Ireneu Mujoco - OPaís (ao), com foto
O julgamento do comissário Joaquim Vieira Ribeiro “Quim Ribeiro” e mais outros 20 efectivos da Polícia Nacional (PN), entre oficiais subalternos e agentes, começa esta sexta-feira, 10, na sala de conferências da Marinha de Guerra de Angola (MGA), na Base Naval da Ilha de Luanda. Pesam sobre eles várias acusações, incluindo crimes de sangue, que resultaram na morte de dois colegas da corporação, Domingos Francisco João e Domingos Mizalaque, em Viana, arredores de Luanda.
Contra Quim Ribeiro, antigo comandante provincial da Polícia de Luanda, e os restantes membros da corporação, onde se destacam António João, ex-director provincial da investigação criminal e João Caricoco Adolfo Pedro, que respondia pelo sector de buscas e capturas, pendem acusações de autoria moral de dois crimes de violência contra inferior hierárquico de que resultaram mortes e homicídio voluntário, respectivamente.
Sob o processo número 11/011, o crime no qual é indiciado Joaquim Vieira Ribeiro, é punível nos termos do artigo décimo nono, número três, “ abuso no exercício do cargo e conduta indecorosa”, segundo está tipificado na lei dos crimes militares. À excepção de Quim Ribeiro, os acusados estão encarcerados há mais de um ano. Foi o último a ser detido pela Procuradoria Geral da República(PGR), depois deste órgão jurisdicional ter ouvido Augusto Viana, que na altura, era o chefe de Divisão de Viana, local onde decorreu o delito.
Nas declarações prestadas à PGR, Augusto Viana tinha denunciado o envolvimento de Quim Ribeiro como sendo supostamente o mandante das mortes daquele oficial que estava incumbido pelo Comando Geral da Polícia Nacional (CGPN) de investigar o desvio de avultadas somas de dinheiro do famigerado “caso BNA”.
Domingos João foi morto na companhia de outro cidadão que funcionava nos Serviços Penitenciários(SP) do Ministério do Interior, Domingos Mizalaque, na comuna de Nzango, arredores de Viana.
Segundo Augusto Viana, Quim Ribeiro pretendia silenciar a investigação do dinheiro açambarcado no Banco Nacional de Angola(BNA) por um grupo de funcionários, tendo beneficiado de parte do montante, que tinha sido recuperado pela Polícia. O referido dinheiro foi encontrado em casa de um funcionário do BNA que se encontra detido na Cadeia Central de Luanda(CCL).
Expectativas dos familiares
Salvador Freire dos Santos, presidente da Associação “Mãos Livres”, e um dos advogados que compõe o quarteto dos causídicos liderados por David Mendes que vão defender os familiares das vítimas Francisco João e Domingos Mizalaque, em conversa com O PAÍS, afirmou que o moral dos seus constituintes é alto “ na medida em que pretendem que justiça seja feita, depois de mais de um ano à espera do julgamento”.
Segundo o advogado, os familiares estão conscientes que jamais verão os seus ente queridos, mas “ pretendem que se faça justiça à dimensão do crime cometido pelos acusados que assassinaram colegas seus de profissão. É um dos muitos crimes que chocou a sociedade e como tal, os seus mentores não podem continuar impunes”, afirmou, para quem “ o julgamento visará também moralizar a sociedade”.
Sem entrar em mais pormenores sobre o assunto, Salvador Freire espera que no fim do julgamento os seus constituintes saiam satisfeitos do julgamento, que se realiza na Base Naval da Ilha de Luanda, local esse escolhido para atender ao presivelmente grande número de pessoas que pretenderá assistir às sessões de julgamento do antigo homem forte da PN de Luanda e seus principais colaboradores.
Carreira em curva descendente?
Quadro com mais de trinta anos de serviço na PN, a carreira de Quim Ribeiro pode estar profundamente comprometida se ficar provada a sua ligação às mortes dos seus colegas de profissão. Segundo um dos advogados dos familiares das vítimas, que falou sob anonimato, o antigo número um da Polícia na capital do país, “se for culpado poderá ser condenado a uma prisão que não será inferior a 20 anos, independentemente do serviço que tenha prestado à pátria”.
Comedido nas suas breves declarações a este jornal, e longe de fazer análises precipitadas enquanto se aguarda pelo julgamento, a fonte precisou que pela natureza do crime, do grosso dos implicados poucos poderão voltar em liberdade e continuarem a exercer a sua função. “ É um crime condenável a todos os títulos, e, por isso mesmo, é muito remota a hipótese de haver uma absolvição para a maioria dos acusados”, vaticinou. Joaquim Ribeiro cumpre prisão preventiva na cadeia da Procuradoria Militar da Guarnição de Luanda(PMGL), e os restantes noutras unidades penitenciárias.
Suspeitas sobre o dinheiro da Chicala
A gestão dos fundos provenientes do Parque automóvel da Chicala, afecto ao Governo Provincial de Luanda, onde são transferidas todas as viaturas que transgridem as regras de trânsito, foi alvo de uma investigação dos técnicos dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SISE), para apurar as responsabilidades do comissário Joaquim “Quim” Ribeiro em relação ao suposto descaminho de um milhão e 740 mil dólares norte-americanos.
O PAÍS apurou que o valor acima mencionado constava de um relatório submetido ao ministro do Interior, Sebastião Martins, e ao comandante-geral da Polícia Nacional, Ambrósio de Lemos.
O documento foi também encaminhado à Direcção Nacional de Inspecção das Actividades Económicas, dirigida pelo comissário Alexandre Canelas, para averiguar a utilização dos montantes que constavam de duas contas bancárias, uma domiciliada no Banco de Poupança e Crédito (BPC) e outra no Banco Internacional de Crédito (BIC).
As referidas contas, segundo consta, eram apenas tuteladas pelo então comandante provincial de Luanda da Polícia Nacional e mais dois subordinados seus, um deles João Isalino, responsável dos Serviços Sociais da corporação na capital do país.
“Eles são as pessoas que abriram a conta e sabiam o que era feito com o dinheiro, que era resultado das contribuições dos automobilistas. Acreditamos inclusive que os próprios reboques terão sido comprados com os fundos provenientes desta colecta”, segundo contou uma fonte policial a este jornal no ano passado.
O PAÍS apurou ainda que o próprio intendente João Isalino, que na altura procedeu à abertura das contas, fê-lo apenas porque estava a responder, interinamente, pela secção de finanças do Comando Provincial de Luanda, numa altura em que o chefe dessa área se encontrava adoentado.
O oficial foi alvo de uma notificação pelos inspectores da Polícia Económica, onde labutou em tempos, para prestar informações sobre a gestão do Parque da Chicala.
Consta que o então técnico da contabilidade do CPL levou consigo os arquivos onde constavam os valores depositados nas duas contas, incluindo extractos bancários e outros documentos que terão sido analisados pela Direcção Nacional de Inspecção das Actividades Económicas.
A criação do referido parque emanou de uma orientação superior proveniente do Governo Provincial de Luanda (GPL), numa reunião dirigida pelo então vice-governador Francisco Domingos, na altura em que Francisca do Espírito Santo dirigia os destinos da província.
No encontro também se definiu igualmente o papel que seria desempenhado pelos Serviços de Fiscalização do Governo da Província de Luanda na operação de recolha dos automóveis. Quim Ribeiro foi afastado oficialmente do cargo de comandante provincial de Luanda no dia 3 de Novembro deste 2010, pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
As supostas irregularidades imputadas a Joaquim Ribeiro foram investigadas por uma comissão de inquérito que era composta por dois reputados oficiais da Polícia Nacional, os comissários chefes Salvador Rodrigues “Dodó”, inspector do Comando-Geral da Polícia Nacional, e Fernando Torres Vaz da Conceição “Mussolo”, inspector-geral do Ministério do Interior. Este julgamento poderá ditar a liberdade ou a condenação de Quim Ribeiro e pares.
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