domingo, 27 de novembro de 2011

A CAMBADA




ANTÓNIO ALTE PINHO – O LIBERAL, opinião

O grande tema da semana política foi as namoradas, as camisas e as cuecas do Primeiro-ministro. E os “opinadores” de serviço, bem comportados e reverentes, trataram logo de crucificar o deputado Orlando Dias pelo infeliz dislate. Infeliz, claro, mas sem nada de extraordinário, de particularmente grave se comparado com o que algumas vezes se diz nos parlamentos da Europa ou nos EUA.

Que a vida íntima do Primeiro-ministro – como a de qualquer cidadão - não deve ser exposta na via pública é uma evidência. José Maria Neves não pode ter a sua intimidade devassada pelo facto de ser o chefe do Governo, de momento que as suas alegadas “conquistas” não tenham como suporte meios do Estado ou indiciem comportamentos ilícitos. Já a sua vida privada, pela natureza do cargo que ocupa – e ao contrário dos outros concidadãos – está sob o escrutínio permanente da opinião pública, como aliás acontece em qualquer Estado de Direito. Se é certo que a governação tem as suas vantagens, naturalmente que traz por arrasto o incómodo de os detentores de cargos públicos deixarem de beneficiar do resguardo de privacidade.

No caso particular de Cabo Verde, acresce a circunstância de séculos de colonização e quase uma década de partido único terem inculcado nos cabo-verdianos uma atitude reverente e submissa aos poderes públicos – erradamente confundida com respeito e educação -, factor de inibição colectiva e principal sustentáculo da lógica autoritária de governação que se conhece.

“Sua Excelência, o Primeiro-ministro”; “Sua Excelência, o ministro”; “Sua Excelência, o presidente da câmara”… são denominações em uso nos actos públicos e, não raras vezes, na própria imprensa. “Sua Excelência” porquê?! O que há assim de tão excelso na acção destes políticos, o que têm eles de nobreza, superioridade ou perfeição? As mais das vezes o que têm é a negação do significado da denominação.

Os mesmos que se indignaram com o desbocado deputado, não verteram uma linha que fosse sobre o ataque ao carácter do líder da oposição, feito pelo Primeiro-ministro, nem relevaram a estranheza de neste Orçamento de Estado haver rubricas com números escondidos, na ordem de mais de dois milhões e meio de contos. Os mesmos que consideram normal os rumores sobre alegados favorecimentos ao marido da ministra das Finanças e o silêncio desta. Os mesmos que consideram legítimo um Primeiro-ministro dever ao Fisco, construir casa privada em terreno público ou não pagar o IUP e o silêncio deste. Os mesmos, ainda, que estão mudos pelo contínuo uso abusivo de meios do Estado para fins privados, quinze dias após o próprio Primeiro-ministro ter garantido o fim do regabofe de utilização de viaturas de chapa amarela ao fim-de-semana.

A hipocrisia e o cinismo continuam a dominar a vida pública e a fazer centrar as atenções em faits divers, em coisas de somenos como a bujarda do deputado Dias ou o seu alegado passado psicótico. Mas está tudo calado – oposição incluída – sobre o escândalo do regresso dos apagões, a míngua de água, o encerramento de empresas, os salários em atraso, o aumento da insegurança ou a anedota de a crise ser apenas… “internacional”.

Desmontada a tenda dos trabalhos parlamentares, situação e oposição regressam felizes à modorra da vida diária. Uns a utilizar o aparelho de Estado para as suas estratégias partidárias e para dar de comer aos amigos, outros a conspirar nos bares e restaurantes chiques da cidade da Praia. Porque, quanto ao resto, é sabido que a oposição interna a JMN entrou em hibernação e a externa não vê mais vida para além do parlamento. Às vezes, apetece dizer: “Governo e oposição, a mesma cambada são”…, com o devido respeito.

ANTÓNIO ALTE PINHO - jornalista - privado.apinho@gmail.com

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