quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

ECONOMIA E SOBERANIA




José Goulão – Jornal de Angola, opinião, em Terra Prometida

Sendo “todo o mundo feito de mudança”, acontece que nem toda a mudança se orienta no melhor sentido, se tomarmos como melhor sentido o do interesse das pessoas, opção esta que me parece não merecer grande discussão.

Isto é, a mudança não é, em absoluto, uma garantia de coisas melhores no cenário sobre o qual incide, e quando se trata de pessoas o caso é mesmo muito sério.

Tomemos como base um exemplo que está na ordem do dia, a crise em que continua mergulhada a União Europeia. Seguindo as orientações determinadas por apenas dois países, a Alemanha e a França, todos os outros membros da União, menos o Reino Unido, aceitaram que é preferível mudar de Tratado para ver se os problemas se esfumam e as coisas melhoram.

Se verificarmos bem, a mudança já estava em curso; agora trata-se de agravar e passar a contrato as medidas avulsas que estão a ser aplicadas principalmente em países mais endividados como a Grécia, Portugal, a Irlanda e em breve outros.

A mudança tem sido, pois, gradual mas também dolorosa. As medidas aplicadas às populações, em nome da necessidade de obter crédito para pagar as dívidas, provocam um terramoto social feito de empobrecimento e desemprego. Apesar disso, a crise aprofunda-se, tudo o que deveria ser resolvido agravou-se, a economia da União começa a afundar-se na recessão.

E, contudo, todos os dirigentes dos 27 menos um (e as razões deste também não são as melhores) decidiram que é a hora de institucionalizar esse mesmo caminho através de um Tratado renovado e, como dizem, “refundador”.

Então é um paradoxo, estarão os leitores a pensar. Seria se esta mudança não fosse consequência de outras mudanças que deturpam sem dó nem piedade aquele que deveria ser o caminho humanista da História.

O conceito de política (mesmo que muitas vezes fosse meramente teórico) mudou: deixou de ser a acção organizada que tem como objectivo gerir a vida das comunidades para benefício de todos e passou a ser um subproduto e uma muleta da gestão da economia.

Os conceitos comuns de economia também se alteraram. A economia deixou de assentar na produção de matéria-prima palpável e transformou-se na arte de alguns gerirem e multiplicarem em proveito próprio o património de todos, de preferência recorrendo aos meios com resultados mais rápidos como a especulação e a trafulhice. A economia transferiu-se da produção de bens para a produção de negócios, um movimento dirigido por um grupo cada vez mais restrito de gente, o mesmo que passou a manipular os instrumentos da política.

A soberania dos povos e do Estados, principalmente dos que têm menos peso nos contextos em que se integram, sofre directamente os efeitos desta mudança e as maiores vítimas são as pessoas.

No exemplo que escolhi, o da União Europeia de hoje, as pessoas deixaram de interferir na política, são peões de uma economia de negócios ao serviço de uma elite e pelo caminho vão perdendo a soberania.

Nesta União Europeia que caminha para um Tratado institucionalizando tais mudanças, tudo o que se relaciona com os mecanismos democráticos passará a ser de faz de conta: os cidadãos votam mas não escolhem a política; os parlamentos mexem a boca mas não falam; os governos agem mas não governam, principalmente nos países “menores” na escala da economia. Algures nas grandes capitais europeias, entidades não eleitas mas sim escolhidas para garantir os negócios e contentar os mercados passam a fazer os orçamentos dos países, a traçar os seus objectivos económicos, a estabelecer a política que se fará para assegurar a saúde desta espécie de economia.

E as pessoas? As pessoas serão os instrumentos para garantir o funcionamento do sistema, recebendo em troca uma parte das sobras, quando sobrarem.

A não ser que decidam que a mudança tem que ser feita no sentido contrário.

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