Durante décadas o uso da energia nuclear foi inquestionável na França, onde 58 usinas geram 80% da eletricidade consumida. Agora a situação começa a mudar, e alguns políticos já estão abandonando o consenso atômico.
"Segurança – a questão principal", dizia uma manchete do diário Direct Matin no início de dezembro. No dia anterior à edição, ativistas do Greenpeace, vestidos como funcionários, infiltraram-se na usina de Nogent-sur-Seine e estenderam uma faixa com os dizeres "energia nuclear é perigosa". Foi uma maneira de expor as falhas no controle de acesso – assim como os ativistas, terroristas poderiam ter entrado no local.
Diretores da empresa Electricité de France (EDF) asseguram que os ativistas foram imediatamente reconhecidos pelos seguranças. "Vimos na hora que eles não estavam armados e que se tratava de um protesto pacífico", afirmou Dominique Minière, diretor do parque atômico da EDF. Algumas horas mais tarde, porém, o ministro francês do Interior, Claude Guéant, convocou uma reunião para a mesma semana para debater a segurança nas usinas nucleares do país.
A catástrofe de Fukushima, no Japão, ocorrida em março do ano passado, deixou os lobistas da energia atômica na França preocupados. O temor ficou ainda maior depois que o governo da Alemanha decidiu acabar com o uso da energia nuclear no país. Os responsáveis em Paris reagiram rapidamente, esforçando-se para mostrar que o risco oferecido pelas usinas nucleares francesas é mínimo.
O próprio presidente Nicolas Sarkozy anunciou novas checagens de segurança nas centrais e até mesmo o fechamento daquelas que não passarem nos testes. Transparência é a palavra da hora quando se fala de energia atômica na França.
Mas as tentativas de eliminar as preocupações parecem não estar convencendo a população. Numa pesquisa de opinião realizada pouco depois do acidente em Fukushima, 70% dos franceses mostravam-se favoráveis ao fim do uso da energia atômica no país. Algumas semanas mais tarde o índice subiu para 77%.
No meio do ano o governo de Estrasburgo gerou manchetes ao convocar uma espetacular votação para opinar sobre o fechamento da planta de energia nuclear mais antiga do país, que fica na localidade vizinha de Fessenheim. A iniciativa pioneria acabou sendo seguida por outras cidades.
Consenso político
Desde o início do programa atômico francês, no início dos anos 70, a política do tout nucléaire era tida como inquestionável, defendida por todos os partidos políticos, ainda que, durante décadas, os parlamentares praticamente não tiveram voz nessa questão.
Hoje as 58 usinas nucleares francesas produzem até 80% da energia consumida pelo país. E Sarkozy mantém uma tradição: a do elogio à tecnologia nacional de ponta, graças à qual a França é um dos líderes mundiais em exportação de tecnologia nuclear.
Mas no final de novembro o consenso político em torno da energia nuclear ruiu. Para as eleições presidenciais de 2012, socialistas e verdes concordaram que, caso saiam vitoriosos, reduzirão a produção de energia nuclear. Além disso, os verdes também querem parar a construção do reator de terceira geração EPR (Reator Europeu Pressurizado, na sigla em inglês). Essa ideia os socialistas não apoiam, devido ao intenso lobby da empresa estatal Areva.
"Energia atômica, arma de campanha de Sarkozy", estampou o renomado jornal Le Monde em novembro passado. O presidente, apesar de ainda não ser oficialmente candidato à reeleição, usa todas as oportunidades para se posicionar a favor da energia atômica. Ele diz ficar triste ao ouvir que a "própria ideia do progresso" está sendo questionada. E aponta para as "centenas de milhares" de postos de trabalho que estariam ameaçadas.
"Quando o interesse nacional está em jogo, é preciso ir contra o consenso geral", diz o presidente. Para o especialista em energia nuclear Mycle Schneider, que é contra o uso da tecnologia, esta será, sem dúvida, uma campanha dominada pela questão nuclear.
Discussão aberta
De uma forma ou de outra, certo é que o fim do uso da energia nuclear já não é mais tabu na França. Na imprensa irrompeu uma discussão, envolvendo especialistas de diversos setores, sobre o que seria mais caro: fechar as usinas ou seguir no caminho atual, lembrando que elevar das usinas mais antigas sairia caro.
Segundo um relatório publicado em dezembro, de cuja elaboração participaram também lobistas da energia nuclear, a participação da energia nuclear no total da produção energética poderia ser reduzida dos atuais 80% para 50% até 2050, caindo para apenas 30% em 2100.
Enquanto isso o Areva gera manchetes negativas: no meio de dezembro o consórcio de energia nuclear lançou um drástico plano de contenção de gastos, depois de ter apresentado perdas que chegaram a 1,5 bilhão de euros em 2011. E não será fácil encontrar novos investidores: sua avaliação de crédito encontra-se num patamar baixo. E se a França perder sua nota AAA, a estatal Areva terá ainda mais dificuldades para sobreviver.
Debate nacional
O tema energia atômica não será polêmico apenas durante as próximas eleições presidenciais francesas. Em caso de vitória, o socialista François Hollande já anunciou que dará início a um amplo debate sobre o assunto. Há anos já está prevista uma série de discussões públicas sobre os resíduos. Até 2013 a questão do depósito definitivo dos resíduos do lixo nuclear precisa ser esclarecida. Os destinos até agora apresentados esbarraram na resistência popular.
Os integrantes do grupo Stop Nogent estão felizes com o novo cenário. Há 25 anos que eles fazem mobilizações contra central nuclear mais próxima de Paris, localizada a menos de cem quilômetros da capital, a mesma na qual os ativistas do Greenpeace penduraram a sua faixa. "Hoje finalmente a opinião pública está reconhecendo o nosso trabalho", declarou um ativista.
Autora: Suzanne Krause (msb) - Revisão: Alexandre Schossler
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