segunda-feira, 28 de novembro de 2011

EGÍPCIOS COMEÇARAM A VOTAR, NA TAHIR NÃO PÁRA A REVOLUÇÃO




Sofia Lorena, no Cairo - Público - reportagem

À "sexta-feira da última oportunidade" seguiu-se o "domingo da raiva". Saleh só quer que os pais percebam o valor da liberdade.

Saleh Mohamed esperou muito por este dia. Com 24 anos, o jovem técnico de segurança numa empresa de gás também já lutou por este dia. As primeiras eleições depois da queda do ditador começam hoje no Egipto. Em Fevereiro, Saleh acreditava que este seria o primeiro passo para a democracia. "Estas eleições são o pior que podia acontecer agora", diz, à conversa no terraço de um hotel, 15 minutos a pé da Praça Tahrir, com vista para as ruas do centro do Cairo.

Quase 50 milhões podem votar. No tempo de Mubarak, não votavam mais de seis milhões. Mas, hoje, Saleh não vai votar. De manhã, sairá de casa para ir trabalhar. Depois, vai regressar à Tahrir, onde esteve ontem à noite e nas noites anteriores.

Durante a conversa no terraço, à volta de um chá, Saleh desculpou-se e por duas vezes atendeu o telefone. Desde que foi detido e espancado, o pai liga-lhe pelo menos uma vez por hora. "De tudo o que aconteceu, o pior são os meus pais. Compreendo que fiquem preocupados, mas gostava que me entendessem, que percebessem que estabilidade sem liberdade não vale de nada. Que conseguissem aceitar que eu estava na Rua Mohammad Mahmoud a defender a praça da polícia, para que na Tahrir pudessem estar famílias e crianças."

Saleh foi preso por volta das nove da noite de terça-feira. Tinha chegado há pouco à Mohammad Mahmoud, a rua que sai da praça e dá acesso ao Ministério do Interior, transformada até quinta-feira em cenário de batalha campal. "Admito que pensei em atirar pedras. Mas não atirei nenhuma. Limitei-me a lançar de volta algumas latas de gás lacrimogéneo que apanhei do chão."

Depois de uma chuva de gás mais intensa, Saleh e três amigos tentaram correr para uma rua lateral. O jovem perdera os óculos no sábado, dia das primeiras cargas policiais sobre manifestantes pacíficos na Tahrir. É de sábado e domingo a maioria dos 42 mortos da última semana.

Estatuto social

"O lenço que trazia ao pescoço ficou preso numa barreira de arame farpado. Como não conseguia ver, demorei a tentar soltar-me e fiquei para trás. De repente, senti que alguém me agarrava e me atirava ao chão. Era um polícia. Logo a seguir, chegou outro. Deram-me pontapés e bateram-me com os bastões."

Saleh tem uma perna cheia de nódoas negras e o que agora parece um corte de dois centímetros na cabeça. As dores parecem diminuir de cada vez que descreve o que lhe aconteceu. "Foi assustador, frustrante, desgastante. A certa altura, deixaram-me ligar ao meu pai. Depois, levaram-nos a todos do primeiro sítio, uma construção de madeira perto do ministério, para um campo da polícia perto da prisão de Tora. Quando o meu pai apareceu à minha procura no ministério, disseram-lhe que alguns de nós tínhamos armas e mandaram-no procurar-me numa esquadra. Só mentiras."

Saleh teve sorte. Entre as 20 pessoas que passaram a noite juntas, integrou o primeiro grupo de libertados. Perto das oito da manhã, deixaram-nos numa via rápida. "A polícia lida connosco de acordo com o estatuto social. Perceberam que sou engenheiro e que vivo num bairro bom. Disse-lhes que também trabalho como jornalista. Tinha conhecido um repórter do Times na véspera e foi o que me ocorreu para justificar estar na Mohammad Mahmoud."

Mazelas e amigos mortos

Saleh esteve entre os primeiros jovens a chegar à Tahrir a 25 de Janeiro. Queriam protestar contra a violência policial, contra a corrupção, contra as detenções arbitrárias. Hosni Mubarak mandou a polícia antimotim disparar contra eles. Todos têm mazelas, todos perderam algum amigo. Mas mantiveram-se na Praça da Libertação até que outros egípcios se lhes quiseram juntar. Com o passar dos dias, chegaram os islamistas, os cristãos, pessoas de todas as idades e profissões, gente que nunca tinha ousado falar contra a ditadura.

A 11 de Fevereiro, festejaram juntos a vitória. Mubarak caía, após 30 anos de poder absoluto. Como é que isso tinha sido possível?, perguntavam-se. Por todo o país, muitos começavam a acreditar que a mudança era possível. Por todo o mundo árabe, muitos começavam a pensar que também eles poderiam dizer "basta", que o autoritarismo com que eram governados não era, afinal, inevitável.

Alguns dos activistas do início do ano, confidenciam agora, já sabiam que a revolução não estava feita. Que faltava derrubar o sistema. Que o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), autoridade máxima no país desde Fevereiro, não partilhava as suas crenças nem representava as suas expectativas. Que, desde 1952, o Egipto só teve militares na presidência e que estes não abdicariam facilmente do seu poder e dos seus privilégios.

Os que não o souberam na altura sabem-no agora. Depois de dez meses de incompetência, de tentativas para atrasar a transição e a transferência de poderes para civis eleitos, de milhares de activistas presos e julgados em tribunais militares, de mais violência policial. De mais autoritarismo.

Quem permanece na Tahrir não acredita nestas eleições nem nos políticos que querem um lugar na nova Assembleia. Fora da Tahrir, muitos deixaram de entender os seus motivos. Outros estão simplesmente cansados. Querem uma vida normal, ou aquilo a que se habituaram a chamar uma vida normal.

Mas também há os que ali chegam pela primeira vez, cansados das mentiras da televisão egípcia, que insiste em chamar "bandidos" aos manifestantes pró-democracia.

Estabilidade e turismo

"O nosso Presidente, que agora está doente, roubou-nos muito, muito, muito dinheiro. Mas havia estabilidade, havia turismo. Agora, a minha irmã tem medo de sair de casa com os filhos pequenos. De ir ao cinema, por exemplo. O que precisamos é de turistas, não de protestos", diz Ahmed Mostafa, gerente do Sports, um café no bairro de classe média de Mohandessin.

A Irmandade Muçulmana, o mais forte dos grupos islamistas egípcios, abandonou a Tahrir. Defende as eleições e tem negociado com o CSFA. Acredita que vai ganhar a maioria dos lugares na Assembleia e que poderá assim dominar o comité que terá a cargo a redacção da futura Constituição.

Alguns bloggers independentes suspenderam a participação no processo eleitoral. Fizeram-no mesmo temendo dar votos à Irmandade e aos membros do partido de Mubarak, autorizados a concorrer.

A Tahrir realizou um referendo informal para escolher os nomes que quer ver encabeçar um Governo de salvação nacional, com poderes reais, para substituir o Exército até a transição estar terminada. De acordo com os votos da praça, o líder desse Governo seria Mohamed ElBaradei, o antigo chefe da Agência de Energia Atómica da ONU.

Ilegítimas e inevitáveis

Ahdaf Soueif, romancista, colunista do Guardian e tia de Alaa Abd El Fattah, um dos mais respeitados bloggers no Egipto, preso desde Outubro e a aguardar julgamento num tribunal militar, vai votar. "Considero as eleições ilegítimas, já que são organizadas pelo CSFA, responsável pelas mortes da última semana. Mas as eleições vão acontecer, quer queiramos quer não. Defendo que temos de votar e, ao mesmo tempo, continuar a protestar na Tahrir e diante da sede do Governo", onde centenas acamparam para impedir a entrada do primeiro-ministro nomeado pelo CSFA.

Com a demissão do anterior Governo interino, o CSFA pediu a Kamal Ganzouri para formar um novo executivo. Ganzouri já foi primeiro-ministro e foi ele que, em 1997, entregou a pasta do Interior ao temido e odiado Habib al-Adly.

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1 comentário:

Anónimo disse...

Quero ver este blog continuar a elogiar essa revolução, depois que a IRMANDADE MUÇULMANA começar a exterminar os comunistas do Egito.

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