AMIR KAIR – CARTA MAIOR
Após a Grécia, a Itália passou a ser a bola da vez na crise econômica na União Europeia. Ela é grande demais para ser resgatada pelos mecanismos convencionais. Tem a maior dívida do bloco - 1,9 trilhão de euros, valor superior à soma das dívidas de Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia -, e está sendo rapidamente abandonada pelos investidores. Caso não surja logo uma solução para a dívida italiana pode-se prever o esfacelamento da zona do euro e uma crise bancária global.
A deterioração da situação da zona do euro ganhou dinâmica própria devido ao atraso nas decisões de equacionamento dos problemas enfrentados pelas economias com maiores dificuldades. A Alemanha e outros países mais ricos acham que Grécia, Portugal e Itália gastaram mais do que podiam, e temem que um resgate concedido logo vá reduzir a pressão sobre eles para que mudem de comportamento. Os países devedores, por sua vez, julgam que há um desequilíbrio em toda a zona do euro e que os países mais ricos deveriam consumir mais e exportar menos, para se voltar ao equilíbrio.
Fato é que os governos dos países mais ricos acabaram por deixar que a crise chegasse ao coração da zona do euro e terão agora de encontrar uma resposta imediata sobre se haverá mais recursos para sustentar os países em dificuldades e de onde eles virão.
A solução dos problemas está cada vez mais difícil. O veto da Alemanha de que o Fundo de Estabilização Financeira conte com linhas auxiliares do Banco Central Europeu (BCE) e a negativa de garantias adicionais para elevar os recursos disponíveis deixaram imobilizadas as fontes encarregadas de resgatar títulos soberanos e capitalizar bancos.
Após a Grécia, a Itália passou a ser a bola da vez. Ela é grande demais para ser resgatada pelos mecanismos convencionais. É o maior devedor do bloco, com compromissos de € 1,9 trilhão - valor superior à soma das dívidas de Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia - está sendo rapidamente abandonada pelos investidores. O rendimento dos bônus de dez anos do Tesouro italiano subiu para níveis recordes. O terceiro maior emissor de bônus do mundo ultrapassou o limiar já rompido por Grécia, Portugal e Irlanda, e caminha para o mesmo fim. A Itália terá de pagar um preço insustentável para rolar sua dívida e corre o risco de não encontrar compradores para seus títulos, mesmo com alta remuneração.
Caso não surja rapidamente uma solução para a dívida italiana pode-se prever o esfacelamento da zona do euro e uma crise bancária global. Os bancos franceses, bastante expostos à Grécia, têm US$ 366 bilhões em títulos da dívida italiana. A Espanha, cujos papéis também estão sob pressão, provavelmente seria arrastada e com ela, mais créditos de bancos franceses (US$ 118 bilhões).
Diante desses fatos a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, advertiu dia 9 em Pequim sobre o “risco de espiral de instabilidade financeira mundial” se as economias do planeta não reagirem conjuntamente à crise. “Estamos todos no mesmo barco e nosso destino será crescer ou cair juntos”.
Fato é que a crise na zona do euro começa a se espalhar pelo mundo. O primeiro reflexo disso se dá nas bolsas de valores, que vem caindo há algum tempo, pois os investidores estão fugindo do risco procurando aplicações que rendam menos, mas que apresentam condições de resgate favoráveis. O passo seguinte será a crise bancária uma vez que os bancos estão abarrotados de títulos soberanos dos países que já sentem a recessão devido aos pacotes de austeridade impostos pelo FMI, BCE e União Europeia.
Esses pacotes impõem barreiras ao crescimento e sem crescimento econômico não há geração de receita nesses países para poder honrar o pagamento da dívida e o calote é inevitável podendo gerar a quebra dos bancos mais expostos aos títulos soberanos.
Segundo o Financial Times de 4 de agosto, os 90 bancos que fizeram parte do teste de estresse realizado neste ano pela Autoridade Bancária Europeia - considerado brando demais - terão de refinanciar US$ 5,4 trilhões em dívida nos próximos dois anos, ou o equivalente a 45% do Produto Interno Bruto da União Europeia.
A exposição às dívidas soberanas eleva os riscos aos empréstimos interbancários e isso reduz a liquidez do mercado. No dia 7 o BCE tinha US$ 400 bilhões de instituições financeiras que preferem ser mal remuneradas a realizar empréstimos.
A consequência é a retração progressiva dos bancos europeus em seus negócios pelo mundo, já que correm perigo em seus mercados de origem. Isso já ocorreu nos EUA, onde o Fed (banco central americano) detectou que 23% das instituições europeias tornaram mais rígidos os requisitos para emprestar no terceiro trimestre. Isso gera desconfiança e dois terços dos bancos americanos racionaram créditos para bancos europeus e para companhias que têm negócios significativos na zona do euro.
Para os países emergentes, a ameaça é que o financiamento europeu sofra interrupção, o que ainda não ocorreu. Na Ásia, os empréstimos dos bancos da zona do euro suprem 21% do financiamento externo total de US$ 2,5 trilhões. Segundo o Financial Times do dia 8, alguns países são muito dependentes desses recursos, que compõem 52% do funding da Coreia do Sul e 75% do da Indonésia. No Brasil, os ativos das instituições da união monetária correspondem a 73% do total de ativos de instituições estrangeiras, segundo dados do Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements) BIS para o segundo trimestre deste ano.
Em sequência à redução dos financiamentos se dá a obstrução do comércio internacional. Devido ao encolhimento das atividades econômicas na zona do euro, o contágio já ocorre. As exportações da China para a União Europeia perderam velocidade e no caso da Itália caíram 18%.
Por outro lado, se não houver uma quebradeira generalizada de bancos europeus, eles terão de fazer negócios com os poucos países que estão crescendo no mundo, os emergentes, já que Europa e EUA perderam o dinamismo e o Japão está estagnado há vários anos. A rolagem dos bônus brasileiros deixou de ser integral, um efeito ainda suave de turbulências que podem ser muito mais destrutivas. As exportações ainda não sentiram o baque, mas isso será apenas uma questão de tempo. A redução do superávit comercial é inevitável, embora não necessariamente drástica.
Não se sabe com que intensidade a transmissão da crise europeia pelos dois canais – comercial e bancário - atingirá o Brasil. A interrupção dos canais de crédito, como em 2008, jogou rapidamente a economia brasileira em recessão. Vínhamos crescendo na média de 4,8% ao ano no período 2004 a 2008 e amargamos uma recessão de 0,6% em 2009, ou seja, o PIB foi derrubado em 5,4 pontos. Para evitar que se repita isso é fundamental estimular fortemente a economia e, nesse sentido o novo salário mínimo e o ano de eleições vão contribuir. O governo acabou de reduzir uma parte da trava ao crédito feito pelas medidas macroprudenciais no final do ano passado e isso também poderá ajudar. Mas são necessários mais estímulos.
(*) Mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), consultor.
Fato é que os governos dos países mais ricos acabaram por deixar que a crise chegasse ao coração da zona do euro e terão agora de encontrar uma resposta imediata sobre se haverá mais recursos para sustentar os países em dificuldades e de onde eles virão.
A solução dos problemas está cada vez mais difícil. O veto da Alemanha de que o Fundo de Estabilização Financeira conte com linhas auxiliares do Banco Central Europeu (BCE) e a negativa de garantias adicionais para elevar os recursos disponíveis deixaram imobilizadas as fontes encarregadas de resgatar títulos soberanos e capitalizar bancos.
Após a Grécia, a Itália passou a ser a bola da vez. Ela é grande demais para ser resgatada pelos mecanismos convencionais. É o maior devedor do bloco, com compromissos de € 1,9 trilhão - valor superior à soma das dívidas de Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia - está sendo rapidamente abandonada pelos investidores. O rendimento dos bônus de dez anos do Tesouro italiano subiu para níveis recordes. O terceiro maior emissor de bônus do mundo ultrapassou o limiar já rompido por Grécia, Portugal e Irlanda, e caminha para o mesmo fim. A Itália terá de pagar um preço insustentável para rolar sua dívida e corre o risco de não encontrar compradores para seus títulos, mesmo com alta remuneração.
Caso não surja rapidamente uma solução para a dívida italiana pode-se prever o esfacelamento da zona do euro e uma crise bancária global. Os bancos franceses, bastante expostos à Grécia, têm US$ 366 bilhões em títulos da dívida italiana. A Espanha, cujos papéis também estão sob pressão, provavelmente seria arrastada e com ela, mais créditos de bancos franceses (US$ 118 bilhões).
Diante desses fatos a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, advertiu dia 9 em Pequim sobre o “risco de espiral de instabilidade financeira mundial” se as economias do planeta não reagirem conjuntamente à crise. “Estamos todos no mesmo barco e nosso destino será crescer ou cair juntos”.
Fato é que a crise na zona do euro começa a se espalhar pelo mundo. O primeiro reflexo disso se dá nas bolsas de valores, que vem caindo há algum tempo, pois os investidores estão fugindo do risco procurando aplicações que rendam menos, mas que apresentam condições de resgate favoráveis. O passo seguinte será a crise bancária uma vez que os bancos estão abarrotados de títulos soberanos dos países que já sentem a recessão devido aos pacotes de austeridade impostos pelo FMI, BCE e União Europeia.
Esses pacotes impõem barreiras ao crescimento e sem crescimento econômico não há geração de receita nesses países para poder honrar o pagamento da dívida e o calote é inevitável podendo gerar a quebra dos bancos mais expostos aos títulos soberanos.
Segundo o Financial Times de 4 de agosto, os 90 bancos que fizeram parte do teste de estresse realizado neste ano pela Autoridade Bancária Europeia - considerado brando demais - terão de refinanciar US$ 5,4 trilhões em dívida nos próximos dois anos, ou o equivalente a 45% do Produto Interno Bruto da União Europeia.
A exposição às dívidas soberanas eleva os riscos aos empréstimos interbancários e isso reduz a liquidez do mercado. No dia 7 o BCE tinha US$ 400 bilhões de instituições financeiras que preferem ser mal remuneradas a realizar empréstimos.
A consequência é a retração progressiva dos bancos europeus em seus negócios pelo mundo, já que correm perigo em seus mercados de origem. Isso já ocorreu nos EUA, onde o Fed (banco central americano) detectou que 23% das instituições europeias tornaram mais rígidos os requisitos para emprestar no terceiro trimestre. Isso gera desconfiança e dois terços dos bancos americanos racionaram créditos para bancos europeus e para companhias que têm negócios significativos na zona do euro.
Para os países emergentes, a ameaça é que o financiamento europeu sofra interrupção, o que ainda não ocorreu. Na Ásia, os empréstimos dos bancos da zona do euro suprem 21% do financiamento externo total de US$ 2,5 trilhões. Segundo o Financial Times do dia 8, alguns países são muito dependentes desses recursos, que compõem 52% do funding da Coreia do Sul e 75% do da Indonésia. No Brasil, os ativos das instituições da união monetária correspondem a 73% do total de ativos de instituições estrangeiras, segundo dados do Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements) BIS para o segundo trimestre deste ano.
Em sequência à redução dos financiamentos se dá a obstrução do comércio internacional. Devido ao encolhimento das atividades econômicas na zona do euro, o contágio já ocorre. As exportações da China para a União Europeia perderam velocidade e no caso da Itália caíram 18%.
Por outro lado, se não houver uma quebradeira generalizada de bancos europeus, eles terão de fazer negócios com os poucos países que estão crescendo no mundo, os emergentes, já que Europa e EUA perderam o dinamismo e o Japão está estagnado há vários anos. A rolagem dos bônus brasileiros deixou de ser integral, um efeito ainda suave de turbulências que podem ser muito mais destrutivas. As exportações ainda não sentiram o baque, mas isso será apenas uma questão de tempo. A redução do superávit comercial é inevitável, embora não necessariamente drástica.
Não se sabe com que intensidade a transmissão da crise europeia pelos dois canais – comercial e bancário - atingirá o Brasil. A interrupção dos canais de crédito, como em 2008, jogou rapidamente a economia brasileira em recessão. Vínhamos crescendo na média de 4,8% ao ano no período 2004 a 2008 e amargamos uma recessão de 0,6% em 2009, ou seja, o PIB foi derrubado em 5,4 pontos. Para evitar que se repita isso é fundamental estimular fortemente a economia e, nesse sentido o novo salário mínimo e o ano de eleições vão contribuir. O governo acabou de reduzir uma parte da trava ao crédito feito pelas medidas macroprudenciais no final do ano passado e isso também poderá ajudar. Mas são necessários mais estímulos.
(*) Mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), consultor.
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