Eduardo Cintra Torres – Correio da manhã, opinião
O Prós e Contras transvestido de ‘Reencontro’ e transmitido de Luanda pela RTP 1 representa o pior do chamado "serviço público" de TV. Foi uma operação governamental de propaganda e de política externa por via mediática, a que a RTP se prestou, ofendendo os princípios da liberdade e da independência editorial. O programa não se chamou Prós e Contras certamente porque a Direcção de Informação da RTP não se quis sujar com a porcaria a que Fátima Campos Ferreira e o "director-geral", Luís Marinho, sujeitaram o operador do Estado.
A RTP portou-se como escrava submissa do poder político. Foi atrás do ministro Relvas na sua apoteose angolana e fez o que ele desejava: a ratificação mediática dos lugares-comuns sobre as relações entre os dois países, das provas de amizades mútuas e de negócios futuros.
Campos Ferreira prossegue o seu triste papel de sempre, qualquer que seja o governo. Já passou pelos de Durão, Santana, Sócrates e agora Passos Coelho: o governo quer, Fátima faz, o governo tem. Cada semana, cada ministro. Na semana passada, Relvas. Quem será o ministro do Prós e Contras de amanhã?
É tal a submissão à agenda dos governos que o programa não tem a mínima credibilidade jornalística. Manteve-se durante anos fora da alçada da Direcção de Informação da RTP, absurdo que só a sua submissão ao governo poderia justificar. Depois passou para a alçada da Direcção de Informação no tempo de Sócrates… e ficou na mesma ou pior. Desta vez, a rejeição de que o programa rélvico--angolano se chamasse Prós e Contras indica que a Direcção de Informação da RTP não quis sujeitar o grosso dos jornalistas da RTP ao vexame a que Guilherme Costa, Marinho e Campos Ferreira o sujeitaram.
Aliás, é precisamente a relativa independência da actual informação da RTP nos seus noticiários, impensável durante o consulado de Sócrates, que leva o actual governo a agarrar-se ainda mais ao Prós e Contras como veículo para as suas prioridades de agenda.
Não se questiona que os ministros de qualquer governo em democracia devem ser entrevistados. O governo governa, tem de comunicar e confrontar-se com perguntas. Mas não pode usar-se o "serviço público" segundo a agenda do executivo em vez de critérios jornalísticos. Foi por causa de programas como o de Luanda que o recente Grupo de Trabalho de que fiz parte propôs uma menor carga informativa no operador público, "face à intervenção ilegítima ou eticamente reprovável dos diferentes poderes" nos media do Estado, "ao falhanço do actual modelo de regulação" pela ERC e à "incapacidade do modelo de controle pelo parlamento". Pagamos impostos em dinheiro, e o ministro Relvas, a RTP e a ERC devolvem-nos lixo.
JÁ AGORA
EXTRAORDINÁRIA REPORTAGEM SOBRE A LEITURA
A RTP 1 faz reportagens para ter audiências: Mickael Carreira, Rei Ghob, prostituição masculina... Entretanto, vi na TVI uma reportagem de interesse público sobre o peixe em Portugal; e na SIC uma das melhores reportagens de interesse público em anos: a repórter relatou a experiência com a leitura duma professora e seus alunos numa aldeia: através de contos lidos na aula e, depois, em casa, pelos miúdos em família, alterou-se de modo radical — eu diria revolucionário — a relação da população com a leitura, tornando-a alavanca de progresso escolar, de melhoria da condição humana das crianças e seus pais e ainda do convívio familiar. Uma experiência e uma reportagem que o Ministério da Educação deveria sugerir a professores e alunos de todo o país.
A VER VAMOS
A ILEGALIDADE DA ERC E DA RTP
RTP e ERC têm a obrigação estrita de cumprir a lei e revogar a nomeação de um "director-geral de conteúdos" da RTP. O cargo não existe. Foi rejeitado pelo parlamento, como recordou Manuel Falcão no ‘Jornal de Negócios’, porque contraria a autonomia dos directores de Informação e Programas face à administração nomeada pelo governo. O que espera o parlamento para impedir a ilegalidade?
Sem comentários:
Enviar um comentário