domingo, 26 de fevereiro de 2012

A ARGÉLIA É AINDA PIOR QUE A SÍRIA




Johan Galtung, Alfaz (Espanha) – Opera Mundi - Artigo originalmente publicado pela agência Envolverde.

Por que não ocorre uma “primavera argelina”? Talvez porque a repressão seja extremamente atroz e o regime tenha feito o que o Ocidente quer

O ocidente aplica o duplo discurso nas relações internacionais e isto ficou claro novamente com a detenção em Paris do cientista argelino Mourad Dhina, cuja extradição é pedida pelo repressor regime militar de seu país.

A matança de manifestantes não violentos e de ocasionais transeuntes civis está se intensificando na Síria, causando reclamações no Ocidente para que o presidente Assad renuncie imediatamente e seja formado um novo governo de coalizão.

Porém, a situação na Argélia é pior do que a da Síria. Desde que os militares argelinos tomaram o poder e cancelaram o segundo turno das eleições, em janeiro de 1992 – com o consentimento ocidental –, quando a Frente Islâmica de Salvação era ampla favorita para a vitória, a sangrenta repressão do regime provocou a morte de 250 mil pessoas.

Por que não ocorre ali uma “primavera argelina”? Talvez porque a repressão seja extremamente atroz. Por que não há protestos do Ocidente diante dessa situação na Argélia? Talvez porque o regime argelino fez o que o Ocidente queria e facilitou o acesso ao petróleo e ao gás, e o estabelecimento de bases, além de prometer um possível reconhecimento de Israel. A Síria não fez nada disto.

Dhina, residente na Suíça, é um físico do Cern, a organização europeia para a pesquisa nuclear para usos civis, e do Instituto Politécnico Federal Suíço, além de diretor-executivo da Alkarama (Dignidade), uma fundação suíça que trabalha pelos direitos humanos no mundo árabe. Embora seja militante pelos direitos humanos totalmente não violento, Dhina foi preso em 16 de janeiro no aeroporto parisiense de Orly, em resposta a um duvidoso pedido de extradição do regime argelino, que o acusa de ter pertencido a um grupo terrorista na Suíça na década de 1990.

Em 15 de janeiro, o chanceler francês, Alain Juppé, se reuniu com Aung San Suu Kyi em Rangun e a condecorou com a insígnia de Comendador da Ordem Nacional da Legião de Honra.

Um dia depois, o ministro francês do Interior, Claude Guéant, ordenou a prisão de Dhina, que faz essencialmente o mesmo que Aung San: resistir à ditadura militar de seu país com meios pacíficos.

Numerosas organizações internacionais e nacionais de defesa dos direitos humanos, incluindo Argelia Watch, Instituto para Estudos dos Direitos Humanos do Cairo, Centro Libanês pelos Direitos do Homem, Rede Euro-Mediterrânea pelos Direitos Humanos, Federação Internacional pelos Direitos Humanos, Comissão Internacional de Juristas, Liga dos Direitos do Homem e a Organização Mundial contra a Tortura enviaram uma carta aberta ao primeiro-ministro francês, François Fillon, solicitando que não extradite Dhina.

Além de ser diretor-executivo da Alkarama, Dhina também é membro fundador da Rachad, uma associação política pacífica que está legalmente registrada na França e defende uma mudança democrática na Argélia. Dhina havia chegado a Paris exatamente para participar de uma reunião da Rachad, quando foi preso pela polícia francesa.

Dhina teve um papel fundamental na exposição à opinião pública internacional das violações dos direitos humanos no mundo árabe por meio de seu trabalho na Alkarama, no exercício legal de sua liberdade de expressão e associação, tal como está garantido pelas leis internacionais. Dhina viajou livremente pela França em numerosas ocasiões anteriores. Sua prisão e possível extradição parecem ser um esforço do regime argelino para silenciar sua voz crítica.

Também há razões para temer que Dhina possa sofrer torturas se for enviado à Argélia, devido ao documentado uso da tortura por parte das autoridades argelinas, tal como denunciou o Comitê contra a Tortura em sua avaliação sobre a Argélia, em 2008.

A carta aberta destaca que a extradição de Dhina seria contrária às obrigações da França no tocante ao artigo 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos e também da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.

Além disso, a Junta Militar argelina tem antecedentes de condenar pessoas falsamente acusadas de terrorismo. Enviar Dhina para a Argélia violaria, desse modo, também a proibição de extraditar refugiados para lugares onde suas vidas ou liberdades possam ser ameaçadas.

Paris é a cidade onde a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948. A França mostra domesticamente grande respeito pelos direitos humanos, e pode demonstrar novamente seu compromisso com os direitos humanos ao assegurar que Dhina não seja extraditado e entregue a uma ditadura militar. E, se não há prova concreta de que cometeu algum crime reconhecido pelas normas internacionais, as autoridades francesas deveriam colocá-lo em liberdade imediatamente.

* Johan Galtung é reitor da Transcend Peace University e autor de The Fall of the US Empire-And Then What?

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