sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

MUITO CUIDADO COM OS VALORES E TRADIÇÕES DE CAVACO SILVA




António VeríssimoDebates Culturais - Reposição em Página Global

Diz a Lusa que “Em Dia de Reis, Cavaco sublinha importância das tradições e dos valores”, isto porque alguém foi a Belém usar de talentos tradicionais relativos a este dia e fazer espetáculo para o senhor Silva e para a dona Maria. Li o título, o resto não. E não porque o que Cavaco diz entra a cem a sai a duzentos, visto que quase sempre diz uma coisa e faz outra.

Naquele título o que assusta é Cavaco falar de “tradições e valores”, porque, salazarento como é, facilmente poderemos presumir que se refere aos valores do salazarismo adaptado aos tempos modernos mas que sempre nos tramam, que sempre tramam o país e a democracia que a minha geração conseguiu tornar realidade após muita luta das gerações anteriores que nos ensinaram quanto valia o esforço de lutar pelos valores democráticos. Cavaco serve-se da democracia mas “em muitos dias do ano” não parece nada que seja democrático. Um exemplo está patente naquilo que em outro título da Lusa podemos ler: “Juízes consideram “inconcebível” que AR e Cavaco se esqueçam da Constituição”. Saltando para o jornal Público, no mesmo título podemos ler o que consta na postagem a seguir. Facilmente se conclui que o Orçamento de Estado promulgado por Cavaco “cheira” a inconstitucionalidades e Cavaco desatou a “serrar presunto”, deu o dito por não dito sobre dúvidas que tinha e promulgou de uma penada sem tugir nem mugir.

ENTÃO, QUAIS SÃO OS VALORES?

Os valores e tradições dos Reis são muito interessantes, sim senhores(as), mas então e os valores democráticos por onde andam? Cavaco jurou ou não respeitar e fazer respeitar a Constituição da República? E fê-lo no caso deste Orçamento de Estado? Ah, pois é. Ele nunca se engana e raramente tem dúvidas. Mas olhe, senhor de Belém, que os juízes têm algumas dúvidas, e outros as terão certamente. Ter, temos, mas quem somos nós, pé rapados, que apesar de andarmos por aí no massacre e cheios de dúvidas contamos tanto quanto um zero à esquerda neste arremedo de democracia e de justiça? Zero. Ainda se houvesse democracia… Como para Salazar, para Cavaco o folclore é muito bonitinho… E pronto, assim se faz um país, assim é um país, assim está este país encavacado.

Por coisas vitais e sem dizer uma coisa e fazer outra é que este presidente – eleito à rasquinha por uma enorme minoria de portugueses – não se interessa de valores nem da tradição que os seus antecessores estatuíram quando duvidaram da constitucionalidade de OE e/ou outros diplomas. Vai daí enviavam para o Tribunal Constitucional que era para não existirem dúvidas. É assim em democracia e foi isso que no juramento os presidentes se comprometeram. Mas Cavaco não tem dúvidas… Já me esquecia. Só raramente. Tão raramente que ainda nos ecoa nos ouvidinhos o que disse sobre o OE tempos antes de o promulgar. Semanas antes havia dito que tinha dúvidas sobre a “equidade”, e isto e aquilo. Mas depois fez ao contrário, como se afinal não tivesse dúvidas. E vai daí, muito provavelmente, não cumpriu e não fez cumprir a Constituição como jurou. Também está certo. Para um governo que não passa de um bando de mentirosos, como afirmou Vasco Lourenço e assim constatámos, nada mais apropriado que um presidente que diz uma coisa mas faz outra. Sempre a favor do cumprimento devido ao governo. A Constituição que se lixe, o juramento que se lixe, porque a tradição e os valores de que provavelmente fala são os do salazarismo.

PARLAMENTO OU GAIOLA DOURADA DE PAPAGAIOS?

Que os políticos são mentirosos e vigaristas na maior parte dos exemplos que nos é permitido assistir e ser vítimas já sabemos. Apesar de tudo lá vamos ficando com esperanças que algum dia sejam diferentes e que uma onda de honestidade, de legalidade e de transparência os avassale. É o caso sobre o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade da lei do orçamento. Deputados de mais de um partido político, incluindo o PS, afirmaram publicamente que iriam fazer as diligências necessárias para que a fiscalização preventiva fosse um facto. Disseram, mas ainda não vimos nada. E então? Cumprem a função de papagaios mas depois fazem como as cobras, enfiam-se na toca e pronto – esquecendo que foram eleitos para representar a defesa dos direitos constitucionais e dos cidadãos? Pois, esqueci que provavelmente estão na AR para proteger os direitos da Maçonaria, da Opus Dei, dos seus partidos políticos, dos vários lobies… Fiquemos à espera. O que for soará. Temos de ser pacientes. Os verdadeiros patriotas suportam a canga em silêncio e obedientemente. Quanto mais sofrermos mais santos ficaremos… Onde foi que já ouvimos isto? Ah, pois, são os tais valores e tradições do salazarismo. É, não é?

* António Veríssimo, 64 anos, português nascido em Lisboa, timorense de coração, aposentado. Produtor de audiovisuais – rádio, cinema, televisão (RTP). Colaborador em várias publicações de Portugal, Moçambique e Timor Leste (extintas). Redator nos semanários portugueses Extra e Página Um (extintos). Apaixonado da rádio, fez parte do grupo impulsionador do movimento pela legalização das Rádios Piratas, algumas que formou e dirigiu, na clandestinidade e depois de legalizadas. Desde há seis anos que coordena e escreve para publicações na blogosfera, entre as quais o Página Global.

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