domingo, 27 de novembro de 2011

RECORDANDO O ANTIGO DUPLO CHORO DOS MOÇAMBICANOS…




… E OUTROS AFRICANOS QUE QUERIAM TRABALHAR NA EUROPA

GUSTAVO MAVIE, em Lisboa - AIM

LISBOA (PORTUGAL), 26 NOV (AIM) - Alguns dos moçambicanos que tenho estado a travar conhecimento com eles desde que cheguei na última sexta-feira aqui em Lisboa, têm estado a contar-me as peripécias porque passaram para obter o visto de entrada aqui em Portugal e noutros países europeus ou mesmo do Ocidente em geral.

Muitos de nós tivemos um duplo-choro e não só um simples e único choro que agora os portugueses têm chorado, disse-me um dos moçambicanos, no que suscitou-me mais curiosidade ainda sobre o que teria sido isso de ´´duplo choro´´, ao que ele disse que “vou explicar-te meu irmão”.

Um deles, de nome Luís e que aqui veio na década de 80 quando Moçambique estava sendo alvo da guerra de desestabilização, movida pelo apartheid via Renamo, contou-me através de uma anedota concebida por angolanos e que é uma prova de que na vida nunca nos podemos zombar ou chantagear ninguém que precisa do nosso apoio pela simples convicção de que nunca precisaremos dele.

“É preciso ter se em mente sempre a tese da amabilidade da viagem que nos ensina que mesmo a um pobre podemos um dia precisar do seu apoio”, disse-me Luís antes de dizer que agora que os nossos países já não estão em guerra e estão a colher os frutos da paz são os mesmos ocidentais, incluindo os portugueses, que estão pedindo vistos em massa para irem trabalhar nos nossos países, quando há uns poucos anos juravam a pés juntos que nunca mais voltariam a pôr os pés sequer para visitar e muito menos para trabalhar.

Antes de continuar contar esta história do duplo choro dos africanos, aqui conto essa anedota para que o leitor possa melhor compreender o que é que causava esse duplo pranto dos que cá queriam vir visitar, estudar ou mesmo trabalhar.

A anedota diz o seguinte: há uns anos, muitos angolanos acordavam e diziam chorando copiosamente às suas queridas esposas que filha, vou à Embaixada portuguesa pedir o visto para ir trabalhar na construção civil em Portugal. Só que algumas horas depois, voltavam junto das suas esposas a chorar copiosamente outra vez porque tinham lhes sido recusado o visto e duma maneira tão humilhante que só lhes causava remorsos pelo desdém de que eram tratados por parte de alguns funcionários que estavam afectos aos consulados das embaixadas portuguesas e, dum modo geral, de todas as missões ocidentais. Mas hoje, com a crise económica e financeira que se abate sobre Portugal e dum modo geral toda a Europa, agora são os portugueses que se encostam também sobre o ombro das suas queridas esposas chorando copiosamente dizendo filha, vou à Embaixada angolana pedir o visto para ir trabalhar na construção civil em Angola. Felizmente, pelo menos os portugueses só choram uma vez por terem de deixar as suas queridas, porque é lhes dado o visto quase de mão beijada, e com todo o respeito e consideração que se deve a um ser humano, tenha a cor que tiver, seja ou não de um país rico ou pobre, ou em crise.

Esta anedota traz-me de volta o valioso ensinamento do adágio africano que reza que nunca deves selar o poço em que acabas de beber água na convicção de que nunca mais vou precisar outra vez dele, porque pode ser que venha a precisar outra vez um dia. Certamente que os portugueses e outros ocidentais que recusavam os vistos com desdém aos africanos e mesmo aos asiáticos nunca imaginavam que um dia fossem precisar de ir aos seus países, não só como turistas mas sim como um lugar alternativo para irem trabalhar e ganhar assim o pão-de-cada-dia que já não há nos seus países.

Felizmente, os africanos dum modo geral não são vingativos, mesmo agora que se recordam de toda essa humilhação em que eram sujeitos quando os seus países estavam em guerras que as paralisava e provocava carências ou mesmo falta de tudo, até de água potável. No lugar de se vingarem, eles vão dando vistos, havendo centenas de portugueses e outros ocidentais que agora estão emigrando para países como Angola e Moçambique em busca do trabalho e melhores condições de vida.

“Nós não nos vamos vingar porque sabemos que os que nos recusavam os vistos não eram o povo desses países mas sim certos indivíduos possuídos de um vírus racístico, do mesmo modo que não nos vingamos do povo português após termo-nos tornado independentes, porque uma coisa era o colonialismo e outra coisa eram os povos que até, no caso de Portugal, era também vítima do mesmo regime que a nós nos colonizava, porque impunha sobre o seu próprio povo o fascismo, assim explicou um dos membros do consulado angolano aqui em Portugal.

O mesmo diplomata recordou-me que não só nos recusavam o visto, como houve muitos africanos que eram apanhados em pleno mar alto a tentar entrar clandestinamente na Europa e que eram impiedosamente atirados à agua por alguns dos funcionários que patrulhavam as costas marítimas de alguns dos países europeus, os quais acabaram morrendo lá.

“Foi tanta desumanidade meu irmão que se conto é porque estou convencido que é bom que publique isto no jornal para que os que faziam isto saibam que nós temos de nos ajudar uns aos outros, e que quem ajuda outro que esteja necessitando está-se ajudando a si mesmo, porque o ajudado de hoje pode vir a ajudar amanhã. Ontem éramos nós que queríamos a ajuda dos nossos irmãos portugueses e de todos os ocidentais, e que nos recusaram, mas agora são eles que querem a nossa ajuda e nós estamos ajudando-os, porque o Pai Nosso preconiza que temos de perdoar mesmo os que nos ofendem”, explicou aquele cidadao.

“Eu daria visto mesmo se me aparecesse quem recusou o visto em Angola aos meus compatriotas, porque ele não sabia o que fazia, tal como Jesus Cristo disse ao seu Pai que perdoasse os que estavam o crucificando porque não sabiam o que estavam fazendo”, acrescentou.

Mandela é um dos que aplicou esta tese de Cristo na sua máxima força, indo visitar os que o haviam mandado encarcerar e ainda tomar chá com eles depois de sair da prisão. Hoje ele é Grande e este seu gesto humanístico inspirará as gerações futuras e ajudará a fazer dos futuros homens e mulheres pessoas que não optarão pela pena de Talião, porque como dizia Ghandi, se fosse aplicado, faria com que houvesse cada vez mais cegos e outros defeituosos.

Infelizmente, apesar desta grande lição de humanismo e solidariedade que os africanos têm estado a dar e que, mais do que isso, prova de que eles sabem e compreendem que as fronteiras políticas são uma invenção artificial dos políticos, mas que os homens foram colocados por Deus na Terra para viverem em todo e qualquer ponto do mundo, ainda hoje há países que recusam vistos aos africanos ou que para se obter o seu visto passa-se por verdadeiras humilhações, como se ir aos seus países fosse ir ao encontro do paraíso onde não falta leite e mel.

É como se não fossem subscritores dos postulados dos visionários que criaram as Nações Unidas e que era exactamente para desmontar essas separações politicas, e voltar-se a ter os homens como seres humanos que devem viver juntos e que possam ir para onde querem, sem terem de precisar de vistos. Aliás, isto acontece agora com os cidadãos que fazem parte de certas comunidades regionais, como a União Europeia, a SADC e várias outras, em que a circulação dos seus cidadãos por cada um dos países membros não carece de visto.

Diga-se em abono da verdade que os EUA e a Grã-Bretanha são alguns dos países que para um africano ir visitar passa por um verdadeiro teste de paciência e resistência ao desgaste psicológico em que muitas vezes termina pela recusa, não obstante não se faça o mesmo em relação aos cidadãos desses países que queiram visitar África. A eles é lhes dado sempre o visto no minuto seguinte ao do pedido. O que se tem feito contra os africanos, chama-se retribuir ouro em chumbo ou melhor dito, em nada. Quem tentar negar o que aqui digo, é o mesmo que dizer que o Sol não existe – não é por isso que ele deixará de brilhar.

GM/DT

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