terça-feira, 31 de janeiro de 2012

COISAS QUE A GLOBALIZAÇÃO TECE – 04




Martinho Júnior, Luanda

UMA MUITO SUBTIL “FRANÇAFRIQUE”

Para aqueles que acompanham o comportamento dos sucessivos governos franceses poucas dúvidas restam em relação à “FrançAfrique”, 50 anos depois das independências: ela continua activa, mas muito mais subtil, alinhando agora com a hegemonia norte americana e dando corpo, ou mesmo prolongamento, à NATO!

O discurso de Sarkozy na cidade do Cabo em 2008, tornou-se para muitos analistas de “revelador”, mas até que ponto vão as subtilezas?

Em 2011 na Líbia a França sob a liderança de Sarkozy chegou ao extremo: cultivando excelentes relações durante tantos anos com o Coronel Kadafi, a França fez uma viragem de 180º logo que eclodiram os acontecimentos em Benghazi, faz agora um ano e assumiu um papel muito activo na implosão do regime, no apoio directos aos rebeldes, e no resto que foi explorado por via do Conselho de Segurança da ONU, aproveitando a pouca atenção da Rússia, da China e até dos africanos…

Neste momento a França sai do Afeganistão, mas dá sinais de retomar os assuntos africanos à altura dos velhos tempos do Conde de Marenches, ou de Jacques Foccard: “50 years later, FrançAfrique is well”, segundo o RFI (http://www.english.rfi.fr/africa/20100216-50-years-later-francafrique-alive-and-well):


“Taking care of business.

So what is left of Françafrique in 2010?

First of all, business.

Paris gives priority to African countries that sell oil (Angola, Nigeria, etc) or uranium (Niger), and those that can buy hitech (Morocco, Algeria, Tunisia, Libya, South Africa).

Hence Nicolas Sarkozy’s extreme caution with regard to Mamadou Tandja, the man who changed Niger’s Constitution in order to stay in power until 2012.

But, above all, what remains of Françafrique is an alliance motivated by mutual self-interest”…

Foi com este tipo de “pragmatismos” que a França estimulou as relações com a Líbia, para depois ser um elemento activo nas acções militares que catapultaram os rebeldes da bandeira do Rei Idris ao poder e pode ser ainda com o mesmo tipo de “pragmatismos” que a França estimula outros relacionamentos, mesmo que tenham ingredientes distintos, como por exemplo os da Costa do Marfim.

Os países componentes da SADC sabem-no e em nada ficaram “diplomaticamente” entusiasmados com as iniciativas ocidentais que integraram um papel especial da França na Líbia, quando a proposta do Presidente Jacob Zuma, contrariando a “passividade” da Comissão da União Africana liderada por Jean Ping, era para o diálogo e a concertação.

Se em 2011 isso ficou patente, agora que na Comissão da União Africana se escolhe quem vai ficar à frente dos seus destinos, as tensões entre os africanos vieram ao de cima: os francófones, estimulados pela “FrançAfrique” apostam em Jean Ping, mas os aliados mais estreitos da África do Sul, estimulados pela relativa emergência em que se encontra a SADC, apostam em Nkozasana Dlamini Zuma (http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2012/0/5/Vice-presidente-dirige-interinamente-CUA-ate-Lilongwe,87f57513-ca9c-481b-8af1-fbf4e8799aaf.html ):

“Numa eleição cerrada, apesar de Jean Ping ter obtido 32 votos, contra 21 da sua opositora sul-africana Nkozasana Dlamini Zuma, foi arredado do cargo por não ter conseguido, os 36 votos necessários, isto é dois terços sobre os 53 Estados votantes, que lhe permitiria ser reeleito.

Por consenso, os presidentes e chefes de Estados africanos decidiram deixar no cargo ao então Vice-presidente Erasmos Muencha, do Quénia, para evitar mais divergências, já que ele também deveria obter 36 votos para interinar na função ate Julho de 2012, em Lilongwe, Malawi, onde se realizará a cimeira da UA.

Entretanto, caso não conseguisse os dois terços necessários, Muencha também estaria fora do cargo, e a comissão seria dirigida interinamente pelo comissário para o Comité de Paz e Segurança (CPS).

Ping e Zuma contaram cada um com apoio declarado das suas regiões económicas, nomeadamente, a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEAC) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC)”…

O Ministro das Relações Exteriores de Angola, em representação do Presidente José Eduardo dos Santos que actualmente preside à SADC, foi bastante activo em defesa da candidata sul africana (http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/lider_da_comissao_deve_ter_consenso):

“Vitória insuficiente.

O presidente cessante da Comissão da União Africana, Jean Ping, ganhou a corrida à candidata apoiada pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), mas não a presidência da Comissão. Jean Ping conseguiu 32 votos, contra 21 da candidata da SADC, Nkozasana Dlamini Zuma, mas nao o “número magico” (36) de votos suficiente para garantir a maioria de dois terços necessária para a eleição. Madagascar não votou porque está suspenso na organização.

O presidente cessante da Comissão da União Africana, Jean Ping, ganhou a corrida à candidata apoiada pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), mas não a presidência da Comissão.

Jean Ping conseguiu 32 votos, contra 21 da candidata da SADC, Nkozasana Dlamini Zuma, mas não o número magico (36) de votos suficiente para garantir a maioria de dois terços necessária para a eleição.

Madagascar não votou porque está suspenso na organização.

Os conflitos que ocorreram em África em 2011 enfraqueceram a confiança em Jean Ping, que não conseguiu o consenso que obteve em 2008”…

A reacção francesa em relação a Angola perante uma situação político-diplomática que evolui de forma menos abonatória para os interesses “FrançAfrique” (conforme se constata nas escolhas para a Comissão da União Africana), tem-se baseado no que toca a Angola em duas premissas: o petróleo e o gás, acompanhados do braço militar.

Conforme tive oportunidade de sublinhar nas “Rapidinhas do Martinho – 68” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/rapidinhas-do-martinho-68.html), por via da TOTAL Angola e da “Opération Corymbe” a França parece procurar num relativo desespero de causa e em Angola, algo semelhante ao que conseguiu realizar com a captação bem suvedida que fez a Kadafi… que culminou na sua participação no golpe contra ele, precisamente por causa do mesmo tipo de interesses: petróleo e gás!

O executivo angolano está perante a ambiguidade entre a sua posição africana em nome da emergência SADC / África do Sul, de âmbito essencialmente político-diplomático e o seu relacionamento com a FrançAfrique de Sarkozy nos domínios do petróleo, do gás e naturalmente no militar.

Como o governo angolano vai digerir esta “harmonia”?

… coisas que a globalização tece…

Gravura: Símbolo do Exercício militar de Forças Especiais Aerotransportadas “Southern Mistral 2011”, realizado em Março de 2011, precursor das acções comuns franco-britânicas conectadas aos rebeldes na Líbia.

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