sexta-feira, 9 de setembro de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 40




MARTINHO JÚNIOR

SÓ FALTA CHAMAR A NATO!

Numa das recentes notícias publicadas aqui no Página Global deu-se a conhecer, em função duma recente intervenção do antigo Presidente de Moçambique Joaquim Chissano JOAQUIM CHISSANO APELA À FORTIFICAÇÃO DA UNIDADE NACIONAL - uma das maiores aspirações dos povos africanos que sustiveram a saga do movimento de libertação: a unidade nacional.

A unidade nacional foi um tesouro ideológico, prático e energético que permitiu resistir ao colonialismo, ao “apartheid” e às suas sequelas, bem como consolidar a identidade nacional.

Decidi elaborar e anexar um curto comentário a esse artigo, que abaixo transcrevo.

“ABANDONARAM OS LIVROS

1 ) Os dirigentes africanos devem perceber duma vez por todas do seguinte: não é com ideologias e políticas que fomentam as desigualdades que se torna possível garantir a longo prazo a unidade nacional!

2 ) Ao fazerem seus países absorver a lógica capitalista de acordo com o império e o neo liberalismo, esses dirigentes estão a provocar também em relação a si próprios, que as minas e armadilhas que contribuíram para semear rebentem debaixo dos seus próprios pés!

3 ) A unidade nacional só se poderá construir com políticas alternativas e abrangentes, visando integração e estabelecendo equilíbrios com sentido amplo de vida, com justiça social, solidariedade, respeito para com os povos e para com África!

4 ) Ao abandonar o sentido de vida que advém do movimento de libertação, os dirigentes africanos são os primeiros a lançar a demagogia e as políticas da mentira continuada, em contradição com o que vem do berço e era cultivado no âmbito de sua heróica geração!

5 ) Os dirigentes africanos que procedem desse modo, deixaram de estudar, abandonaram os livros, deixaram de ser criativos e abdicaram da imensa luta que é necessário fazer para arrancar África do crónico subdesenvolvimento e do neo colonialismo, heranças históricas seculares que se manterão enquanto se mantiver a lógica capitalista que é tão artificiosamente imposta ao continente!”

De facto é esse o sentimento que não posso deixar de sublinhar como antigo combatente perante a afirmação preocupada e responsável de Joaquim Chissano, não só em função do caso da Líbia que aqui no Página Global tenho vindo a dissecar, mas sobretudo por que aqui e agora, em Moçambique, em Angola, na África do Sul, na África Austral, os expedientes elitistas estão em curso e, por via deles, está-se precisamente a trilhar a mesma pista que Kadafi, propiciando a divisão, a fragmentação e a tentativa de implosão do poder!

O Presidente António Agostinho Neto, que é lembrado em Setembro aqui em Angola, evocava sempre durante essa saga de libertação: “um só povo, uma só nação, a luta continua, a vitória é certa”!

A personalidade de Agostinho Neto aglutinava todos os tipos de coragem: a intelectual, a física, a ideológica e a política, por que Neto foi uma entidade cuja experiência lhe permitiu abrir caminhos por entre as tempestades, caminhos pejados de sacrifícios, mas capazes de ter sempre presente a “luz no fundo do túnel”.

Neto, “aquele por quem se espera”, soube ser nesse aspecto também uma entidade cativante e reconhecida para além de sua imensa sensibilidade poética: dava o exemplo e por isso nada se lhe pode apontar em termos de riqueza pessoal, nem de avidez egoísta para com os bens do estado que ele dirigiu.

Agostinho Neto soube sempre ter a dignidade de se colocar perante todos os angolanos, sob o ponto de vista cívico, como um igual e daí a sua personalidade exemplar, um homem que não se perdeu no tempo e hoje é um dos expoentes, ao nível de Amílcar Cabral, de Thomas Sankara, de Samora Machel, de Kuame N’Krumah como um dos heróis de referência de África!

Para o movimento de libertação essa “luz no fundo do túnel” era uma paz duradoura, fortalecida com unidade nacional, em prol dos grandes objectivos de libertação em benefício de todo o povo angolano e dos povos de África, era socialismo e não alinhamento, era a possibilidade de aprofundar a democracia de forma a garantir mais cidadania, mais participação, mais justiça social, mais solidariedade humana, mais identidade, mais respeito também para com a Mãe Terra… era resgatar para benefício dos povos as riquezas que os abutres vinham depenicar ao corpo inerte de África!

Era possível estabelecer a ponte entre o que se fazia em Angola logo a seguir à independência, durante a Iª República e um socialismo que garantisse dignidade em pleno século XXI, sem pôr em causa multipartidarismo, nem mesmo os acordos que foram sendo estabelecidos desde Bicesse e para esse efeito bastava canalizar a mesma energia do movimento de libertação para um equilíbrio que integrasse, um equilíbrio que fosse alavanca de solidariedade, de justiça e começasse por se dimensionar claramente no respeito que merecem desde logo os antigos combatentes!

Em Angola está-se verdadeiramente a forjar uma contradição, por que o socialismo ao ser colocado “na prateleira”, deu-se espaço à lógica do capitalismo da forma menos avisada: quando precisamente essa lógica se começou a esvair, por via do império, da hegemonia e do neo liberalismo, de essência que foi a possibilidade de concorrência, mesmo que se esquecesse que “a propriedade é um roubo”.

O império, por via da “globalização” envenenada que está a digerir as capacidades do planeta tornou-se um beco sem saída no seu projecto, mas naquela mesma Angola que lutou pelo resgate do colonialismo, do “apartheid” e das suas sequelas, as portas abriram-se ao neo liberalismo ao ponto de hoje em editorial o Director do Jornal de Angola, o jornal considerado “oficial”, ter conseguido a ousadia de forjar a peça que também foi publicada no Página Global SER RICO TAMBÉM É UM DIREITO.

Logo que tive oportunidade de constatar essa peça, não me contive e produzi o comentário que junto.

“A LÓGICA CAPITALISTA PARA ANGOLA É ABSOLUTAMENTE DISPENSÁVEL!

1 ) Este artigo, num momento em que o capitalismo pela via do império dá sinais de acabar com qualquer hipótese a uma questão que lhe é essencial, a concorrência, é duma pobreza intelectual confrangedora: não reconhece o beco sem saída em que o capitalismo está a cair, quando África continua a ser a primeira grande vítima do desespero a que ele está a conduzir toda a humanidade.

2 ) Por outro lado, não respeita o esforço vital daquelas gerações de angolanos que no âmbito do movimento de libertação, lutando contra o colonialismo, contra o "apartheid" e contra suas sequelas, tinham e têm no socialismo a melhor visão de felicidade, equilíbrio e justiça social para o presente e o futuro.

3 ) Em Angola só há ricos por que foi privilegiada a lógica capitalista desde 1985, com todo um cortejo de injustiças sociais gritantes: é imenso o fosso que separa um punhado do resto da população e isso é sobretudo visível na geografia humana da cidade capital, Luanda!

4 ) É por causa deste tipo de argumentos que em praticamente todos os projectos não se vislumbra pinta do tal socialismo democrático, pelo contrário: mantém-se a tendência para o elitismo, por vezes com projectos megalómanos e mal equacionados, não sendo por acaso que Luanda é considerada a cidade mais cara do mundo!

5 ) Quantos ricos angolanos não se estão a tornar agentes desse capitalismo, desrespeitando o esforço de várias gerações que perseguiam o sentido da vida para o povo angolano e para toda a humanidade?

6 ) Falta coragem à classe dirigente para seguir a trilha heróica do movimento de libertação e isso está a fazer com que muitos angolanos capitulem e façam com que também Angola escorregue para a situação típica duma neo colónia!

7 ) A SADC é das poucas esperanças que há em África e isso ficou visível com a tomada de posição em relação ao caso da Líbia, todavia a energia que advém do movimento de libertação está a perder-se e a responsabilidade, mais que individualizá-la, cabe por inteiro à lógica capitalista que está a ser absorvida sem qualquer resistência por parte daqueles que deveriam dar o exemplo de inteligência alternativa, de amor, patriotismo e respeito para com todo o povo angolano e para com África!”

Vejo essa peça de José Ribeiro (um jornalista que andou lá pelas europas e agora chegou repescado com uma equipe que multiplicou por 10 os administradores do Jornal de Angola), vejo várias coisas, todas elas também dispensáveis para todos nós angolanos.

Entre o que vejo evidencio:

- Um retorno ao passado de má memória, pois se antes sob o fascismo, o colonialismo e o “apartheid” diluíamo-nos na ditadura, agora com o neo liberalismo diluímo-nos também na pior das ditaduras, a do capital sem hipótese de concorrência por que os lucros são depositados em cada vez menos mãos de “ricos” que merecem a “defesa” dum agente como José Ribeiro.

- Uma prova de neo colonialismo pois os “ricos angolanos”, ávidos de poder, de riqueza, de capacidades quantas vezes à custa do próprio estado angolano (o Jornal de Angola neste caso é um flagrante exemplo por via desta peça), não se revêem em seu povo, não se identificam plenamente nele e com ele, conforme a vida e os ensinamentos de Agostinho Neto e de tantos heróicos combatentes africanos, emparceirando-se com outros ricos que chegam de fora, ávidos de lucro, sabendo que estão a pisar as terras das minas de Salomão e a aventurarem-se em plenos “Jogos Africanos” conforme Jaime Nogueira Pinto!

- Que essa ideologia que se propõem os seguidores da lógica capitalista como José Ribeiro e quem o protege, provoca a erosão da unidade nacional com os desequilíbrios sociais evidentes e quantas vezes insuportáveis, com as injustiças sociais, com as rupturas de paz e de democracia pela via de cada vez mais tensões e conflitos e, por fim, com as minas e armadilhas que esses “ricos angolanos” estão a semear para si próprios e para a causa da independência e da soberania nacional, conforme semeou, por via do engodo criado pelas grandes potências, o regime de Kadafi na Líbia!

Há milhares de antigos combatentes angolanos que não tendo sido reconhecidos como tal esperam ainda um sinal de dignidade em relação ao seu passado, pois nem sequer um documento emitido pelo estado possuem, um documento que ateste com veracidade os seus anos de serviço, quando se lutava contra o colonialismo e sobretudo contra o “apartheid” e as suas sequelas.

Se alguns desses antigos combatentes “conseguem-se virar”, mesmo sem acesso às Caixas Sociais, aos Fundos de Pensões e às Pensões dos Antigos Combatentes, uma parte substancial deles é por que trabalham, apesar da idade.

Muitos deles são guardas das empresas de protecção e segurança abertas pelos “ricos”, ou membros das brigadas de fiscalização, ou até humildes trabalhadores de limpeza…

Pela via do trabalho muitos conseguem apenas esvair-se na luta diária, em função dos encargos inerentes às suas responsabilidades sociais num país cuja capital é “a mais cara do mundo”, mas há outros que pela sua avançada idade já nem sequer essa capacidade têm…

Muitos antigos combatentes têm apenas uma Pensão, que agora recebeu um aumento de cerca de 50%: passaram a obter um pouco mais de 16.000,00 Kwz, ou seja, cerca de 160 USD, ou 115 Euros!...

O Ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, Kundipahiama, está a cumprir com o que prometeu, mas isso só ilustra e sublinha, o fosso das desigualdades e a injustiça “que estamos com ela”!

A “defesa” (é uma palavra que está “na moda”, agora só se “defende” e o José Ribeiro, como se estivesse a “tchilar” em pleno canal 2 da TPA, “defende os ricos angolanos”)… a “defesa” dos ricos impede que agentes como o José Ribeiro percebam o que é matematicamente óbvio: quantos desses antigos combatentes, que recebem só a quantia de 16.000,00 kwz, poderão ser sócios, por exemplo, da Cooperativa que dá acesso ao Condomínio Caju, em Talatona, um dos condomínios da SONANGOL?!...

Essa é uma matemática terrível: não passa pelo filtro daqueles que manipulam a juventude nas ondas de provocação e manifestação que estão na rua, nem se junta a essa “onda”, por que avaliam quem está por detrás da manipulação, bem como os interesses e conveniências que espreitam “contra natura”…

… E no entanto, se há vítimas dos desequilíbrios que se têm vindo a avolumar, são muitos desses antigos combatentes as primeiras delas…

Estamos perante o seguinte dilema, que começa a ser um dilema para a unidade nacional: desde quando um estado que paga Pensões a tantos antigos combatentes, que são para muitos deles a única fonte de rendimento, ao nível dos 16.000,00 kwz, é um garante de solidariedade, de respeito humano e histórico, é um garante de dignidade, quando essa quantia impede, por exemplo, que alguma vez ele tenha sequer acesso ao valor dum anexo dos palácios que se ergueram no Condomínio Caju da SONANGOL, que a publicidade diz que é uma das formas de “Saber Viver” (a revista da Cooperativa Cajueiro)…

Os pobres dispensam a caridade dos ricos, por que essa forma “travesti” de solidariedade não está sequer prevista na Constituição e, se os antigos combatentes têm ao menos direitos iguais, os direitos iguais pelos quais eles combateram, os direitos que estão nos fundamentos da liberdade dos povos, então têm o direito de que nunca se minta a eles, nem se lhes atire areia para os olhos com qualquer “socialismo democrático” que só existe na fórmula das miragens!

Quando um estado trata assim os seus antigos combatentes, como é que fica em relação a todos os outros cidadãos?!...

É legítimo instalar-se em Angola, naquela Angola que sustentou a luta contra o “apartheid” e suas sequelas, a “apartheid social” que os condomínios dos “ricos angolanos” provocam?

… E como é que se fica em relação à unidade nacional?!!!...

Por este andar e em socorro dos “ricos angolanos” que estão em oposição ao poder, estão arredios do bolo que “defende” José Ribeiro e não deixam de perseguir ideologias e práticas elitistas, só falta acontecer conforme a alguns comentários rápidos que vão proliferando aqui pelo Página Global numa grotesca caricatura elegia da rapina: SÓ FALTA CHAMAR A NATO, por que petróleo e diamantes, para muito poucos e muito pouco para todo o povo angolano, é o que aqui se pratica demais!!!...

Martinho Júnior – Luanda - 8 de Setembro de 2011

Notas:
Foto extraída de um dos números “Saber Viver” (Capa do número 7).

1 comentário:

Anónimo disse...

Esse "director" é um mercenário e um apátrida: o lugar dele é na Somália!

Mais lidas da semana