JORGE FIEL – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião
É extraordinário o percurso de vida de Manuel Carvalho da Silva, que, nascido há 63 anos numa família de pequenos agricultores minhotos, teve a sorte de escapar à servidão da gleba devido à pressão e persistência do seu professor primário.
Poderia ter cumprido o sonho de ser engenheiro electrotécnico (até aos 13 anos não teve luz em casa) se no final do curso industrial de montador electricista não tivesse sido chamado para a tropa e despachado para a guerra colonial em Cabinda.
Poderia ter sido empresário se em vez de vir ao mundo no pós-guerra tivesse nascido uns dez anos mais tarde, quando começou a florescer a industrialização têxtil dos vales do Cávado e Ave, uma vez que ainda adolescente já evidenciava uma costela empreendedora que lhe permitiu acumular o capital para comprar os primeiros rádio e relógio ao trabalhar as terras dos vizinhos com a debulhadora pedida emprestada ao pai.
Poderia ter sido um alto dirigente do PCP, quem sabe se até mesmo secretário-geral, se tivesse optado por colocar ao serviço do partido os seus imensos talentos de organização que encantaram os gestores das filiais portuguesas das multinacionais alemãs onde trabalhou - ao ponto de o tentarem seduzir com uma carreira internacional.
Poderia até estar com assento na Conferência Episcopal Portuguesa se o pai, em vez de insistir em que o mais velho dos seus seis filhos o ajudasse na lavoura, o tivesse mandado para o seminário.
Católico de formação, temperado pela militância nas fileiras da JEC e da Juventude Agrária, Manuel fez a escolha generosa de dedicar 30 anos da sua vida à defesa dos interesses dos trabalhadores - da melhor maneira que soube e pode.
Há exactamente uma semana, entre o final na tarde e o início da noite, tive o privilégio de estar à conversa com Manuel Carvalho da Silva, a menos de dois meses dele iniciar um novo fôlego da sua vida, em que vai tirar partido do curso e doutoramento em Sociologia, feitos após ter retomado os estudos já com 45 anos.
Perguntei-lhe se ainda acreditava em Deus e na Igreja. Respondeu-me que tinha uma forma muito própria e pessoal de viver essas dimensões.
Ontem, no momento de reflexão antes de escrever esta crónica, vieram-me à cabeça estas palavras sábias do líder da CGTP.
Revi-me nelas. Na verdade, eu tenho uma forma muito própria e pessoal de viver esta dimensão da luta sindical e da greve geral.
E essa forma própria e pessoal leva-me a preferir que o patrão me peça para trabalhar mais meia hora por dia do que apenas quatro dias por semana - como se prepara para fazer António Costa (o amigo com que Carvalho da Silva tomou café durante a campanha para as últimas autárquicas) aos trabalhadores da Câmara de Lisboa. Gosto de me sentir desejado.
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