domingo, 26 de fevereiro de 2012

“ASSASSINOS ECONÓMICOS VÃO MAIS LONGE QUE NEONAZIS”


Autor acusa troika de ajudar ladrões – foto Paulo Spranger
Nuno Aguiar – Dinheiro Vivo

Santiago Camacho está habituado a investigar grupos extremistas, espiões, sociedades secretas e teorias da conspiração. Quando o editor da Esfera dos Livros o convidou para escrever sobre a crise económica, pensou que era engano. Impressionado pelo peso que organismos sem legitimidade democrática têm nas nossas vidas, o jornalista espanhol quis identificar quem governa afinal o mundo. Em ‘A troika e os 40 ladrões’ procura desmontar o sistema económico e denunciar quem nos está a assaltar a casa.

Antes deste livro, escreveu sobre neonazis. Qual dos dois mundos o assusta mais?

Por muito que a sua ideologia nos repugne, um neonazi acha que está a lutar por um mundo melhor. Os assassinos económicos que, como Corleone, fazem “uma oferta que não pode recusar” a algum presidente de um país da América Central, sabem que não estão a fazer nada que ajude a Humanidade. Sabem que vão saquear esse país. São os dois maus, mas fazer mal a tantos seres humanos sem uma justificação moral é ir mais longe.

Nunca tinha escrito sobre economia. Porque aceitou?

Inicialmente pensei que o meu editor se tinha enganado. Mas fiquei curioso. Fui descobrindo que as nossas vidas – onde trabalhamos, quanto ganhamos, se casamos, se temos filhos, se mudamos de país – dependem de organizações que não conhecemos. E isso foi uma revelação.

A troika é um dos ladrões?

A troika pode ser um instrumento para os ladrões. A troika não rouba, mas há muita gente que beneficia de forma ilegítima do que decide a troika. Um exemplo claro são os países onde foram aplicadas as medidas do FMI. Muito poucos foram beneficiados. O PIB per capita caiu e há mais pobres e mais ricos. Os 5% que mais dinheiro têm ganharam mais dinheiro. O dinheiro flui de uns bolsos, os nossos, para outros. E isso são os ladrões. Esta crise foi criada por bancos de investimento que venderam produtos financeiros que nem eles entendiam. Quando viram que ia rebentar, eles próprios começaram a apostar contra os produtos que tinham vendido. E enriqueceram enormemente do empobrecimento de espanhóis, gregos, italianos e portugueses.

É fã de teorias da conspiração. Há motivo para uma ou é o reflexo de uma ideologia dominante?

Pensar numa teoria da conspiração é uma solução fácil. Não é uma conspiração, porque ninguém se juntou a conspirar. É uma mistura do fracasso das políticas neoliberais e o aumento desmedido da cobiça de muitos grandes investidores.

Países como Portugal, Grécia e Espanha também não contribuíram para esta situação?

Não. Dos três casos, Portugal é aquele que menos culpa tem. Reagiu à crise mundial como todos reagiram, endividando-se para reativar a economia. As agências de rating foram muito cruéis. Sempre que a economia portuguesa parecia estar a recuperar, cortavam o rating. A justificação era que as perspetivas eram más, mas eles estavam a contribuir para que elas fossem piores. As tais profecias auto-cumpridas.

Há uma intenção nesse comportamento ou é a sua natureza?

As agências de rating são em si mesmas um escândalo internacional. São um oligopólio impossível de consentir numa sociedade do século XXI. Não são transparentes nem sujeitas a qualquer tipo de controlo. Quando o Congresso norte-americano abriu um inquérito às empresas de rating descobriu irregularidades incríveis. Por exemplo, muitos funcionários têm interesse nas empresas que avaliam. E há casos mais graves de chantagem e extorsão.

Se um Governo desagrada ao seu povo é castigado nas eleições. O que se pode fazer em relação a estes agentes?

Temos de pedir aos nossos governantes que governem.

Revolta e protesto são opções?

Independentemente de ser solução ou não, vai suceder cada vez mais. Espanhóis e portugueses têm em comum o facto de serem povos muito pacientes, até deixarmos de o ser... Os gregos são diferentes. Têm uma história longa de desobediência civil.

A dificuldade está em encontrar alternativas?

No final da II Guerra Mundial foi convocada a conferência de Bretton Woods, que não teve apenas coisas más. No início, o FMI e o Banco Mundial fizeram algumas coisas boas. É preciso desenhar uma nova economia. Não se pode consentir o enriquecimento ilimitado e imoral de uns poucos à custa de uma maioria e sobretudo não se pode consentir que o poder do povo se submeta ao poder dos mercados.

É difícil mexer nas peças sem desmontar o sistema.

Sim. E há um problema ideológico importante. A esquerda está desorientada desde a queda do Muro de Berlim. Os neoliberais têm culpa, mas a esquerda também. Há mais de 20 anos que não conseguem apresentar uma alternativa viável.

Afinal quem governa o mundo? O Goldman Sachs?

Em certa medida, sim. O Goldman Sachs vai colocando antigos executivos em locais estratégicos na Grécia, Itália, Espanha, Alemanha, etc. Quem tem o poder de comprar ou vender a obrigação de um país tem-no na mão.

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