quarta-feira, 17 de agosto de 2011

SADC - ELIMINAR A POBREZA É O GRANDE DESAFIO





O secretário Executivo da SADC, Tomaz Salomão, fala dos grandes projectos da região e das perspectivas de crescimento no médio prazo. Em entrevista ao Jornal de Angola, o moçambicano ao serviço da organização regional aborda a participação da sociedade civil nos programas e projectos da SADC e da sua visão sobre o futuro da comunidade.
Jornal de Angola - Que avaliação faz do processo de integração regional?

Tomaz Salomão - É uma avaliação positiva. A integração regional é um processo longo e os objectivos não são alcançados de um dia para o outro. O importante é definir objectivos, metas claras e um caminho para alcançar os objectivos. Esta organização foi criada desde a altura dos Países da Linha da Frente para reduzir a dependência económica da África do Sul e ao mesmo tempo fazer com que os países trabalhassem juntos para vencer os desafios que se impunham.

JA - No início já tinha os países que tem hoje?


TS - Na altura organização era constituída por Angola, Botswana, Moçambique, Tanzânia, Zâmbia, Malawi, Lesoto e Suazilândia. O esforço inicial foi vencer o apartheid e daí que batalhas como a do Cuito Cuanavale sejam marcos na história da região.

JA - Porquê?

TS - Porque foi a Batalha do Cuito Cuanavale que mudou completamente a conjuntura e a correlação de forças na região. Pela primeira vez, a máquina repressiva e militar sul-africana foi vencida num campo de batalha, o que era impensável. Por isso, quando celebramos o Cuito Cuanavale estamos a celebrar o processo de pacificação e libertação total da África Austral. A batalha do Cuito Cuanavale foi em 1988, em 1990 temos a independência da Namíbia. Em 1992, a libertação de Nelson Mandela e em 1994 o fim da guerra em Moçambique.

JA - A queda do apartheid mudou a região ou apenas a África do Sul?

TS – Levou à democratização da África do Sul e, pouco depois, ao fim da guerra em Angola. É isso que nos faz olhar para trás e vermos como foi difícil o caminho, mas valeram a pena os sacrifícios. Muita gente morreu, os melhores filhos da região e dos países deram as suas vidas e hoje somos Estados soberanos e independentes, agregados numa comunidade económica que pretende olhar para o futuro.

JA - A sociedade civil participa nos projectos de integração?

TS - A participação não é a que desejamos. Mas gradualmente, por via do fórum das organizações não governamentais, a sociedade civil começa a afirmar-se. Penso que este processo deve começar nos países membros e em determinado ponto vamos caminhar para a cúpula regional. Todas as organizações da sociedade civil, todos aqueles que a compõem, seguramente vão encontrar no processo de diálogo com os governos e instituições o melhor caminho de trazer os cidadãos para o debate das questões regionais.

JA - Para quando a zona de comércio livre?

TS - A zona de comércio livre já está lá. Somos uma região que tem paz, estabilidade, segurança e as pessoas podem circular livremente. Hoje pode-se viajar de Luanda para Joanesburgo por estrada, de Luanda à Namíbia ou Maputo por estrada. Há anos, mesmo dentro de Angola, viajar por exemplo para o Lubango, pensava-se duas vezes. Isso é o sinal que as coisas estão a caminhar.

JA – E isso chega para falarmos de comércio livre?

TS - A zona de comércio livre existe, foi lançada em 2008. Na altura houve dois países que solicitaram mais tempo para se preparem, porque acabavam de sair de uma conjuntura de guerra difícil. Foi o caso de Angola e da República Democrática do Congo. Creio que Angola, a todo o momento, vai juntar-se à zona de comércio livre. Todos os anos fazemos uma auditoria para vermos os constrangimentos que enfrentamos, ouvindo os homens de negócios sobre as dificuldades que enfrentam. Quando Angola se juntar à zona de comércio livre da região, a SADC fica significativamente reforçada.

JA - Quais são as vantagens do comércio livre para os Estados membros?

TS - A grande vantagem é estarmos a operar num mercado maior. Sabe que qualquer homem de negócios decide sobre investimentos em função do mercado consumidor. Primeiro o doméstico, depois o regional, continental ou mundial. Todos nós pensamos no mercado. Uma coisa é dizer que em Angola há entre 12 a 15 milhões de habitantes e outra é olhar para um mercado total de 250 milhões de habitantes.

JA - Quais são os grandes projectos da SADC?

TS - O maior projecto é melhorar as infra-estruturas para que elas facilitem a livre circulação de pessoas e bens e não haja demoras desnecessárias ao atravessar uma fronteira. Temos de melhorar a qualidade das estradas, linhas férreas, portos, sistema de transportes aéreos e telecomunicações, para que a conectividade interna dentro e entre os países seja rápida e eficaz.

JA - O que está a ser feito na área das infra-estruturas?

TS - Os países estão a trabalhar para melhorá-las, no quadro das relações bilaterais e do protocolo mais amplo de comércio e circulação de pessoas e bens. Há também projectos que se prendem com a energia. Estamos com um défice energético. Queremos ligar Angola à rede energética da África Austral para que possa exportar. Vamos continuar a desenvolver os nossos recursos humanos, para que sejam eles os donos, conhecedores e geradores do processo de desenvolvimento e capazes de fazer investigação para fortalecer o nosso desenvolvimento. Temos terras férteis, recursos hídricos e gente trabalhadora, as políticas estão no lugar. Não faz sentido dependermos de ajuda alimentar seja de quem for.

JA – Qual é o grau de execução dos projectos?

TS - O grau de execução é variável. Alguns encontram-se ainda em estudos e outros já foram terminados. Agora estamos na fase de mobilização de recursos financeiros para a sua execução a nível regional e a procura de mercados que disponham de recursos que possam financiar a realização desses projectos. A ideia é termos possibilidades de um dia criarmos o Fundo de Desenvolvimento da SADC, que vai permitir o financiamento dos projectos.

JA – Que avaliação faz da participação de Angola nos projectos da SADC?

TS - Angola é um país fundador da organização. Mesmo em tempos difíceis, cumpriu sempre as suas obrigações. Penso que é uma coisa digna de menção e louvor. Angola esteve sempre presente e vai continuar a estar. É um país que joga um papel fundamental. É uma economia em franca expansão, na direcção correcta e, seguramente, por via disso, Angola vai desempenhar um papel central nos esforços de integração regional.

JA - O que espera da Cimeira de Luanda?

TS - Espero a reafirmação de que somos uma organização regional forte, com clareza de objectivos. Sabemos para onde vamos e como temos de ir. O ponto central é o desenvolvimento de infra-estruturas que facilitem a integração ou a circulação de pessoas e bens e, por via disso, com a estabilidade macroeconómica e com o ambiente de paz que temos, atrairmos os investimentos nacionais, regionais e continentais para a nossa região, para que ela tenha um papel activo nas relações económicas internacionais.

JA – Vai ser analisada a conjuntura mundial?

TS - Espero que a cimeira reflicta sobre as acções onde devemos concentrar a nossa atenção, no sentido de fazermos face aos choques externos que não dependam de nós, mas que têm as suas origens, alguns deles, nos países desenvolvidos, mas que de alguma maneira nos afectam. Precisamos ter uma resposta individual e colectiva de como fazer face a esses choques. É preciso que reflictamos à volta disso, para, a partir daí, podermos encontrar as soluções certas e o caminho correcto para onde vamos caminhar.

JA - Que esforços devem ser feitos para eliminar as disparidades nas economias dos países membros da SADC?

TS - O desenvolvimento é um processo permanente e longo. Mas é necessário que as economias continuem a crescer a um ritmo acelerado como está a acontecer com a economia de Angola, para recuperarmos algum tempo perdido. Para já, é fundamental manter este ritmo acelerado de crescimento nas outras economias da região.

JA – Todos os países da SADC estão a crescer?

TS - Angola, Botswana, Moçambique, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia Zimbabwe e Maurícias precisam de continuar a crescer a este ritmo e consolidar os mecanismos e os mercados financeiros para que gradualmente caminhemos para uma situação em que os desequilíbrios sejam corrigidos a longo prazo. Também queremos que a economia da África do sul continue a crescer, não queremos desaceleração da economia sul-africana, mas as outras, por maioria da razão, têm de crescer rapidamente.

JA - Até que ponto os programas da SADC podem ajudar no combate à pobreza?

TS - Passados 30 anos, temos paz, estabilidade e segurança, podemos circular, estamos a produzir uma série de instrumentos e protocolos. Metade da nossa população ainda vive abaixo da linha da pobreza. O nosso maior desafio é, a médio prazo, levar metade dos 250 milhões de habitantes da região para uma situação em que disponham de mais água, melhor educação, saúde, alimentação, fora dos riscos do HIV, melhor habitação e melhor qualidade de vida.

JA - Há condições para que isso aconteça?

TS - Este é o desafio que a região tem a longo prazo. Mas para isso é necessário que a estabilidade política continue a existir, as políticas macroeconómicas continuem a ser geridas no sentido de garantir a estabilidade macroeconómica.

JA - Que estratégias a SADC tem para o combate ao HIV-­Sida?

TS - Temos programas que, em primeiro lugar, permitem o acesso dos infectados aos medicamentos. São programas que reduzem a ocorrência de novas infecções com a educação em particular da juventude sobre os riscos do HIV. Essa é a nossa estratégia. O antigo presidente do Botsuana vai fazer uma apresentação na cimeira sobre a situação da Sida na região que, como sabemos, é a mais afectada do mundo pelo HIV. Precisamos de continuar a proteger os cidadãos.

JA - Muitos países da região importam de países terceiros produtos que existem aqui. Como mudar o rumo das coisas?

TS - O ponto de partida é criarmos condições para que sejamos um mercado competitivo e isso passa pela estabilidade política, políticas macroeconómicas correctas e um programa claro de desenvolvimento das nossas infra-estruturas, para reduzir os custos dos transportes das mercadorias. Isso vai atrair investimentos produtivos, para que o valor acrescentado seja feito nos nossos países e não sejamos eternos exportadores de matérias-primas. Por exemplo, em Angola é exactamente isso que deve ser feito, para que todo valor acrescentado fique aqui.

JA - Que vantagens vê na isenção dos vistos nos países da SADC?

TS - Queremos que as pessoas circulem e decidam sobre investimentos a realizar e tenham oportunidades de usufruir aquilo que os países oferecem. Isto cria, também, uma identidade regional, a ideia de que pertencemos a uma mesma região e bloco. Isso só é possível se tomarmos medidas que facilitem a circulação de pessoas e bens. Um dos passos previstos é exactamente este, a eliminação dos vistos. Os países estão a trabalhar neste sentido.

JA - As actuais moedas nacionais podem ter circulação regional ou as moedas de referência vão continuar a ser o dólar e o euro?

TS - As moedas nacionais já estão a ter esse papel. Há uma realidade urbana, mas também há uma realidade remota nas zonas rurais e fronteiriças onde as moedas têm um papel fundamental. Estou em crer que isso já acontece na fronteira com a Namíbia. As moedas nacionais estão a jogar um papel importante nas economias da região.

JA - Caminhamos para uma união monetária?

TS - Um dia vamos chegar ao estágio de federação, à União monetária, o que quer uma moeda única. Mas é um processo longo, que precisa de levar em conta todas as lições e experiências negativas e positivas noutras partes do mundo, para que, com a frieza necessária, se tome a decisão mais adequada sobre o caminho a seguir. Temos ainda algum tempo para continuarmos a reflectir nisso e o importante é que os mercados financeiros continuem a trilhar o processo de desenvolvimento.

JA – A adopção da moeda única da SADC, prevista para 2018, é possível?

TS - Sim. Mas com os choques que estão a acontecer no mundo, com a experiência da União Europeia e de outras partes do mundo, seguramente é preciso olhar para estes elementos e concluir se aquilo que se planeou para 2018 se mantém ou não. Quando chegarmos a essa altura decidiremos, depois de auscultarmos e consultarmos as instituições monetárias e financeiras e o sector privado.

JA - Qual é a visão que tem para a região no médio prazo?

TS - No futuro vejo uma região com infra-estruturas de alta qualidade, uma região em que a circulação de pessoas é uma realidade. Vejo uma região em que o PIB em cada um dos países cresce, com melhor educação, saúde, água, melhor qualidade de vida para as pessoas e, acima de tudo, uma região que vive em segurança e paz.

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