ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA
Ao contrário do que aqui (onde mais poderia ser?) escrevi, o regime angolano está satisfeito com o governo português dirigido pelo “africanista de Massamá”, Passos Coelho.
“Está a sair melhor do que a encomenda”, dizem fontes do partido que dirige Angola desde 1974 (o MPLA) e do presidente que está há 32 anos no poder sem ter sido eleito. Acrescentam que, afinal, para os objectivos de Luanda a estratégia de Passos Coelho é bem mais agradável do que a de José Sócrates.
José Eduardo dos Santos perdeu um velho amigo, José Sócrates, mas encontrou na dupla Passos Coelho/Paulo Portas novos amigos que continuam não só a considerá-lo um “líder carismático” como ainda abriram mais as portas que existem e as que não existem à entrada triunfal do seu clã.
De facto, tal como José Sócrates, também o actual governo português não está interessado em que o MPLA alguma vez deixe de ser dono de Angola. O processo de bajulação continua a bem, dizem, de uma diplomacia económica que – neste caso – se está nas tintas para os angolanos.
Embora já não tendo, como no tempo de Sócrates, tantos ditadores para idolatrar, o governo português continua a querer dar-se bem com os que existem, sobretudo com aqueles que têm dinheiro para ajudar a flutuar as ocidentais praias lusitanas.
É disso paradigma o actual líder do país (Angola) que preside à Comunidade de Países de Língua Portuguesa e que, como prova da democraticidade do seu regime, está no poder – repita-se - há 32 anos sem ter sido eleito.
Paulo Portas, que até foi excepcionalmente recebido pelo dono de Angola, acredita que o importante para Portugal são os poucos que têm milhões e não, claro, os milhões que têm pouco… ou nada. E tem razão.
A Portugal interessam apenas aqueles angolanos que já representam 30% do mercado de luxo português, que vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna, que compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex.
Quanto aos outros, os 70% da população que vive na miséria, que é pé descalço, que tem a barriga vazia, que vive nos bairros de lata, que é gerado com fome, nasce com fome e morre pouco depois com... fome, esses que se lixem.
E se Portas diz que as relações com Angola são excelentes, é porque são mesmo. Eu diria bem mais do que excelentes... na óptica da Oferta Pública de Aquisição lançada por Angola (que não pelos angolanos) sobre Portugal.
Tão excelentes como o facto de 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos. Tão excelentes como Angola ser um dos países mais corruptos do mundo.
Tão excelentes como a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos. Tão excelentes como o facto de 80% do Produto Interno Bruto ser produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada ser subtraída do erário público e estar concentrada em menos de 0,5% de uma população.
Tão excelentes como a certeza de que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
Como se já não bastasse a recente bajulação socialista de Lisboa ao regime angolano, os portugueses continuam agora a assistir a novos episódios da mesma bajulação, embora com diferentes protagonistas.
Parafraseando José Sócrates, não basta ser primeiro-ministro ou ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros para saber contar até doze sem ter de se descalçar... Mas, é claro, ser do governo é suficiente para, por ajuste directo, entregar ao dono de Angola tudo o que ele quiser. Espera-se, aliás, que queira tudo e mais alguma coisa.
*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Sem comentários:
Enviar um comentário