terça-feira, 4 de outubro de 2011

ESTRATÉGIAS NACIONAIS




LUÍS GONZAGA BELLUZZO, São Paulo – OPERA MUNDI, opinião

Nos anos 1990, Paul Krugman vergastou as manifestações antiglobalização. Ironizou os que clamavam contra a concorrência das manufaturas baratas e cada vez mais qualificadas produzidas na China e adjacências. Em meados dos anos 2000, em artigo intitulado "The Big Squeeze", Krugman deu marcha à ré.

Reconheceu que em outros tempos a economia norte-americana oferecia empregos de boa qualidade, que não tornariam os trabalhadores ricos, mas lhes concederiam rendimento de classe média. Os bons empregos eram proporcionados pela grande empresa manufatureira norte-americana, especialmente pela indústria automotiva.

Durante os anos 1990, escreveu Krugman, ainda era possível sustentar que o aperfeiçoamento educacional e o melhor treinamento poderiam restaurar a capacidade de criação de empregos mais bem remunerados na economia norte-americana. Era o argumento da “empregabilidade”. Depois da desinflação da “bolha tecnológica” em 2000, os trabalhadores de colarinho-branco ficaram tão expostos aos programas empresariais de enxugamento, busca de fornecedores externos e transplante de fábricas, ou seja, à concorrência dos operosos e preparados chineses e indianos, quanto estavam os desditosos assalariados de macacão.

Como é habitual nos debates econômicos, a maior dificuldade é desvendar o óbvio. Na era da predominância norte-americana, a estrutura do comércio é moldada pela estratégia competitiva da grande corporação internacional empenhada em criar plataformas produtivas nas regiões de menor custo relativo. No caso dos Estados Unidos, as alianças estratégicas e a distribuição espacial da produção ensejaram dois fenômenos gêmeos: 1. A concentração do investimento e da capacidade produtiva “exportadora” nas áreas de menor custo e de maior perspectiva de  expansão; e 2. A fratura entre a economia territorial norte-americana e o projeto “internacionalista” de seu sistema empresarial.

O aguçamento da concorrência deflagrou, ademais, uma onda de fusões e aquisições como forma de enfrentar a intensificação da rivalidade. Desde os anos 1980, apoiada na escalada dos preços nos mercados de ações, foi impressionante a intensificação do processo de concentração e centralização do capital, sobretudo nos Estados Unidos. Na aurora do Século 21, a concorrência capitalista mostra a sua verdadeira natureza: a intensificação da rivalidade entre as grandes empresas é estimulada pela expansão do crédito e pela mobilidade do capital financeiro. Sob os auspícios do Estado Nacional norte-americano, capturado pelos poderosos lobbies empresariais e das finanças, as corporações lançam-se com fúria às megafusões e à ocupação das regiões mais “amigáveis” ao desenvolvimento das estratégias competitivas.

Há simultaneamente dinamismo e estagnação, avanço vertiginoso das forças produtivas em algumas áreas e setores, combinado com a regressão em outras partes. Até mesmo os estudiosos mais conservadores reconhecem que não vivemos num mundo bem-comportado de vantagens comparativas, mas sim num ambiente global em que prevalecem as economias de escala e de escopo, as externalidades positivas criadas pelas políticas governamentais. São esses os determinantes das estratégias de ocupação e diversificação dos mercados, conglomeração e acordos de cooperação.

O propósito da competição monopolista é o de assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base produtiva da grande empresa e o “livre” acesso a mercados. Apresentadas como benéficas à liberdade de comércio e à difusão do progresso técnico, as “novas” formas de concorrência escondem, na realidade, o contrário: um aumento brutal da centralização do capital, da concentração da riqueza e do progresso técnico.

Na turma dos aspirantes ao Primeiro Mundo, saíram-se bem os que souberam atrelar, de forma ativa e inteligente, os projetos nacionais de desenvolvimento à nova configuração da economia mundial proposta pelas multinacionais. Entre estes, os mais bem-sucedidos foram os que promoveram o crescimento e a internacionalização das suas próprias megaempresas, como o Japão, a Coreia, Taiwan e, agora, a China. Abertos ao investimento estrangeiro, os chineses usaram o seu poder de negociação para exigir dos investidores forâneos o compromisso de se abastecer no mercado doméstico e transferir tecnologia às empresas locais. Isso, além de distribuir incentivos às exportações e administrar a flutuação da taxa de câmbio.

Os processos de transformação do capitalismo descritos acima são, em geral, ignorados quando se pretende designar a mudança ocorrida nas últimas décadas, mediante a expressão vazia “globalização”. Seus resultados negativos têm sido assinalados pelos críticos, que costumam acentuar as características mais perversas da concorrência predatória (competition at the bottom): o conflito entre a criação de empregos nas regiões de baixos salários e a destruição de empregos em outras partes, o que configura perspectivas sombrias para os países que entram no jogo com a escalação errada.

* Luiz Gonzaga Belluzzo é economista, professor e consultor editorial de Carta Capital. Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.

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