Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues
A esquerda europeia vive o seu pior momento desde o pós-guerra. Como recorda o conservador inglês Ambroise Evans-Pritchard, no The Telegraph, 97% da população da União é liderada por governos de direita ou por meros "governadores" nomeados por uma UE dominada pelas teses monetatistas.
Neste tempo de crise, onde uma agenda ideológica nos é apresentada como uma inevitabilidade e não como a escolha que é, este domínio avassalador da direita significa uma coisa: usar a União para a construção de um falso consenso que trave qualquer solução de tipo keynesiano para sair desta crise. Porque esta crise é uma oportunidade, como não nos cansam de dizer. Uma oportunidade para a Europa "mudar de vida". E mudar de vida significa destruir o Estado Social, privatizar serviços públicos, transferir recursos públicos para o sector financeiro, desregular leis laborais, manter o desemprego alto como forma de pressão sobre os custos do trabalho e limitar ao mínimo o poder dos sindicatos e até do voto popular. Enfim, um processo violento de engenharia social que demorará décadas a reverter.
Cabe à esquerda tomar a decisão da sua vida: ou constrói entre si um outro consenso europeu ou tenta nos espaços nacionais, e já não na Europa, vencer a batalha mais importante que teve pela frente desde o pós-guerra.
Nas últimas duas décadas o centro-esquerda viveu num equívoco: que era o europeísmo, e não o seu conteúdo concreto, que divida as águas políticas. Por isso apoiou os catastróficos tratados de Maastricht e de Lisboa, primeiros passos para a imposição de um dogma neoliberal europeu. Está chegado o momento de aprender com as lições do passado: a União Europeia é um instrumento, não é um fim. Ou a esquerda consegue impor a sua vontade - federalização democrática da Europa no lugar do diretório e da burocracia, harmonização fiscal e social, orçamento europeu e títulos da dívida europeus, programa de investimento público e de criação de emprego para sair da crise, regulação dos mercados financeiros - na Europa, ou a Europa, sem uma democracia europeia, faz parte do seu problema. Ela transforma-se, como tem sido, no cavalo de Tróia de uma agenda antipopular.
A via europeia ou a via soberanista podem ser dois caminhos para um mesmo objetivo. Mas qualquer uma delas implica uma enorme coragem. A esquerda tradicionalmente eurocética e radical tem de deixar de esperar que o agravamento da crise lhe traga uma maioria social que nunca virá e tem de estar disponível para fazer todos os combates necessários na Europa. A esquerda tradicionalmente euroconformada e moderadamente soporífera tem de deixar de usar a Europa como álibi para não fazer, no espaço nacional, todas as rupturas necessárias com a desastrosa aliança no centrão político. Continuar a imaginar que a grande clivagem política continua a fazer-se no meio da esquerda, como se de um lado continuasse a estar o "perigo comunista" e do outro a social-democracia e a democracia cristã que construíram o modelo social europeu (uma por convicção e outra por necessidade) é, para travar guerras do passado, fazer alianças sem futuro.
O que está em causa é um contrato social que deu à Europa meio século de desenvolvimento e paz. E é por ele e contra ele que todas as alianças políticas se devem fazer. Na Europa e em Portugal. Se a esquerda (e até alguma direita moderada) não o compreender a derrota será estrondosa. E serão precisas muitas décadas (e algumas tragédias) para se voltarem a repetir as circunstâncias que, nos anos 50, permitiram a construção do Estado Social em grande parte da Europa. É por esta aliança pela Europa Social que muitos cidadãos esperam.
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