quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

“SUSPENSE” DIPLOMÁTICO




BENJAMIN FORMIGO – JORNAL DE ANGOLA, opinião

O arsenal nuclear da Coreia do Norte, por pequeno que possa ser e mesmo sem garantias da sua existência, é por si só suficiente para criar o "suspense" em torno da sucessão de Kim Jong-il pelo seu terceiro filho Kim Jong-un.

A principal preocupação dos actores envolvidos: Coreia do Sul, China, Rússia, Estados Unidos e Japão é insistir numa transição estável num pequeno país cheio de problemas onde a "nomenclatura" mantém rivalidades surdas e a desertificação política quase deixa apenas duas alternativas, a continuidade ou o golpe militar.

Desde o armistício que pôs fim à guerra da Coreia (1950-1953) o poder consolidou-se no culto da personalidade de Kim Il-sung. Não era só na capital Pyongyang que se viam enormes cartazes com a imagem do "grande dirigente". O culto da personalidade mantinha-se, na década de 80 do século passado, por todo o país. Desde o aeroporto às grandes avenidas da capital a imagem de Kim Il-sung era omnipresente. O culto de Estaline ou mesmo de Mao Tsé Tung nunca conseguiram atingir a intensidade da veneração forçada do dirigente norte-coreano.

O desaparecimento em 1994 de Kim Il-sung e a ascensão do seu filho Kim Jong-il não alterou esta situação. O regime viveu sempre na paranóia da ameaça americana. A Coreia do Norte é um dos únicos países cuja política é aparentemente imutável desde que a Guerra Fria desencadeou a crise na Península da Coreia. URSS, primeiro, China, depois, usaram o pequeno país como uma ameaça num tabuleiro geoestratégico alheio aos verdadeiros interesses dos coreanos.

A subida ao poder na Coreia do Sul, em 2008, do actual Presidente Lee Myong-bak não contribuiu especialmente para o desenvolvimento do diálogo entre as Coreias. Um diálogo intermitente que ora arrancava, ora era interrompido, em função do poder em Seul ou em Pyongyang ou dos interesses externos.

Kim Jong-il transformou um país onde mais de um milhão de pessoas morreu de fome numa potência nuclear que desenvolveu e testou mísseis que podem atingir o Japão e para além dele.

A sua morte embora inesperada não devia constituir surpresa depois do acidente vascular cerebral que o afectou em 2008 e que veio avolumar as dúvidas sobre o controlo que o falecido dirigente tinha de facto sobre os acontecimentos, designadamente incidentes militares com a Coreia do Sul e mesmo um atentado contra uma avião civil sul-coreano.

Essas dúvidas acentuam as reservas que se colocam neste momento à sucessão de Kim Jong-il pelo seu terceiro filho Kim Jong-un. A morte do "grande dirigente", como era proclamado pela propaganda do regime, ocorre numa altura em que se parecia desenhar uma abertura ao diálogo entre o regime norte-coreano e os restantes países envolvidos - Coreia do Sul, China, Rússia, Estados Unidos e Japão.

O retomar deste diálogo, depois da ruptura provocada pela Administração Bush e o seu radicalismo, estava a delinear-se após pressões dos EUA sobre o regime de Seul, dos interesses russos na construção de um gasoduto desde a Sibéria, através da Coreia do Norte até ao Sul e da neutralidade chinesa. Sem o apoio de Pequim o regime do Norte não tem qualquer possibilidade de sobrevivência pois depende da China economicamente, mais de 50 por cento das exportações são destinadas ao mercado chinês. Em troca os EUA retomariam o fornecimento de petróleo e a ajuda alimentar indispensável. Estimativas da FAO prevêem que cerca de três milhões de norte-coreanos necessitem de ajuda alimentar em 2012.

A participação japonesa neste diálogo é encarada com imensas reservas e desconfiança por uma Coreia do Norte onde continuam os ressentimentos pelos 35 anos de ocupação japonesa da Península da Coreia. Uma ocupação que terminou em 1945, com o final da II Guerra Mundial. Para Tóquio, porém, participar na aproximação com Pyongyang é essencial, dada a imprevisibilidade do regime e os riscos inerentes à sua capacidade nuclear.

A Rússia tornou-se instrumental após um período de grande discrição. Dimitri Medvedev quer exportar para a Coreia do Sul o seu petróleo e gás natural mas não perde a oportunidade de marcar, também aqui, o seu regresso à cena internacional. Medvedev levou Lee Myong­-bak a comprometer-se a "trabalhar em conjunto para promover a paz e estabilidade na Península", conforme declaração conjunta.

*Foto AFP/CNA

Sem comentários:

Mais lidas da semana