terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Haitianos encontram trabalho em SC e sonham ficar no Brasil




Grupo de 17 refugiados foi contratado por uma construtora de Navegantes, em SC. Eles relatam à DW Brasil o duro caminho que fizeram para deixar para trás um país destruído pelo terremoto e tentar uma vida nova no Brasil.

No sorriso de Josias Mirvil está a certeza de que a vida dos 17 haitianos que conseguiram emprego em Santa Catarina está melhor. Josias era carpinteiro no Haiti, até que, em 12 de janeiro de 2010, viu o terremoto destruir o cotidiano já sofrido da população do país caribenho, considerado um dos mais pobres do mundo.

"Com o terremoto, não havia mais como sustentar minha família, meus filhos", relata Josias. "Já se passaram dois anos da tragédia e nada foi feito. Não há casas para morar. Todos querem sair do Haiti porque não há segurança, não há como estudar. Só quem tem muito dinheiro tem acesso a essas coisas", diz. Hoje ele trabalha como operário da construção civil em Navegantes, no litoral de Santa Catarina, ao lado de 16 conterrâneos.

Para chegar ao Brasil, os haitianos enfrentaram diversos perigos, conta Josias, numa mistura de português e espanhol que inclui palavras do francês, uma das línguas oficiais do Haiti. Josias conta que seu primeiro destino foi o Equador, mas também lá encontrou dificuldades porque não tinha documentos. "Então saímos do Equador, cruzamos o Peru e a Bolívia até chegar ao Brasil", relembra.

"Coiotes" e violência na Bolívia

Um colega de Josias, o haitiano Maxcedoine Morigène, dá mais detalhes da viagem feita por ele e outros refugiados. Com a situação insustentável por causa do terremoto, ele partiu em novembro de 2010 para a República Dominicana, indo depois para o Panamá e de lá para Lima, no Peru, até chegar a Cobija, na Bolívia, numa viagem que durou dois dias. A cidade fica ao lado de Brasileia, no Acre, onde se concentra a maior parte dos imigrantes haitianos no Brasil.

Em Cobija, Maxcedoine conta ter pagado pelos serviços de um "coiote" para atravessar a fronteira com o Brasil. Doze horas depois de chegar a Cobija, já estava em território brasileiro. Ele diz que teve sorte e nada sofreu, mas conta que ficou horrorizado com o que viu na Bolívia.

Segundo ele, as malas de dois haitianos que conhecia chegaram até o Brasil, mas eles nunca chegaram. Outros refugiados que cruzaram a fronteira relataram a ele ter visto corpos pelo caminho.

Os "coiotes" cobravam de 150 a 300 dólares para levar os haitianos ao Brasil, diz Maxcedoine. A viagem era feita sempre à noite, de carro, e os refugiados chegavam de madrugada em Brasileia.

Ele diz que a Bolívia foi a pior experiência para ele, vendo pessoas conhecidas, da mesma cidade que ele, sofrerem com a violência e os assaltos.

Os companheiros de Maxcedoine na empreitada de chegar ao Brasil dizem que também fizeram o mesmo trajeto até chegar a Cobija. Eles também tiveram que pagar aos "coiotes" para chegar a Brasileia. Madsen Augustin, Guibert Carrier e Siméon Jorel lembram com profunda tristeza de um assalto a haitianos.

Em Cobija, relatam, homens com uniforme militar entraram num alojamento onde estavam 19 homens e 5 mulheres. Os invasores amarraram os homens, levando roupas, dinheiro e pertences do grupo. O haitiano Sehtamia Mikekson diz que foi uma das vítimas. "Armados e em uniformes que pareciam da polícia, eles levaram nossos pertences. Não pudemos fazer nada."

Vida nova no Brasil

Apesar das dificuldades serem menores em Brasileia, o Brasil ainda estava longe de ser o paraíso sonhado pelos haitianos. Muitos deles chegaram a ficar um ano na cidade, à espera de uma oportunidade. Josias conta que dividiu um quarto com mais 15 pessoas, até ser escolhido para trabalhar na construtora de Santa Catarina ao lado de mais 16 haitianos. "Aqui temos casa, nós dormimos e comemos bem", relata. Mesmo com um português ainda precário, Josias é o tradutor do grupo. É ele quem consegue se comunicar entre a empresa e os demais refugiados.

A casa onde vivem os haitianos foi cedida pela construtora. É uma casa ampla, de dois pavimentos, próxima à praia, com cozinha, sala e varanda. Os quartos são individuais. Josias e a esposa Thelemaque Genica finalmente conseguem dormir num quarto confortável.

Agarrada à foto dos três filhos que ficaram no Haiti com os avós, Thelemaque diz que sofre com a falta das crianças e tem esperança de também trazê-las para o Brasil. Ela está grávida e trabalha como cozinheira no alojamento.

Falando uma mistura de francês com crioulo, Thelemaque é traduzida pelo marido. "Ela diz que se sente bem aqui porque é diferente, mas o que necessita para viver melhor é fazer com que os três filhos venham para cá. Assim ela vai viver toda a vida no Brasil. Ela pede que o governo brasileiro facilite a vinda dos filhos para o Brasil."

Desde que o governo brasileiro liberou o visto de trabalho para os haitianos, o sonho de muitos que estão no Brasil é trazer os parentes. A principal barreira é o preço da passagem de avião. Segundo eles, perto de 3.000 dólares.

Empresários

O grupo de 17 haitianos foi contratado pelo casal de catarinenses Alexandre e Karen Dias, donos de uma construtora na cidade de Navegantes, no litoral de Santa Catarina.

Quando soube pela imprensa das péssimas condições de vida que os refugiados enfrentavam em Brasileia, o casal decidiu fazer algo para ajudar. Logo surgiu a ideia de contratar alguns dos refugiados para trabalhar nas obras da construtura. Com o grande volume de prédios em construção no litoral de Santa Catarina, sobram empregos no setor. Coube a Karen a tarefa de voar até Rio Branco e de lá seguir mais três horas e meia horas de carro até Brasileia.

Ela diz que nunca vai esquecer o que viu. Centenas de haitianos nas ruas, à espera de uma chance para recomeçar a vida no Brasil. Longas filas de refugiados esperando pela comida, que às vezes faltava.

"Uma das cenas que me marcaram em Brasileia foi quando a fila para a refeição ainda era grande e faltou comida. Em vez de reclamar, eles saíram da fila em silêncio e foram rezar, sem reclamar", relembra Karen.

Nas entrevistas de emprego com os haitianos, Karen diz ter encontrado advogados, engenheiros e um professor universitário que falava seis idiomas. A incerteza de que pessoas com essa qualificação fossem se adaptar ao trabalho braçal da construção civil levou a empresária a escolher um grupo de 16 homens já acostumados com a dureza do serviço.

O grupo aumentou em uma pessoa quando aconteceu outra cena marcante para a empresária. "Um casal se ajoelhou pedindo que eu também levasse a mulher, que estava grávida." Eram Josias e Thelemaque, que agora estão em Navegantes.

Mais haitianos em SC e no RS

No oeste de Santa Catarina, outro grupo de haitianos também ganhou emprego. Uma fábrica de piscina e caixas d'água da cidade de Chapecó foi a primeira a trazer refugiados para trabalhar no estado. Ao todo são 32 pessoas, que estavam na mesma situação dos outros em Brasileia, aguardando por uma chance para trabalhar no Brasil.

Outros 14 começaram a trabalhar numa fábrica em Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. A falta da mão de obra motiva as empresas do sul a contratar os refugiados.

Para Alexandre Dias, dono da construtura de Navegantes que recrutou os 17 imigrantes haitianos, é preciso conscientização de mais empresários para dar oportunidade a essas pessoas. "Outros empresários também poderiam contratar essa mão de obra e dar uma oportunidade para essas pessoas terem uma vida melhor."

Autor: Almeri Cezino, de Navegantes - Revisão: Alexandre Schossler

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