Lena Lavinas (*) – Carta Maior
Ao término de seis meses de implementação do Programa mais desafiador do governo Dilma, a trajetória percorrida autoriza algumas considerações. Amarras que restringiam o acesso dos elegíveis à condição de beneficiários do Bolsa Família foram parcialmente sanadas. A busca ativa levou ao reconhecimento de 407 mil famílias das 800 mil estimadas que deveriam estar recebendo o benefício mas não haviam sido contempladas. No quesito transferências monetárias, porém, o essencial ainda está por fazer. O artigo é de Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ.
Nada mais arrojado e temerário do que se comprometer com a erradicação da miséria em um curto espaço de tempo – quatro anos de mandato –, em uma federação marcada por elos débeis de cooperação, forte heterogeneidade dos entes federados e profunda desigualdade socioeconômica.
A presidente Dilma não fez por menos: transformou o slogan de campanha em meta de governo, identificando 16,3 milhões de brasileiros como prioritários no âmbito de um plano de combate à miséria que somou às transferências de renda o direito à cobertura pelos serviços públicos e perspectivas de inclusão produtiva. Ou seja, reconheceu que a indigência não é apenas falta de renda, senão também exclusão dos direitos de cidadania, negados pela falta de acesso, lá onde o entorno da miséria é miserável, o que torna estéreis oportunidades.
Ao término de seis meses de implementação do Programa mais desafiador do governo e cujo êxito será, sem dúvida, decisivo para manter em alta e no alto a credibilidade da gestão Dilma, a trajetória percorrida autoriza algumas considerações.
Amarras que restringiam o acesso dos elegíveis à condição de beneficiários do Bolsa Família foram parcialmente sanadas. A busca ativa levou ao reconhecimento de 407 mil famílias das 800 mil estimadas que deveriam estar recebendo o benefício mas não haviam sido contempladas. Destas, 325 mil famílias já entraram na folha de pagamento. Ademais, o benefício foi estendido a mulheres grávidas e nutrizes, antes não qualificadas para recebê-lo, bem como se ampliou para cinco filhos, em lugar de três apenas, o direito a um valor mensal de R$ 32,00 por dependente. Isso corresponde, respectivamente, à inclusão de 117 mil novas beneficiárias e mais 1,3 milhão de crianças de até 15 anos, antes penalizadas e discriminadas vis a vis seus irmãos. Por fim, a Secretaria Extraordinária de Erradicação da Pobreza Extrema logrou pactuar com oito estados da Federação, além do Distrito Federal, a complementação do piso de R$ 70,00 per capita para 3,5 milhões de famílias.
No quesito transferências monetárias, porém, o essencial ainda está por fazer: tornar o Bolsa Família um direito para qualquer um que preencha os critérios de elegibilidade e dispor de uma regra de reajuste do valor do benefício, com data para ser aplicada, ao abrigo, portanto, de decisões discricionárias do executivo. Se existe uma regra geral para todos os benefícios, inclusive os assistenciais como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), sua validade implica uniformidade. Mas o governo segue operando pela exceção.
Do ponto de vista da cobertura das políticas sociais, os resultados do Censo de 2010, recém-divulgados, dando conta dos déficits de saneamento básico, moradia, acesso à água corrente e bem-estar tornam por si só tímidos alguns avanços alcançados como, por exemplo, o aumento do piso do valor do per capita da Atenção Básica nos municípios onde se concentra a pobreza extrema, ou ainda a criação de mais de mil equipes volantes para levar a assistência social aos mais necessitados, acabando com o atendimento exclusivo, logo restritivo, de balcão.
A abertura de duas mil novas unidades de saúde, associada à instalação de 400 mil equipes do Programa Saúde da Família nessas terras de infortúnio são notícias alvissareiras, mas a manutenção do foco e a expansão dos serviços e de sua qualidade exigem recursos que a DRU, reconduzida, e sem respeito à preservação do orçamento da proteção social, acaba por ameaçar. Só em 2010 foram retirados da Seguridade Social em detrimento da universalidade da saúde e das ações de assistência perto de R$ 50 bilhões. A estratégia não pode ser apenas contemplar os menos contemplados, mas abrir espaço para eles ao lado de todos os demais cidadãos cujo acesso a uma saúde de qualidade e aos mínimos sociais deve permitir forjar uma sociedade mais igualitária, carência maior deste nosso Brasil.
No que tange a dimensão de inclusão produtiva, seria prematuro inferir impactos ou resultados mesmo preliminares, uma vez que as ações apenas se desenham. Um alerta, entretanto, faz-se necessário: a perspectiva de que formar o público-alvo do Programa Brasil Sem Miséria, capacitá-lo e profissionalizá-lo vá pavimentar quase de imediato a rota de superação definitiva da miséria parece meta pouco factível. Quem não consegue sair da miséria quando o país cresce a 7,5% ao ano, precisa de muito mais dotações que aquelas que uma capacitação de algumas semanas pode desenvolver.
Essa estratégia assim formulada renova com uma visão equivocada e preconceituosa de que pobres são pobres por estarem fora do mercado de trabalho ou nele inseridos precariamente em razão notadamente de sua baixa empregabilidade, sugerindo uma abordagem voluntarista de que a porta de saída é trabalhar quando o problema está, também, no modo de funcionamento do mercado de trabalho. A obra que acaba de ser premiada pelo Financial Times, Poor Economics, distinguiu-se como a melhor em 2011 por jogar por terra vários mitos no enfrentamento da pobreza, entre eles o de que o microcrédito é a salvação da lavoura.
Uma coisa é certa: a saída da Secretária Executiva, Ana Fonseca, e de sua equipe, da liderança do Programa Brasil Sem Miséria é um risco que o bom senso sugere não deva ser corrido. Poucas pessoas reúnem excelência acadêmica, compromisso político com a causa da pobreza e experiência com programas de transferência de renda, sem falar na sua retidão e no seu entusiasmo pela capacidade transformadora da ação pública. Se dúvidas há quanto ao sucesso em futuro próximo do Brasil Sem Miséria, elas parecem hoje ampliadas por uma baixa dificilmente compensável. Como bem diz o ditado, nem toda gente é gente que faz.
(*) Professora do Instituto de Economia da UFRJ
A presidente Dilma não fez por menos: transformou o slogan de campanha em meta de governo, identificando 16,3 milhões de brasileiros como prioritários no âmbito de um plano de combate à miséria que somou às transferências de renda o direito à cobertura pelos serviços públicos e perspectivas de inclusão produtiva. Ou seja, reconheceu que a indigência não é apenas falta de renda, senão também exclusão dos direitos de cidadania, negados pela falta de acesso, lá onde o entorno da miséria é miserável, o que torna estéreis oportunidades.
Ao término de seis meses de implementação do Programa mais desafiador do governo e cujo êxito será, sem dúvida, decisivo para manter em alta e no alto a credibilidade da gestão Dilma, a trajetória percorrida autoriza algumas considerações.
Amarras que restringiam o acesso dos elegíveis à condição de beneficiários do Bolsa Família foram parcialmente sanadas. A busca ativa levou ao reconhecimento de 407 mil famílias das 800 mil estimadas que deveriam estar recebendo o benefício mas não haviam sido contempladas. Destas, 325 mil famílias já entraram na folha de pagamento. Ademais, o benefício foi estendido a mulheres grávidas e nutrizes, antes não qualificadas para recebê-lo, bem como se ampliou para cinco filhos, em lugar de três apenas, o direito a um valor mensal de R$ 32,00 por dependente. Isso corresponde, respectivamente, à inclusão de 117 mil novas beneficiárias e mais 1,3 milhão de crianças de até 15 anos, antes penalizadas e discriminadas vis a vis seus irmãos. Por fim, a Secretaria Extraordinária de Erradicação da Pobreza Extrema logrou pactuar com oito estados da Federação, além do Distrito Federal, a complementação do piso de R$ 70,00 per capita para 3,5 milhões de famílias.
No quesito transferências monetárias, porém, o essencial ainda está por fazer: tornar o Bolsa Família um direito para qualquer um que preencha os critérios de elegibilidade e dispor de uma regra de reajuste do valor do benefício, com data para ser aplicada, ao abrigo, portanto, de decisões discricionárias do executivo. Se existe uma regra geral para todos os benefícios, inclusive os assistenciais como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), sua validade implica uniformidade. Mas o governo segue operando pela exceção.
Do ponto de vista da cobertura das políticas sociais, os resultados do Censo de 2010, recém-divulgados, dando conta dos déficits de saneamento básico, moradia, acesso à água corrente e bem-estar tornam por si só tímidos alguns avanços alcançados como, por exemplo, o aumento do piso do valor do per capita da Atenção Básica nos municípios onde se concentra a pobreza extrema, ou ainda a criação de mais de mil equipes volantes para levar a assistência social aos mais necessitados, acabando com o atendimento exclusivo, logo restritivo, de balcão.
A abertura de duas mil novas unidades de saúde, associada à instalação de 400 mil equipes do Programa Saúde da Família nessas terras de infortúnio são notícias alvissareiras, mas a manutenção do foco e a expansão dos serviços e de sua qualidade exigem recursos que a DRU, reconduzida, e sem respeito à preservação do orçamento da proteção social, acaba por ameaçar. Só em 2010 foram retirados da Seguridade Social em detrimento da universalidade da saúde e das ações de assistência perto de R$ 50 bilhões. A estratégia não pode ser apenas contemplar os menos contemplados, mas abrir espaço para eles ao lado de todos os demais cidadãos cujo acesso a uma saúde de qualidade e aos mínimos sociais deve permitir forjar uma sociedade mais igualitária, carência maior deste nosso Brasil.
No que tange a dimensão de inclusão produtiva, seria prematuro inferir impactos ou resultados mesmo preliminares, uma vez que as ações apenas se desenham. Um alerta, entretanto, faz-se necessário: a perspectiva de que formar o público-alvo do Programa Brasil Sem Miséria, capacitá-lo e profissionalizá-lo vá pavimentar quase de imediato a rota de superação definitiva da miséria parece meta pouco factível. Quem não consegue sair da miséria quando o país cresce a 7,5% ao ano, precisa de muito mais dotações que aquelas que uma capacitação de algumas semanas pode desenvolver.
Essa estratégia assim formulada renova com uma visão equivocada e preconceituosa de que pobres são pobres por estarem fora do mercado de trabalho ou nele inseridos precariamente em razão notadamente de sua baixa empregabilidade, sugerindo uma abordagem voluntarista de que a porta de saída é trabalhar quando o problema está, também, no modo de funcionamento do mercado de trabalho. A obra que acaba de ser premiada pelo Financial Times, Poor Economics, distinguiu-se como a melhor em 2011 por jogar por terra vários mitos no enfrentamento da pobreza, entre eles o de que o microcrédito é a salvação da lavoura.
Uma coisa é certa: a saída da Secretária Executiva, Ana Fonseca, e de sua equipe, da liderança do Programa Brasil Sem Miséria é um risco que o bom senso sugere não deva ser corrido. Poucas pessoas reúnem excelência acadêmica, compromisso político com a causa da pobreza e experiência com programas de transferência de renda, sem falar na sua retidão e no seu entusiasmo pela capacidade transformadora da ação pública. Se dúvidas há quanto ao sucesso em futuro próximo do Brasil Sem Miséria, elas parecem hoje ampliadas por uma baixa dificilmente compensável. Como bem diz o ditado, nem toda gente é gente que faz.
(*) Professora do Instituto de Economia da UFRJ
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