CARVALHO DA SILVA – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião
Todo o processo de preparação e realização da greve geral do dia 24 - o seu anúncio, os objectivos colocados pelo movimento sindical e os temas priorizados, os debates e acções desencadeados por importantes sectores da actividade - serviram de ancoradouro ao surgimento e à ampliação de importantes pronunciamentos políticos e sociopolíticos por parte de instituições, organizações e personalidades que se expressaram de forma individual ou colectiva, sobre temas sociais, económicos e políticos de interesse estratégico para o futuro do país, ou sobre matérias mais prementes que emergem do Orçamento do Estado (OE) para 2012.
Ficou mais clara a dimensão das injustiças dos pacotes de austeridade e a ausência de objectivos de investimento e crescimento na proposta de OE. Criou-se lastro para repudiar o objectivo de o Governo eliminar o subsídio de Natal e o subsídio de férias e iniciou-se um processo de recusa efectiva, no terreno, à tentativa de aumento de 2,5 horas de trabalho semanal. Mais vozes surgiram a defender planos de protecção social que impeçam o empobrecimento dos portugueses mais desprotegidos.
Debateu-se o investimento, a criação de emprego e o desenvolvimento. Reforçaram-se argumentos e posições contra o memorando da troika, contra conteúdos desastrosos da governação do PSD/CDS e contra as políticas desastrosas da União Europeia (UE).
Tudo isto é ainda muito pouco face à gravidade dos problemas, mas representa um importante evoluir da consciência colectiva, indispensável para se trabalharem respostas aos desafios mais complexos que aí vêm.
Estamos a entrar na fase do "salto qualitativo" (agravamento) nas políticas de austeridade com o aumento da electricidade e a sobretaxa, com o agravamento dos preços e dos impostos, com os cortes salariais.
No espaço da UE é reconhecido que o crescimento estagna, a incerteza é "extremamente elevada" e "o risco de recessão não é negligenciável".
A chamada "cura" pelo jejum (o empobrecimento) é uma ideia com tremendos custos sociais, económicos e políticos, e ameaça a democracia.
Como muito bem lembrou Pacheco Pereira, no dia 24, na SIC-N ("Quadratura do círculo") "em democracia a greve, como todos os direitos, tem custos" e "a greve não é um direito menor"! Por mim acrescento, é um direito e um dever quando está em causa a justiça, a dignidade e a democracia.
Elísio Estanque no "Público" (25 Nov.) refere que a greve "é um acto de afirmação (da parte mais fraca), sem o qual o diálogo se confunde com resignação. Tal como não existe verdadeiro consenso sem dissensão também se pode dizer que não existe negociação sem conflito e pluralidade".
O tempo que vivemos é mesmo de combate à resignação e de exigência de negociação séria: no plano político, considerando as propostas de todas as forças, em particular das não comprometidas no desastre; no plano económico, com os patrões, os sindicatos e outras entidades, respeitando os interesses privados e os colectivos, sempre para responder às necessidades das pessoas e do país; no plano social, com os trabalhadores e os seus sindicatos e com os cidadãos através das suas organizações, para afirmar a justiça social, o combate à pobreza, uma melhor distribuição e utilização da riqueza e a coesão da sociedade.
A greve geral mostrou-nos, entretanto, uma extraordinária consciência social dos trabalhadores. A greve foi realizada em enorme esforço. Centenas de milhares assumiram o dever de lutar, mesmo sabendo que os euros perdidos na greve vão fazer muita falta no fim do mês; muitos milhares sentiram que o direito de pensar e agir livremente já não lhes é garantido, mas agiram.
A saída da "crise" em que o país se encontra jamais surgirá pela mão dos que nos conduziram ao desastre e com a cartilha económica, social e política que vêm utilizando.
As soluções vão encontrar-se a partir, não apenas de mais "sobressalto social" mas, acima de tudo, de mais acção colectiva transformadora, assente em conteúdos concretos, concretizada pelos trabalhadores e pelo povo.
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