sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Angola: BATALHA DE KIFANGONDO NA VOZ DO GENERAL NDALU


General Ndalu conta como se desenrolou a batalha que permitiu a defesa de Luanda e a proclamação da Independência Nacional - Fotografia: Eduardo Pedro


António França “Ndalu” era o chefe do Estado-Maior da Nona Brigada, uma unidade das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) que defendeu Luanda das investidas do inimigo contra a capital, nos dias que antecederam a Independência no dia 11 de Novembro de 1975. Em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, o general Ndalu recorda a Batalha de Kifangondo e os acontecimentos políticos que marcaram a época.

Jornal de Angola - Como foi organizada a defesa de Luanda em Kifangondo?

General Ndalu - A defesa começou a ser organizada muito antes da Batalha de Kifangondo. Tivemos a noção das nossas fraquezas e da força do inimigo, por isso decidimos criar a Nona Brigada, com o envio de vários comandantes da guerrilha para a antiga União Soviética, onde receberam treino com o equipamento militar, sobretudo tanques e artilharia. O comandante Ndozi chefiava a missão e eu era o chefe do Estado-Maior. Estivemos oito meses a receber treino.

JA - No regresso o general Ndalu manifestou receio de que os tanques e a artilharia não chegassem a tempo. Acabaram por chegar?


GN – A maior parte do material chegou muito a tempo. Mas uma unidade de artilharia, equipada com os canhões BM21 chegou na noite do dia 9 de Novembro e muito armamento chegou apenas dois dias antes. Se houvesse um atraso maior a Batalha de Kifangondo tinha outro desfecho.

JA - Quanto tempo durou a batalha contra os invasores?

GN - Tenho de referir duas fases. Quando chegámos do treino começámos imediatamente a atrair pessoal para a Nona Brigada. Havia entre os jovens uma vontade indomável de combater, mas eles eram muito indisciplinados. Um dia disse ao comandante Ndozi que íamos ter problemas com os combatentes que se estavam a oferecer para os combates. Mas acabámos por enquadrá-los e afinal todos se portaram bem e foram uns heróis. Na fase do recrutamento entrámos imediatamente em combate.

JA - Era um exército apenas de comandantes?

GN - O comando da Nona Brigada estava todo no terreno. Nessa altura as forças que apoiavam a FNLA já tinham tomado o Caxito e podemos considerar que estavam às portas de Luanda. Entrámos em escaramuças com eles, os comandos de Santos e Castro, as forças do exército regular do Zaire, uma unidade de artilharia dos sul-africanos mais os mercenários. Umas vezes eles avançavam, outras vezes avançávamos nós. Depois eles tomaram a Barra do Dande e a partir daí ficámos mais recuados. Mas as escaramuças continuaram durante mais de um mês.

JA - E quando começou a Batalha de Kifangondo?

GN - A batalha em Kifangondo foi apenas no dia 10 de Novembro de 1975. Eles estavam convencidos de que nós tínhamos fugido e avançaram como quem faz um passeio. Vinham com os blindados pela estrada, em fila indiana. Ninguém combate assim. O inimigo pensava que tinha quebrado a nossa resistência. As escaramuças tinham feito mossa. A artilharia sul-africana, durante semanas, bombardeava as nossas posições, para desmoralizar. Um obus caiu na refinaria, numa zona sem construções nem depósitos. Se tivesse atingido um depósito de combustíveis tinha sido um desastre. Mas eles não passavam disso e eu convenci-me de que não iam atacar nunca.

JA - Porquê?

GN - A ponte do Panguila estava destruída há mais de um mês. A estrada tem ao lado pântanos, ninguém consegue progredir nesses terrenos. Então eu disse ao comandante Ndozi e aos outros oficiais que eles nunca atacariam por ali. Ainda por cima nós sabíamos que quando eles avançaram, os blindados derrubaram a ponte de Porto Kipiri. Na verdade eles estavam encurralados entre a ponte derrubada do Panguila, sabotada por nós, e Porto Kipiri. Tinham muita força mas pouca mobilidade. Para mim o ataque a Luanda ia ser a partir do Sul.

JA - Então o que os levou a atacar as posições de Kifangondo?

GN - Desconheço, mas só pode ser porque estavam mal informados ou porque eram mal formados. Entraram na batalha como quem vai para um passeio. Pensavam que avançavam sem resistência, entravam em Luanda e Holden Roberto proclamava a independência. Foram derrotados. Nem nós tivemos a noção do peso da derrota. Por isso, ordenámos às tropas para ficarem nas trincheiras. Ouvimos pela rádio o Presidente Agostinho Neto proclamar a Independência Nacional. Naquele momento as tropas começaram a disparar. Foi um fogo tão nutrido que em Luanda as pessoas pensavam que estávamos a ser atacados de novo. Mas era apenas a alegria das tropas.

JA - O que sentiu nesse preciso momento?

GN - Uma sensação estranha que era um misto de felicidade, imensa alegria, mas ao mesmo tempo grande tristeza. Naquele momento tinha-se concretizado aquilo pelo qual fizemos tantos sacrifícios: a Independência Nacional. Mas recordei todos os nossos camaradas que ficaram pelo caminho. Embora aquele momento também fosse deles, ainda mais deles do que nosso.

JA - Tinham notícias do que se passava no sul?

GN - O que mais nos preocupava era a situação no sul. Os sul-africanos entraram no Cunene, tomaram o Lubango, Benguela, Lobito, Sumbe, chegaram ao rio Keve. Nós estávamos reduzidos a um território entre o rio Bengo e o Keve, que se prolongava até Malange. Era muito pouco. Mas o inimigo também foi derrotado na batalha do Ebo e acabámos por ficar numa posição privilegiada.

JA - A Batalha do Ebo teve tanta importância como a Batalha de Kifangondo?

GN - Claro que sim, se o inimigo tivesse passado, chegava facilmente a Luanda. Mas houve outra batalha fundamental, que foi a do Ntó em Cabinda. Mobutu tentou ocupar a província e se tivesse conseguido, o processo da Independência Nacional tinha seguido outro rumo. Ntó, Ebo e Kifangondo são pontos fulcrais do percurso para a Independência Nacional.

JA - Se as FAPLA fossem derrotadas havia um Plano B?

GN - Claro que sim, nós tínhamos o apoio popular e íamos lutar até expulsar os invasores. Costumo pensar nisso. A FNLA era apoiada pelos EUA e outras potências ocidentais. A UNITA era apoiada pelos sul-africanos. Se fôssemos derrotados no Ebo e em Kifangondo, Holden e Savimbi iam proclamar a independência juntos? Não acredito. Havia contradições insanáveis entre eles.

JA - Portugal podia jogar um papel de mediador…

GN - Isso foi o que aconteceu com muitas independências africanas. Um partido ganhava as eleições, fazia governo e a potência colonial ficava presente com as suas forças armadas para garantir a estabilidade. Mas no caso de Angola, isso era impossível. Portugal estava ainda mais desestabilizado do que nós e não tinha as mínimas condições para organizar eleições e muito menos impor soluções fosse a que movimento fosse. Por isso, em rigor, a potência colonial desertou e cada movimento proclamou a sua independência: nós em Luanda, Holden Roberto no Uíge e Savimbi no Huambo.

JA - Quando foi lançada a contra-ofensiva para libertar o Norte de Angola?

GN - Ainda demorou algum tempo porque tínhamos a ponte do Panguila destruída. Para passar o material tivemos que recompor a ponte. O inimigo tinha a ponte do Porto Kipiri partida, mas eles receberam uma ponte metálica do Ambriz e acabaram os trabalhos primeiro que nós. Começaram logo a debandada. Os soldados zairenses apenas se interessaram em saquear e cometeram atrocidades contra as populações. Só pararam no Zaire. Os comandos de Santos e Castro e os mercenários foram recuando até ao Soyo. As nossas forças foram tomando, um a um, todos os centros importantes. Foi uma autêntica corrida. Ninguém nos travou.

JA - No Soyo houve combates?

GN - Aí sim, houve combates. Perdemos o Pilartes da Silva e o Nelson Gaspar ficou ferido. Mas o Soyo caiu rapidamente nas nossas mãos. Avançámos por Ndalatando, Lucala, Samba Caju, Camabatela, Uíge. Outra coluna foi pelos Dembos até ao Kitexe e daí para o Nzeto. Partiu depois para o Soyo mas a ponte do rio Mbridge estava partida. Tivemos de pedir a jangada do rio Kwanza, na Muxima, para passar o material. Foi a campanha mais fácil de toda a guerra depois do 25 de Abril de 1974.

JA - Angola conseguiu fazer passar essa mensagem para o mundo?

GN - Conseguimos, sobretudo com o julgamento dos mercenários. E mais tarde um deles, o Grillo, foi a alguns países participar em campanhas contra o mercenarismo.

JA - Agora todos comemoram o 11 de Novembro de 1975 numa só festa?

GN - Com a reconciliação nacional acabaram-se as divisões. Acredito que todos os angolanos, sejam de que partido forem, comemoram em festa esta data e ninguém se lembra da proclamação em Luanda, Uíge e Huambo. Por isso eu considero tão importante a política de reconciliação e unidade nacional. Agostinho Neto foi o fundador da nação e José Eduardo dos Santos é verdadeiramente o arquitecto da paz. Este edifício está muito bem construído e é sólido.

JA - Acredita que a paz veio para ficar?

GN - Tenho a certeza. Quando há um conflito e as duas partes estão equilibradas em forças, ninguém quer ceder e a guerra continua. Mas se uma parte fica enfraquecida, é fácil fazer a paz. O mais forte estende a mão ao mais fraco e ele aceita negociar. Foi isso que aconteceu em Angola. Uma parte ficou enfraquecida e a outra estendeu a mão para ambos trilharem os caminhos da paz e da reconciliação. É evidente que estavam todos de boa fé. Os resultados são a prova disso.

JA - As divergências políticas que por vezes surgem publicamente, preocupam-no?

GN - As divergências não me preocupam nem podiam preocupar. No princípio pensei que íamos ter problemas com grupos isolados e descomandados que iam continuar de armas na mão, fazendo acções de banditismo. Mas nem isso aconteceu. Quando Jonas Savimbi morreu nunca mais houve um tiro. Devemos estar todos felizes por isso. É justo reconhecer que esta arquitectura se deve ao Presidente José Eduardo. Foi obra dele. Nós não precisámos de assessores, consultores, de interferências estrangeiras. Foi tudo feito por nós. Estamos todos de parabéns. A Batalha de Kifangondo foi o princípio da unidade e reconciliação nacional.

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