um dos monges da cidade, ao qual não faltava senso de humor, deixou registrado: “Sofremos só o temporal que Sua Eminência desencadeou do púlpito”. Digno de registro, houve apenas um pequeno terremoto na Inglaterra em 1185 e algumas inundações em 1187, ano que também marcou a queda de Jerusalém.

O episódio caiu no esquecimento e logo outras catástrofes foram anunciadas, com intervalos de algumas décadas, nos anos de 1229, 1236, 1339, 1371,1395, 1422,1432, 1451, 1460, 1487.

Em janeiro de 1523, um grupo de astrólogos londrinos chegou à conclusão que o fim do mundo aconteceria por um dilúvio no ano seguinte, em primeiro de fevereiro de 1524, devido a uma conjunção planetária no signo de Peixes. Por causa disso, um mês antes, duas mil pessoas abandonaram Londres, buscando terras mais altas e um clérigo armazenou comida e água numa fortaleza construída por ele. Como nem uma gota de chuva caiu, um dia depois os astrólogos se justificaram alegando um “pequeno erro de cálculo” e disseram que o fim do mundo seria em 1624, e não em 1524. Mas esta retratação não serviu de consolo para os londrinos, cuja cidade foi toda saqueada por ladrões durante o “dia da evacuação”.

O astrólogo alemão Joahnnes Stöffler também conseguiu semear pânico e terror no seu país ao predizer um dilúvio de proporções universais que engoliria a humanidade em 20 de fevereiro de 1524. Astrônomos espanhóis confirmaram a previsão e uma enxurrada de panfletos anunciando o fim do mundo espalhou o medo pela Europa. Em todos os lugares não se falava em outra coisa, senão do iminente dilúvio universal. Também profetizou-se contratempos para a Igreja e flagelos cruéis aos judeus. Como a conjunção ocorreria em Peixes, signo do cristianismo, era certo que toda a cristandade, principalmente nas regiões do norte e do sudoeste, seria vítima de trombas d’água, chuvas de pedras, estrelas cadentes, dragões chamejantes e um cometa pavoroso. Em Tolosa, os moradores construíram uma arca gigantesca. Na orla marítima, as pessoas aguardaram o pior distribuídos em barcos e houve quem vendesse todos os bens ou corresse a ultimar o testamento. Na Alemanha, na data prevista para o cataclisma, todas as famílias da corte refugiram-se numa ridícula colina perto de Berlim, rodeados pelos súditos chorosos. Mas não caiu uma única gota d’água naquele dia, a não ser as lágrimas das pessoas apavoradas. O ano foi frio e chuvoso, mas em nenhum lugar houve enchentes.

Após o fracasso de sua predição, Stöffler transferiu o dia do juízo final para 1528…

O curioso de tudo isso é que, algumas décadas depois, as pessoas comentaram este evento como se tivesse ocorrido de fato uma inundação catastrófica e que a humanidade havia escapado dela sem maiores prejuízos! Melanchton, amigo de Lutero, chegou a dizer que a previsão de 1524 havia se cumprido durante a sua vida, atestando assim o poder dos astros…

Já em 1528, por ocasião da passagem de um cometa, o médico Ambroise Paré registrou que algumas pessoas morreram de medo e outras caíram doentes só de contemplá-lo.
Acreditou-se que o fim do mundo estava próximo e muita gente legou seus bens aos mosteiros. Os padres revelaram mais bom senso e aguardaram a vontade dos céus aceitando de bom grado os bens terrenos.

Diante de tantos disparates, só nos resta rir de todas estas bobagens e lamentar que os homens continuem, obstinadamente, a alimentar a pretensão de adivinhar o futuro. De uma coisa temos certeza: o mundo vai acabar um dia e talvez algum maluco consiga acertar os números da loteria do fim do mundo. Mas que glória existirá nisso?

*Bira Câmara é artista gráfico, ilustrador, pintor autodidata e escritor. Nascido em 09/09/1950, em Mayrink, estado de São Paulo. Publicitário, formado em comunicação social pela ESPM, também atua na área jornalística e é diretor adjunto da A.P.I. (Associação Paulista de Imprensa).

Nos anos setenta e oitenta colaborou como ilustrador e cartunista em vários jornais e revistas, entre os quais: “Planeta” (1975/83), “Visão” (1976), Folha de S. Paulo (suplemento “Folhetim”/1977); revistas “Saúde” (1986/88), “Vogue” (1987), “Playboy” (1988), “Corpo a Corpo” (1988), “Veja SP” (1996).

Como pintor, além de três individuais, participou de várias exposições coletivas nos anos 70/80/90.

Na área de HQ, em parceria com os artistas Xalberto e Sian, publicou o álbum O Paulistano da Glória, uma história em quadrinhos de 64 páginas que tem como cenário a Paulicéia Desvairada.

Em 2006 editou o “Jornal do Bibliófilo”, publicação voltada para o mercado de livros usados e obras raras.

Estuda astrologia desde 1977, especializando-se na área de pesquisa histórica. Parte dessa pesquisa foi reunida no livro “Histórias da Astrologia”, ainda inédito. Publicou também dois livros defendendo uma tese sobre a Nova Era que contraria a visão dos astrólogos engajados no movimento New Age: Salada Mística – A Farsa da Nova Era (1998, reeditado em 2001) e A Nova Era – Os Deuses estão de Volta? (2006). Traduziu para o português a obra L’Ésoterisme du Serpent Vert de Goethe, de autoria de Oswald Wirth (2001).

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