domingo, 11 de dezembro de 2011

ENTÃO E A DEMOCRACIA, PÁ?





A "cimeira decisiva", a tal que decorreu nos dias em que "nunca o risco de explosão foi tão grande" e, dramaticamente, para a qual "não haverá uma segunda oportunidade", acabou como se esperava: perda de soberania generalizada através do visto prévio orçamental com direito de veto por parte da Comissão Europeia; capitulação sem condições perante o diktat do directório franco-alemão; e promessa de um empobrecimento generalizado do espaço europeu - renegando o eldorado que nos haviam prometido os pais fundadores -, resultado da nova ditadura constitucional dos limites ao défice, e consequentes sanções automáticas para quem se atrever a violar o pacto contra o endividamento excessivo.

É legítimo, e até justo, que a Alemanha da senhora Merkel ou a França do senhor Sarkozy não estejam dispostas a continuar a carregar no regaço os indisciplinados PIGS - Portugal, Itália, Grécia e Espanha. Deus nos livre, aliás, da fatalidade de sermos os "filhos" renegados do sinistro e medíocre "casal" Merkozy.

O que não é aceitável é que, à boleia da "crise sistémica" e em nome da salvação da moeda única, se condene a Europa ao federalismo autoritário e punitivo, que agora nos apresentam como solução final e que, na prática, transforma os chefes de Governo eleitos em cada Estado, numa espécie de directores-gerais que reportam a Berlim ou a Bruxelas.

Que a disciplina orçamental é indispensável, já todos sabemos. Que é obrigatória a existência de mecanismos sancionatórios para quem não honre os seus compromissos, pondo em causa até a solidariedade europeia, é uma evidência que já está prevista nos tratados e no Pacto de Estabilidade e Crescimento. O tal que, há não muito tempo, era "estúpido", nas palavras de Romano Prodi, por ocasião da violação grosseira das suas orientações, imagine-se, por parte da França e da Alemanha.

O que se aceitou em Bruxelas foram as regras cozinhadas a dois, à margem das instituições comunitárias, fazendo tábua rasa dos tratados em vigor. O que se decretou foi o princípio do fim da democracia europeia, entregando aos iluminados da chancelaria berlinense e do Eliseu parisiense - em quem só votaram alemães e franceses - o poder de, nas costas das restantes opiniões públicas europeias, decidirem sobre a sua independência e soberania. Aliás, nada nos garante que Merkel e Sarkozy estejam hoje politicamente suportados e legitimados pelas suas próprias opiniões públicas.

Aqui chegados, sob pena de cumplicidade com esta construção europeia de directório antidemocrática, de federalismo castigador porque sim e nada solidário, e sabendo-se que estamos perante um tratado de natureza intergovernamental que obriga à revisão da Constituição da República ou, pelo menos, a uma lei de valor reforçado, é tempo de, sem medos e de forma atempada, promover o exercício da democracia.

Não se trata, naturalmente, de perguntar às pessoas se devemos ou não pagar aos nossos credores. Honrar as nossas dívidas não é, obviamente, coisa de crianças. Trata-se, isso sim, de saber se os portugueses querem, de facto, perder soberania e independência. Se estão dispostos a ceder a Merkel e Sarkozy, também eles co-responsáveis pelo estado a que nós europeus chegámos, o poder de decidirem o nosso futuro enquanto país soberano, ou como Estado federado do novo "império prussiano".

Obviamente, a Europa precisa de soluções urgentes que vão para além do pântano das boas intenções e das palavras, que nos façam ultrapassar a crise em que estamos mergulhados e nos apontem de novo o caminho da confiança, do crescimento e da prosperidade. Ninguém o questiona. Mas, seguramente, a construção europeia arquitectada por Schuman, Adenauer, Churchill, Jean Monet e outros estadistas tinham como pilares fundamentais não o défice democrático e esta espécie de pensamento único que hoje parece ser referência mas a solidariedade e o respeito pelos cidadãos.

É em nome desta Europa, feita para as pessoas, com as pessoas, e não contra as pessoas, que é importante dar a palavra aos cidadãos. Não o fazer é ter medo da democracia. Não o fazer é matar a União Europeia.

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