quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

EMPOBRECER NÃO É GLORIOSO




Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

O povo português e o país estão a empobrecer aceleradamente. É um facto bem doloroso que já analisei e situei, nesta coluna noutros artigos, em várias das suas expressões e dimensões. O empobrecimento é imposto aos trabalhadores e ao povo como remédio indispensável, como espécie de "penitência" por ter "andado a viver acima das suas possibilidades", e com juras de nos conduzir ao crescimento económico e ao desenvolvimento, dando glória universal aos governantes que impõem tal caminho e ao povo que soube sacrificar-se.

Há quem, em várias latitudes do Mundo, não tendo argumentos sérios para explicar certos enriquecimentos, se refugie na exaltação de que "enriquecer é glorioso". Ora, todos conhecemos enriquecimentos individuais feitos sem honra, sem ética, sem princípios e, na história dos povos e das nações, também não faltaram enriquecimentos colectivos feitos de apropriações indevidas, de humilhações, de negação de direitos humanos, de roubo.

É tempo de trazermos tudo isto à memória, pois andam por aí à solta processos de roubo organizado em diversas escalas e formas. E grande parte dos grandes roubos são "legais".

Empobrecer não é caminho! Os pregadores dos sacrifícios para o povo e os ricos fogem do empobrecimento como o diabo da cruz.

Alexandre Soares dos Santos ao explicar ("Expresso", 7 Janeiro) as razões da transferência da empresa da sua família para a Holanda - apenas um caso, e não o primeiro, das práticas de grandes grupos económicos e financeiros - diz que "temos um Governo sério, com membros competentes e devíamos estar todos a apoiar", ou seja, diz aos portugueses que o caminho é sujeitarem-se e apoiar as políticas seguidas.

Noutra passagem, analisando impactos que as políticas seguidas provocam nos seus interesses pessoais, afirma: "Verifiquei que estou no meio de uma guerra política. E depois não sei se Portugal fica no euro. E se sair é para o escudo. Tenho o direito de defender o meu património".

Fica claro que os sacrifícios são feitos no escuro. Soares dos Santos acha que o povo deve empobrecer generosa e pacificamente, mas ele trata da vida para não ficar menos rico.

É caso para perguntarmos: mas os trabalhadores e o povo não estão também no meio dessa "guerra política"? Não sabem identificar as causas e os efeitos das políticas a que são sujeitos? Não têm o direito de defender o seu património - o emprego, o salário, os direitos essenciais na Saúde ou no Ensino - ou o direito a um futuro digno no seu país?

Entretanto parece haver "trabalhadores" de "excepcionais capacidades" que não se movem pelos interesses "mesquinhos" que caracterizam as ambições dos trabalhadores e do povo!

Eduardo Catroga disse, a propósito da sua nomeação para a EDP, "não sei quanto vou ganhar nem me interessa", "os meus desafios profissionais não se movem por dinheiro", "sempre ganhei muito bem", e "nunca me pautei por critérios de remuneração nas escolhas profissionais"!

Assim é que é: quem acerta com a troika os pacotes de austeridade que estão impostos aos trabalhadores e ao povo só pode ter um objectivo em mente - trabalhar! Com todas as suas capacidades e sem quaisquer exigências!

Mas será que corre o risco de empobrecer? Não! Os accionistas da EDP, generosos como a generalidade dos patrões para com todos os trabalhadores, depositam na sua conta umas dezenas de milhares de euros em cada mês.

Desmascaremos as vantagens e a glória do empobrecimento!

Digamos não a estas políticas. Exijamos mudança, coloquemos no horizonte sinais de esperança, numa construção colectiva que se transforme em confiança e acção transformadora. Instabilizemos os interesses de uma certa burguesia instalada, exigindo-lhe rigor, responsabilidade, exemplo, compromissos com o colectivo do povo.

É chocante a promiscuidade. Denunciemos a hipocrisia dos que vêm justificar os abusos, os roubos e os atentados à dignidade com falsas invocações do "interesse do Estado", com a pretensa responsabilidade autónoma das empresas privadas. Não haverá saídas sem governação com crédito, com ética e com valores.


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