quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Brasil - Chácara do Bananal: POR QUE ELES "ENFRENTAM A NATUREZA"




Joseh Silva – Outras Palavras, Blog Coletivo -  Fotos: Alexandra Nogueira

Chácara do Bananal, muito além do Jardim Ângela. Reportagem em São Paulo revela como a desigualdade segrega os mais pobres em “áreas de risco” — e depois a mídia os acusa pelas tragédias naturais

A Chácara Bananal, situada no extremo sul de São Paulo, abriga uma população de três mil pessoas, a maioria crianças e adolescentes. Uma comunidade de tem a característica periférica e rural. O entusiasmo e fé dos moradores chama atenção pelo fato de lidarem diariamente com obstáculos ligados a falta de infraestrutura. O bairro não oferece as mínimas condições para a existência humana. Não há saneamento básico. As ruas e vielas são de terra ou barro. Algumas casas estão condenadas pela defesa civil.

Chácara tem duas entradas, sendo uma delas mais caótica. Lá, as mangueiras improvisadas, que conduzem água, estão expostas a céu aberto por toda a via. Jorram água a todo o momento, pois estão furadas. O abastecimento pela rede ou pelo poço não é confiável, pois como não há tratamento de esgoto, a chance de contaminação do lençol freático é alta. A energia não é regularizada. De forma comunitária, os próprios moradores fizeram as “gambiarras” para garantir a iluminação. Além da luz, metade do bairro conta com telefone e internet; já a outra dispõe somente do mínimo para sobreviver.

Existe uma linha imaginária que divide o Bananal. Isto porque as casas da entrada são de alvenaria, e mais para o fundo, de tábua. Como os barracos estão em área de risco, as ameaças de deslizamento tiram o sono dos moradores, advertidos pela defesa civil. A orientação é que todos daquela área, cerca de 500 pessoas, deveriam sair o quanto antes, ou as madeirites mofadas e fracas irão descer a qualquer tempestade. Trata-se de uma tragédia anunciada: o povo não tem para onde ir e, o poder público diz que vem fazendo seu papel. Em 2005, o cenário era o mesmo, nada se resolveu e parte da casa da Maria de Lourdes, 59, desceu o morro, chocando-se com outras pelo caminho. “Graças a Deus ninguém daqui morreu, mas vi a morte descendo na correnteza. Foi horrível”, diz Lourdes. Para os moradores, os piores dias são os de chuva, quando afloram os sentimentos de abandono e impotência. Nesses períodos, não há como sair de casa, já que a enxurrada é muito forte. Como a região é de encosta e não há sequer escadaria, os moradores tornam-se reféns — não da natureza, mas da falta de serviços públicos. Existem relatos de pessoas que se machucaram bastante ao tentarem enfrentar a aguaça. “Quando chove é um caos, não tem como sair”, desabafa Paulo Robson de Oliveira, 24, que reside há dois anos no bairro. Paulo nasceu na Bahia e, com poucos meses de vida, veio com a família para São Paulo, morou em vários bairros de periferia e classifica a atual moradia de desumana. “Somos esquecidos. Não estamos aqui porque queremos. Se eu sair daqui, onde vou criar meus filhos?”, comenta Robson, pai de quatro crianças.

Vítima prematura

A adolescente Roseane Jesus do Nascimento, 16 — mãe de Clarisse, de nove meses — reside no Bananal desde os 12 anos. Quando completou 14, engravidou do primeiro filho. A gestação era tranquila e tudo corria bem. Num dia de chuva, Roseane resolveu sair de casa para ir até onde morava sua prima. No caminho, escorregou e caiu de barriga; no mesmo instante iniciou-se um sangramento e ela foi imediatamente para hospital. A criança nasceu de cinco meses, permaneceu quatro dias na incubadora e faleceu. “Não sei onde ela foi enterrada, desmaiei no sepultamento, a dor foi forte, não aguentei”. Roseane relata o caso com o olhar distante como se estivesse buscando em sua memória as imagens da criança.

Morros

A subida do morro não é para qualquer um. Moradores arriscam-se em subidas íngremes e escorregadias. Quem tem algum tipo de doença, ou passou por determinados procedimentos cirúrgico, arrisca-se comprometendo seu estado de recuperação.

Margarida Bispo dos Santos, 53, passou por uma cirurgia delicada na vesícula, há menos de dois meses. Ficou três dias internada para se recuperar, mas não foi o suficiente. Mesmo com os pontos, teve alta e foi para casa. Estava preocupada com a volta ao lar: lembrava que deveria encarar um morro sem degraus e sem corrimão. Passar por isso não seria fácil, e não foi. Com o auxílio de vizinhos, apoiando-a pelos braços, Margarida conseguiu chegar em casa, mas se esforçou tanto que alguns pontos abriram-se, forçando-a a voltar para o hospital.

A senhora simpática e de fala aguda traz consigo a esperança de sair do bairro, mesmo acreditando que ele não é ruim. Segundo sua avaliação, só precisa de “um pouco de ajuda”. Margarida tem uma deficiência na visão, enxerga com precariedade, o que dificulta ainda mais sua presença no Bananal. “Daqui a poucos dias, vou fazer outra cirurgia, fico pensando como vai ser”, comenta Margarida. Apoiada no barraco, passa sua mão esquerda no rosto de cima para baixo, silencia-se por um instante e apela para justiça divina: “Oh meu Deus”!

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