Merkosy |
FLÁVIO AGUIAR* – CARTA MAIOR, em Debate Aberto
A aposta alemã hoje é a de um curioso “capitalismo pleno num só país”, uma picante paródia do socialismo num só país praticado antes pela finada União Soviética. O socialismo soviético num só país redundou em rotundo fracasso. Vamos ver o que acontece com o capitalismo num só país do esforço alemão.
Enquanto escrevo essas notas, a chanceler Ângela Merkel está reunida com o presidente francês Nicolas Sarkozy para definir uma postura comum diante da próxima cúpula da União Européia, a se realizar na próxima sexta-feira.
Ultimamente a mídia criou um ser fantástico, chamado “Merkozy”. Isso definiria a atuação da dupla. Ledo engano. Nessa reunião há mais de desacerto do que de concertação, mais arestas do que encaixes, mais cacofonia do que rima.
Sarkozy está mais pressionado do que Merkel: tem eleições no ano que vem, enquanto Merkel só em 2013. O sistema bancário francês está mais frágil do que o alemão. Mas Merkel também não está navegando em mar de almiranta: um de seus parceiros na coligação que governa desde Berlim, o liberal FDP, está muito mal. Está na UTI, com uma queda de intenções de voto assustadora. Mas tem a seu favor pesquisas recentes que dizem que a maioria do eleitorado, se está insatisfeita com o governo, permanece contente com o comportamento pessoal da chanceler.
É provável que isso se deva ao fato de que Merkel prega constantemente as virtudes teologais do capitalismo protestante e alemão: fortaleza na semeadura, fé na colheita, temperança no usufruto, prudência no re-investimento. Ah sim, e em relação aos outros um mix de caridade e justiça: recompensas, mas se seguirem o apostolado do capitalismo germânico, ou seja, disciplina para o mundo.
O problema é que essa composição de virtudes traz uma solução imediata para os problemas. Arrocha-se o mundo alheio, ao redor, para garantir a estabilidade do próprio. A Alemanha precisa do arrocho nos investimentos públicos de seus vizinhos e parceiros (tanto da Zona do Euro como da União Européia: uma coisa não sobrevive sem a outra). Sem isso, a aliança interna de Merkel periclita. Somente um estado de inanição falimentar dos vizinhos garante que a Alemanha continuará a ser a ilha próspera num oceano de pobreza financeira. Enquanto os seus vizinhos permanecerem submetidos a juros altíssimos para renovar seus empréstimos, a Alemanha e seu sistema bancário continuarão atraentes para os investimentos da banca internacional.
Ademais, a Alemanha depende da manutenção do euro como moeda da maioria dos países da U. E. (17 em 27). Se houvesse uma debandada do euro, diz-se ad nauseam, o efeito imediato seria uma desvalorização das moedas alternativas (sejam o dracma, a lira, ou outras), o aumento ad absurdum das dívidas nacionais, e, em conseqüência, uma moratória (ou default, como hoje se diz) generalizada. Resultado: o sistema bancário alemão iria à falência, salvo se o poder público nacionalizasse as dívidas – o que encheria de ressentimento o espaço político alemão, com conseqüências funestas para a coligação no poder.
A longo prazo, as moedas alternativas barateariam as exportações alheias e encareceriam as suas importações. Caso a Alemanha se mantivesse dentro de um euro seletivo, só com os países do “norte disciplinado”, ou se re-adotasse o marco, a sua moeda ficaria supervalorizada em relação às demais, com efeitos catastróficos para suas exportações, além de facilitar as importações. Caso as exportações alemãs caiam, a Alemanha cai por inteiro. Em suma, um desastre, em todos os sentidos.
Por isso a aposta alemã hoje é a de um curioso “capitalismo pleno num só país”, uma picante paródia do socialismo num só país praticado antes pela finada União Soviética. No caso da URSS, o “socialismo num só país” não implicava a dissolução do comunismo nos países sob sua órbita – mas sim uma aplicação mitigada das suas regras que não permitisse seu afastamento da estrela (vermelha) central. Nada, por exemplo, de “autodeterminação dos povos” para os países da órbita vermelha. Quanto aos outros, que fizessem revoluções e conciliações burguesas, que não pusessem em perigo o equilíbrio da guerra fria, até que a URSS pudesse vence-la, e assim impor seu centralismo em escala mundial.
No caso da Alemanha, estamos diante de um projeto mais modesto, mas de estrutura semelhante. Para os países da pretendida órbita alemã, aplica-se o arrocho recessivo, que vai desde o esmagamento de pensões, aposentadorias, investimentos públicos, políticas sociais, salários, taxa de emprego, até a restrição absoluta ao crédito que, como se sabe, é a alma da prosperidade e do crescimento capitalista. Isso inclui, em parte, até a aliada/concorrente França, e a concorrente/aliada Inglaterra que, com os frangalhos de Império e com a soberania monetária, que ainda detém, poderia se tornar inconveniente na disputa pela hegemonia no Continente.
Por isso, os outros têm de ficar sob a batuta do trio Bruxelas/Frankfurt/Berlim, sedes, respectivamente, da Comissão Européia, do Banco Central Europeu e das virtudes teologais do capitalismo alemão.
Ultimamente a mídia criou um ser fantástico, chamado “Merkozy”. Isso definiria a atuação da dupla. Ledo engano. Nessa reunião há mais de desacerto do que de concertação, mais arestas do que encaixes, mais cacofonia do que rima.
Sarkozy está mais pressionado do que Merkel: tem eleições no ano que vem, enquanto Merkel só em 2013. O sistema bancário francês está mais frágil do que o alemão. Mas Merkel também não está navegando em mar de almiranta: um de seus parceiros na coligação que governa desde Berlim, o liberal FDP, está muito mal. Está na UTI, com uma queda de intenções de voto assustadora. Mas tem a seu favor pesquisas recentes que dizem que a maioria do eleitorado, se está insatisfeita com o governo, permanece contente com o comportamento pessoal da chanceler.
É provável que isso se deva ao fato de que Merkel prega constantemente as virtudes teologais do capitalismo protestante e alemão: fortaleza na semeadura, fé na colheita, temperança no usufruto, prudência no re-investimento. Ah sim, e em relação aos outros um mix de caridade e justiça: recompensas, mas se seguirem o apostolado do capitalismo germânico, ou seja, disciplina para o mundo.
O problema é que essa composição de virtudes traz uma solução imediata para os problemas. Arrocha-se o mundo alheio, ao redor, para garantir a estabilidade do próprio. A Alemanha precisa do arrocho nos investimentos públicos de seus vizinhos e parceiros (tanto da Zona do Euro como da União Européia: uma coisa não sobrevive sem a outra). Sem isso, a aliança interna de Merkel periclita. Somente um estado de inanição falimentar dos vizinhos garante que a Alemanha continuará a ser a ilha próspera num oceano de pobreza financeira. Enquanto os seus vizinhos permanecerem submetidos a juros altíssimos para renovar seus empréstimos, a Alemanha e seu sistema bancário continuarão atraentes para os investimentos da banca internacional.
Ademais, a Alemanha depende da manutenção do euro como moeda da maioria dos países da U. E. (17 em 27). Se houvesse uma debandada do euro, diz-se ad nauseam, o efeito imediato seria uma desvalorização das moedas alternativas (sejam o dracma, a lira, ou outras), o aumento ad absurdum das dívidas nacionais, e, em conseqüência, uma moratória (ou default, como hoje se diz) generalizada. Resultado: o sistema bancário alemão iria à falência, salvo se o poder público nacionalizasse as dívidas – o que encheria de ressentimento o espaço político alemão, com conseqüências funestas para a coligação no poder.
A longo prazo, as moedas alternativas barateariam as exportações alheias e encareceriam as suas importações. Caso a Alemanha se mantivesse dentro de um euro seletivo, só com os países do “norte disciplinado”, ou se re-adotasse o marco, a sua moeda ficaria supervalorizada em relação às demais, com efeitos catastróficos para suas exportações, além de facilitar as importações. Caso as exportações alemãs caiam, a Alemanha cai por inteiro. Em suma, um desastre, em todos os sentidos.
Por isso a aposta alemã hoje é a de um curioso “capitalismo pleno num só país”, uma picante paródia do socialismo num só país praticado antes pela finada União Soviética. No caso da URSS, o “socialismo num só país” não implicava a dissolução do comunismo nos países sob sua órbita – mas sim uma aplicação mitigada das suas regras que não permitisse seu afastamento da estrela (vermelha) central. Nada, por exemplo, de “autodeterminação dos povos” para os países da órbita vermelha. Quanto aos outros, que fizessem revoluções e conciliações burguesas, que não pusessem em perigo o equilíbrio da guerra fria, até que a URSS pudesse vence-la, e assim impor seu centralismo em escala mundial.
No caso da Alemanha, estamos diante de um projeto mais modesto, mas de estrutura semelhante. Para os países da pretendida órbita alemã, aplica-se o arrocho recessivo, que vai desde o esmagamento de pensões, aposentadorias, investimentos públicos, políticas sociais, salários, taxa de emprego, até a restrição absoluta ao crédito que, como se sabe, é a alma da prosperidade e do crescimento capitalista. Isso inclui, em parte, até a aliada/concorrente França, e a concorrente/aliada Inglaterra que, com os frangalhos de Império e com a soberania monetária, que ainda detém, poderia se tornar inconveniente na disputa pela hegemonia no Continente.
Por isso, os outros têm de ficar sob a batuta do trio Bruxelas/Frankfurt/Berlim, sedes, respectivamente, da Comissão Européia, do Banco Central Europeu e das virtudes teologais do capitalismo alemão.
O socialismo soviético num só país redundou em rotundo fracasso. Vamos ver o que acontece com o capitalismo num só país do esforço alemão.
*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
1 comentário:
Novamente a Alemanha se coloca como uma nação protagonista da história européia e global. Sem guerra, CONSQUISTARÁ UM CONTINENTE.
E existem uns tontos que acham que a época das "pequenas nações conquistadoras" acabou. Então tá, a Alemanha está aí para provar o contrário.
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