FERNANDA CÂNCIO – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião
Uf. Que ano. Tanto para reter, rever e digerir. Ficando por Portugal, comecemos pelo fim: o de 2011 e do prazo que o PR tinha para enviar o OE para o Tribunal Constitucional. Quando o orçamento ainda não fora sequer discutido no parlamento, Cavaco fez questão de dizer que extorquir os subsídios só aos funcionários públicos e pensionistas é "uma violação do princípio básico da equidade fiscal" - ou seja, é inconstitucional. Tendo como obrigação estrita e jurada fazer cumprir a Constituição, tinha de pedir a fiscalização preventiva de uma medida sobre a qual tem esta opinião; não o fez. O que só surpreende quem ainda não tivesse concluído estar no palácio de Belém um político inconformado com o facto de ter visto fugir, com a derrota de Ferreira Leite, a oportunidade de assumir uma presidência à francesa em que dirigiria, in loco ou não, o Conselho de Ministros, e que perante governos que não controla se especializou no toca e foge do discurso incendiário (quando não nas conspirações), sem jamais assumir as consequências. Que uma conduta deste teor possa passar sem sequer escândalo público (outra punição a Constituição, hélas, não prevê) indicia que o cargo de presidente, embora o mais alto da nação, é tão pouco levado a sério pelos portugueses como pelo seu actual detentor. O que suscita a questão óbvia: precisamos mesmo de um presidente? É que sempre se poupavam uns milhões, além das vergonhas.
A segunda lição do ano é para o PS. Como todos os partidos de centro-esquerda no poder quando a crise do euro levou a UE a mudar radicalmente a orientação das políticas, do hiper-investimento que foi a sua reacção ao crash financeiro mundial para a austeridade e a obsessão com os défices e as dívidas, cometeu o erro de não exprimir o seu desacordo e de não procurar dentro da União parceiros nessa oposição. Assumir as medidas de austeridade como suas e até como boas foi uma ingenuidade voluntarista que pagou, à bruta, nas urnas.
Terceira: parece que já se pode concluir com toda a certeza que, ao contrário do que BE e PCP tanto repetiram, o PS no governo não é igual ao PSD e ao PP. Pena que toda a gente, mesmo a que já suspeitava, tenha de pagar, e com língua de palmo, a aula prática. E que quem mais precisasse de a aprender dê mostras de ainda não ter percebido, o que - quarta lição - nos diz que jamais o BE e o PCP viabilizarão governos de esquerda, criando espaço (vide os 40% de abstenção nas legislativas) para uma nova força política, capaz de alianças com o PS.
Mas, claro, podemos não precisar mais de partidos. Se o golpe de Estado europeu que está a substituir a democracia representativa por um império "dos mercados" vingar, seremos governados por "especialistas". E, quinta lição, parece que é mesmo possível fazer isso sem enfrentar grandes indignações e resistências. Se calhar, andamos a levar o desígnio de Passos tão a sério que nos cremos - e queremos - pobres até no espírito.
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