sábado, 14 de janeiro de 2012

Cabo Verde: As irregularidades e agressões do comércio local e a ineficácia da inspecção



Óscar Ribeiro - A Semana, opinião

Foi anunciado que a Guarda Municipal iria proceder à destruição de produtos apreendidos fora do prazo e que se encontravam no circuito de venda ambulante.

Vejo com satisfação esta acção levada a cabo por esta instituição ainda em fase embrionária. É louvável que assim proceda, cumprindo o que de há muito devia já estar posto em prática, pois os abusos e excessos cometidos na área já atingem proporções preocupantes e alarmantes.

Pena é que outras instituições, com responsabilidades consagradas na lei, não façam o mesmo, preocupando-se mais com esporádicas exibições televisivas por ocasião de operações de envergadura, com certa dose de exibicionismo, muito embora essas acções devessem constituir mera rotina, por se situarem pura e simplesmente no âmbito das suas atribuições.

Porém, tratando-se de casos de extrema gravidade e perigosidade, aparentemente isolados e não propícios a destaques mediáticos, como por exemplo um ocorrido comigo, faz algum tempo, quando comprei um produto já fora de prazo e evidentes sinais de se encontrar em estado de deterioração, numa das mais destacadas casas comerciais do país, nada vi da parte da entidade competente em razão da matéria que revelasse assumpção da responsabilidade que lhe competia, não obstante ter sido solicitada para o efeito.

Fiz então questão de pessoalmente levar o produto em apreço, em sinal de protesto, à sede da IGAE, onde a queixa foi apresentada ao Inspector de serviço que me atendeu, na expectativa de que medidas imediatas seriam tomadas, com a finalidade de evitar que outros clientes viessem a passar por idêntica situação, que constitui um total desrespeito para com o consumidor e um verdadeiro atentado à saúde pública.

Várias diligências foram efectuadas no sentido de saber o que teria sido feito pela referida Inspecção-Geral no sentido de averiguar a gravidade da situação.

Devo dizer que constituiu para mim desilusão constatar que se houve alguma averiguação, esta não surtiu efeito, pelo menos que tivesse chegado ao meu conhecimento.

Uma inadvertência ou pequena distracção podia perfeitamente fazer chegar o produto putrefacto às mãos de uma criança indefesa que, na sua inocência, consumindo-a, podia correr sérios problemas de saúde, de consequências imprevisíveis.

Escrevi na altura um artigo em que denunciava a situação, e que por achá-lo ainda de plena actualidade passo a transcrever, um extracto, na parte que mais interessa.

“A todo o momento, a saúde pública anda a ser atropelada através das mais variadas e sofisticadas formas. É a publicidade enganosa, são produtos de qualidade duvidosa, são anúncios e propagandas de bebidas alcoólicas, enfim, um rol de atentados e agressões, que, de tão evidentes, dispensam comentários. E se estivermos de boa fé e quisermos ser honestos e coerentes não podemos sequer fingir ou alegar ignorância face a esta realidade”, porque todos vivemos neste país e de uma forma ou outra já alguma vez passámos por situação idêntica, e se porventura isso nunca aconteceu, constitui excepção.

Infelizmente constata-se que entre nós existe um deficit informativo e educativo e, sobretudo, um vazio organizativo consequente dos consumidores, o que não permite uma actuação pronta e eficaz em prol da defesa dos seus interesses.

Assiste-se, impávida e serenamente, à venda de bebidas alcoólicas e de outros psicotrópicos nas redondezas de estabelecimentos de ensino, quase no seu interior e quem de direito, com obrigações impostas por dever de ofício, embora conhecedor da situação, passa ao largo, faz-se indiferente, como se nada estivesse a acontecer, como se de uma normalidade se tratasse.

Proliferam casas comerciais que persistem teimosamente em não passar facturas pelas vendas efectuadas e que se recusam em receber os produtos delas resultantes quando, uma vez testados se revelam manifestamente danificados, impróprios para uso ou consumo.

Os preços praticados na venda de um mesmo produto variam consoante os caprichos do vendedor, a flutuação do mercado ou a ingenuidade do comprador.

Ainda agora pelo Natal ocorreram actos de arrepiar os cabelos, como este: com a falta de um produto de elevado consumo nesta quadra, uma determinada casa (omito o nome em respeito ao prestígio e à figura de quem foi seu proprietário e que hoje infelizmente não pertence ao mundo dos vivos), para que se adquirisse uma quantidade mínima que fosse desse produto, para além do preço exagerado a que era vendido, o cliente era obrigado a adquirir um outro, não interessa qual, desde que o preço atingisse um determinado montante, que mesmo mínimo, deixa o caso perto de atingir foros de intolerável, de absurdo.

Aliás, tornou-se lugar-comum cada casa comercial ou vendedor ambulante, praticar preços que bem entende, sem qualquer escrúpulo, na certeza de que a sua impunidade está assegurada.

Dá para se interrogar: onde está a IGAE e a fiscalização?

Atrevo-me a sugerir que a IGAE, não dispondo de quadros suficientes para dar satisfação a todas as solicitações e proceder às investigações que determinadas situações aconselham, se associe à Polícia Municipal, munindo-a e apetrechando-a dos meios técnicos e conhecimentos científicos de que eventualmente não disponham e numa acção conjugada procedam às acções necessárias, a fim de pôr cobro à situação de desmando que prevalece no comércio local, seja ele formal ou informal.

Quando me refiro à Polícia Municipal é só pela simples razão de que ela, em princípio, deve estar mais vocacionada para acções desta natureza. Entretanto, outras instituições, ou mesmo particulares podiam ser aproveitadas para o efeito. Com tanto desemprego que campeia entre nós abrangendo gente qualificada, não creio que haveria dificuldades em encontrar candidatos. Dificuldades haveria sim, mas na sua selecção.

A saúde pública sairia beneficiada, a IGAE dignificada, e nós, cidadãos consumidores, protegidos.

Praia, Janeiro de 2012

Sem comentários:

Mais lidas da semana