DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião - ontem
É bem provável que não haja um único político português que não venha a condenar o alegado acesso pelos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) a uma lista de chamadas telefónicas de um jornalista do Público. Caso os factos ontem revelados pelo jornal Expresso se confirmem - e como não houve desmentido, tudo leva a crer que são verdadeiros -, serão evidentes a ilegalidade e os abusos cometidos.
As missões do SIED estão explicadas no seu site na Internet, que passamos a citar:
"O SIED contribui para o processo de decisão política através da produção de informação privilegiada, sobretudo nos domínios relacionados com:
- a avaliação da ameaça terrorista, a identificação de redes internacionais de crime organizado, nomeadamente as envolvidas em narcotráfico, facilitação da imigração ilegal e proliferação nuclear, biológica e química (NBQ);
- acompanhamento permanente da situação de segurança das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro;
- o alerta precoce para situações onde haja um potencial comprometimento dos interesses nacionais;
- as matérias políticas, energéticas, económicas e de Defesa que constituam prioridade da política externa portuguesa.
O cumprimento destes objectivos é alcançado através do desenvolvimento de actividades de pesquisa, avaliação, interpretação e difusão de informações, no escrupuloso respeito pelos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição da República Portuguesa e na lei e das orientações emanadas pelo Primeiro-Ministro..."
Fica por perceber que tipo de investigação levou o SIED a precisar de saber as chamadas telefónicas efectuadas pelo jornalista Nuno Simas, que, actualmente, é director adjunto da agência Lusa, empresa jornalística em que o Estado é accionista maioritário. Ameaça terrorista? Crime organizado? Ou a definição de "situações onde haja um potencial comprometimento dos interesses nacionais", formulação que pode aplicar-se a qualquer tipo de curiosidade que o SIED tenha, legitimando, assim, qualquer tipo de abuso.
Esta situação é algo semelhante ao chamado caso "Envelope 9", de 2006, quando listas de chamadas telefónicas de inúmeros elementos da classe política - a começar no então presidente da República, Jorge Sampaio - foram integrados no processo Casa Pia. Depois da indignação geral, de uma Comissão de Inquérito no Parlamento e de uma investigação ao jornal e jornalistas que deram essa notícia, o escândalo foi remetido para um mero erro involuntário da Portugal Telecom. Mas, desde aí, quase todos os responsáveis políticos e empresariais portugueses passaram a achar que tinham as suas comunicações controladas por alguém ligado ao Estado.
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, ordenou já o inevitável inquérito, no mesmo dia em que se soube que impedira, com a cobertura da Lei do Segredo de Estado, que os deputados conhecessem informação de outro inquérito que ele próprio promovera a fugas de informação nas "secretas". A questão crucial está aqui: os governantes condenam estes abusos mas preferem - eventualmente com razão - manter o segredo de Estado sobre os autores e os motivos que levaram à prática destas ilegalidades. A opinião pública, no entanto, sem dados para avaliar a necessidade desse segredo, só pode supor o pior, até porque desta vez, no meio do noticiário sobre estes dois casos, misturam-se, talvez erradamente, várias e insistentes referências a supostos interesses empresariais que nada têm que ver com o Estado. Preocupante.
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