BAPTISTA BASTOS* - PORTUGAL DIGITAL
Não há qualquer razão, se não a razão do mais forte, para excluir outras hipóteses de solução dos nossos problemas.
As eleições legalizam, não legitimam. A frase pertence aos manuais mais elementares da democracia. Significa que os eleitos estão limitados, nas suas decisões, por factores de ordem moral e ética. Sabemos que poucas vezes, ou nenhumas, esses factores se impuseram aos interesses, claros ou ocultos do poder e de quem do poder está atrás.
O Orçamento Geral do Estado, apresentado pela coligação PSD-CDS, obedece a essas normas aleijadas. Os senhores que o moldaram não demonstram grande sensibilidade social. E os "comentadores" que, nas televisões, sobre o documento se debruçaram, nada disseram que contrariasse as teses oficiais.
A água chilra com que esses comentários são borrifados não adiantam nem atrasam, porque nenhum comentador, nem um, ultrapassou o risco do senso comum. E o senso comum reside numa massa emocional que, somente, aborda o problema pela rama.
É uma vergonha ler-se o que se lê. Em comparação com a Imprensa estrangeira, onde as análises recusam o superficial, exactamente porque são análises, a artigalhada dos nossos articulistas não passa de isso mesmo: artigalhada. Ninguém arrisca dizer que estes senhores que nos governam são mandatários de grupos económicos e ideológicos que não só negligenciam os aspectos sociais dos povos como subestimam o carácter político dos Estados.
Quando Pedro Passos Coelho e seus ministros (como outros Governos anteriores) declaram, impantes, que estão a defender os interesses nacionais, tudo nos leva a desconfiar. No caso português raríssimas vezes fomos donos do nosso destino; e, em certos momentos da História, não passámos de meros protectorados. Até culturalmente falando. Desenvencilharmo-nos dessas influências foi um combate permanentemente contrariado por aqueles que, no interior da nossa terra, sempre foram partidários e defensores dos "outros."
Todos sabemos, ou deveríamos saber, que as inter-relações entre política e economia e finança atingiram tal nível que a sua desincorporação é praticamente inútil por impossível. Os Governos, logo assim que chegam ao poder são confrontados com evidências inesperadas. E inesperadas por impreparação política, ideológica e filosófica dos seus elementos. O Executivo Passos Coelho não fugiu à regra. E agravou-a pela tineta absurda de ir buscar "sábios" e tecnocratas em vez de políticos com estofo de estadistas. O resultado está à vista.
Creio que este Governo nada fará para resolver os nossos problemas imediatos e mediatos não só por desconhecimento da nossa realidade social e cultural como, sobretudo, porque obedece a normas externas, como está manietado pela rigidez do "mercado." Quando Passos Coelho diz que está a realizar um empreendimento histórico, talvez não tenha percepcionado a dimensão do que diz. Se atentasse, talvez descobrisse a imoralidade da situação que criou, em apenas três meses de governação.
Dir-se-á: mas ele revelou, antecipadamente, o que iria fazer. Não é bem assim. Se assim fosse, não ganharia, certamente as eleições. Que povo enlouquecido votará num homem que quer liquidar o Serviço Nacional de Saúde, a Segurança Social, a Instrução Pública; que congela salários, que reduz os vencimentos dos reformados, da Administração Pública, que salva bancos e bancários, que promove a mediocridade, que por aí fora; que povo?
Não há qualquer razão, se não a razão do mais forte, para excluir outras hipóteses de solução dos nossos problemas. O PSD e o CDS não têm na mão a pedra filosofal. E se outros partidos afirmam existir outras alternativas, por que os não ouvir? E quais as razões pelas quais a chamada comunicação social não publica o conteúdo dessas alternativas, limitando-se, hipocritamente, a exprimir as declarações dos opostos?
Há muitos anos que a democracia está à prova. Mas só agora, perante a crise do capitalismo e as suas demandas para se salvar, só agora a Europa começou a perceber a profundidade do perigo. Uma Europa unilateral, seja dito. A Europa dos que, também só agora, reconhecem que o eixo franco-alemão é uma ameaça sem tréguas. Esta Europa é dominada pela Direita mais reaccionária e revanchista, através do Partido Popular Europeu, de que Pedro Passos Coelho faz parte.
Apostila - O dr. Cavaco disse umas coisas sobre iniquidade fiscal. António José Seguro ficou muito contente. Tanto um como outro proferiram declarações irrelevantes. Seria bom que as análises feitas aos dois pronunciamentos não se quedassem na superficialidade. Que tristeza pungente!
*Baptista Bastos, jornalista e escritor português, assina coluna no Jornal de Notícias
b.bastos@netcabo.pt
O Orçamento Geral do Estado, apresentado pela coligação PSD-CDS, obedece a essas normas aleijadas. Os senhores que o moldaram não demonstram grande sensibilidade social. E os "comentadores" que, nas televisões, sobre o documento se debruçaram, nada disseram que contrariasse as teses oficiais.
A água chilra com que esses comentários são borrifados não adiantam nem atrasam, porque nenhum comentador, nem um, ultrapassou o risco do senso comum. E o senso comum reside numa massa emocional que, somente, aborda o problema pela rama.
É uma vergonha ler-se o que se lê. Em comparação com a Imprensa estrangeira, onde as análises recusam o superficial, exactamente porque são análises, a artigalhada dos nossos articulistas não passa de isso mesmo: artigalhada. Ninguém arrisca dizer que estes senhores que nos governam são mandatários de grupos económicos e ideológicos que não só negligenciam os aspectos sociais dos povos como subestimam o carácter político dos Estados.
Quando Pedro Passos Coelho e seus ministros (como outros Governos anteriores) declaram, impantes, que estão a defender os interesses nacionais, tudo nos leva a desconfiar. No caso português raríssimas vezes fomos donos do nosso destino; e, em certos momentos da História, não passámos de meros protectorados. Até culturalmente falando. Desenvencilharmo-nos dessas influências foi um combate permanentemente contrariado por aqueles que, no interior da nossa terra, sempre foram partidários e defensores dos "outros."
Todos sabemos, ou deveríamos saber, que as inter-relações entre política e economia e finança atingiram tal nível que a sua desincorporação é praticamente inútil por impossível. Os Governos, logo assim que chegam ao poder são confrontados com evidências inesperadas. E inesperadas por impreparação política, ideológica e filosófica dos seus elementos. O Executivo Passos Coelho não fugiu à regra. E agravou-a pela tineta absurda de ir buscar "sábios" e tecnocratas em vez de políticos com estofo de estadistas. O resultado está à vista.
Creio que este Governo nada fará para resolver os nossos problemas imediatos e mediatos não só por desconhecimento da nossa realidade social e cultural como, sobretudo, porque obedece a normas externas, como está manietado pela rigidez do "mercado." Quando Passos Coelho diz que está a realizar um empreendimento histórico, talvez não tenha percepcionado a dimensão do que diz. Se atentasse, talvez descobrisse a imoralidade da situação que criou, em apenas três meses de governação.
Dir-se-á: mas ele revelou, antecipadamente, o que iria fazer. Não é bem assim. Se assim fosse, não ganharia, certamente as eleições. Que povo enlouquecido votará num homem que quer liquidar o Serviço Nacional de Saúde, a Segurança Social, a Instrução Pública; que congela salários, que reduz os vencimentos dos reformados, da Administração Pública, que salva bancos e bancários, que promove a mediocridade, que por aí fora; que povo?
Não há qualquer razão, se não a razão do mais forte, para excluir outras hipóteses de solução dos nossos problemas. O PSD e o CDS não têm na mão a pedra filosofal. E se outros partidos afirmam existir outras alternativas, por que os não ouvir? E quais as razões pelas quais a chamada comunicação social não publica o conteúdo dessas alternativas, limitando-se, hipocritamente, a exprimir as declarações dos opostos?
Há muitos anos que a democracia está à prova. Mas só agora, perante a crise do capitalismo e as suas demandas para se salvar, só agora a Europa começou a perceber a profundidade do perigo. Uma Europa unilateral, seja dito. A Europa dos que, também só agora, reconhecem que o eixo franco-alemão é uma ameaça sem tréguas. Esta Europa é dominada pela Direita mais reaccionária e revanchista, através do Partido Popular Europeu, de que Pedro Passos Coelho faz parte.
Apostila - O dr. Cavaco disse umas coisas sobre iniquidade fiscal. António José Seguro ficou muito contente. Tanto um como outro proferiram declarações irrelevantes. Seria bom que as análises feitas aos dois pronunciamentos não se quedassem na superficialidade. Que tristeza pungente!
*Baptista Bastos, jornalista e escritor português, assina coluna no Jornal de Notícias
b.bastos@netcabo.pt
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