quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A MÁQUINA DE BRANQUEAMENTO DO PAICV



Liberal, editorial

A polémica ressurgiu nas hostes tambarina. As divergências, adormecidas por oportunismo político e sede desmesurada de poder, levantaram cabeça, com a “ala esquerda” do PAICV a malhar forte e feio em José Maria Neves. O pretexto foi a presença do Primeiro-ministro na cerimónia do galardoar de Adriano Moreira com o doutoramento honoris causa pela Universidade do Mindelo.

Os “ratos” do partido – que ainda revelam alguma memória histórica – insurgiram-se contra a presença do chefe do PAICV e do Governo e de dois ministros na cerimónia de exaltação “académica” do velho fascista, ex-ministro das colónias de Salazar e responsável pela reabertura do Campo de Concentração do Tarrafal que, nos anos sessenta, passou a encarcerar os nacionalistas africanos que lutavam contra a ditadura e o colonialismo.

Têm razão nessa crítica! A Universidade do Mindelo, enquanto entidade privada, pode homenagear quem quiser, até podendo agraciar Salazar, Estaline, Hitler, khadafi ou Mussolini a título póstumo. Mas o Primeiro-ministro de um país soberano, vítima da política colonial imposta por Adriano Moreira, não pode permitir-se passar a mão no pêlo de um algoz, ainda para mais quando este mentiu para ocultar a sua directa responsabilidade na reabertura do campo da morte lenta.

José Maria Neves, entre um discurso bacoco de inspiração supostamente nacionalista e a peçonha xenófoba que de quando em vez o assola, revela-se na sua verdadeira natureza: um lambe botas de tudo o que cheira a estrangeiro, um pedinte compulsivo das migalhas dos seus amigos europeus que, objectivamente, o têm sustentado no poder e animado os seus fetiches megalómanos. É o Primeiro-ministro na sua verdadeira dimensão, protagonista do mundo de fantasia que o rodeia, entre o Palácio da Várzea e a residência da Prainha. O beija-mão ao velho fascista é consequência das inconsequências ideológicas de JMN e dos apagões de memória que, frequentemente, dele se apossam.

Adriano Moreira, um velho servidor de Salazar, que num dado momento de sua vida com ele rompeu e, até, numa arrojada manobra de acinte chegou a defender um anti-fascista nos tristemente célebres tribunais plenários inspirados pela PIDE, percorreu, no período que se seguiu à revolução de 25 de Abril de 1974, um caminho de reconversão democrática que o levou à liderança de um partido político e o sentou na cadeira do Conselho de Estado da democracia portuguesa. Porém, o seu “processo de democratização” nunca foi consequente, nunca fez a catarse integral da sua navegação pelas águas pútridas da ditadura, nunca se retratou das responsabilidades criminosas da política colonial portuguesa.

Num outro campo, de que não se conhece nenhuma reacção da “esquerda” ou da “direita” tambarina, Pedro Pires – que também reabriu o campo do Tarrafal - veio a público defender a não existência de ditaduras em África, compaginando as críticas a alguns líderes africanos como fantasias estrangeiras que procuram desestabilizar o continente e impedi-lo de caminhar na senda do progresso. Ou seja, que importam os ditadores, que se dane a liberdade, se um outro valor supremo se levanta?! O argumento da estabilidade, com que o “comandante” procura agora branquear os ditadores africanos, é precisamente o mesmo utilizado pelos fascistas portugueses para justificar uma ditadura de quase meio século.

Mas não deixa de ser curiosa esta leva, aparentemente inusitada, de branqueamento, promovido pelo PAICV, a velhos e novos fascistas. Ou seja, a operação de limpeza ao passado do velho fascista Adriano Moreira, rivaliza, no terreno tambarina, com o branqueamento do novo fascista Robert Mugabe – aliás, confesso admirador de Hitler, de quem copiou a estética iconográfica do bigode -, e com a conduta criminosa de José Eduardo dos Santos, um ditador impiedoso que manda prender opositores e, com ganância desmedida, vem desde há anos roubando o povo irmão de Angola.

Afinal, ao contrário do que se supunha, as diferenças entre a velha e a nova guarda tambarina não são tão grandes como isso, em momentos cruciais a leva autoritária e a repulsa pela democracia emergem em evidências esclarecedoras.

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