domingo, 5 de fevereiro de 2012

NAS MÃOS DAS SECRETAS?




Rui Costa Pinto – i online, opinião

Passos Coelho tem a indeclinável responsabilidade política de esclarecer definitivamente que nem ele, nem o partido, nem o governo estão nas mãos das secretas

O primeiro-ministro está a tentar escapar à imperativa deslocação à comissão de Assuntos Constitucionais para dar esclarecimentos sobre o funcionamento das secretas.

Independentemente de respeitar a iniciativa parlamentar do PCP, enquadrada no agendamento potestativo do regimento da Assembleia da República – à qual Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, seguramente não se furtará a uma palavra final –, é preciso desde logo afirmar que a presença de Passos Coelho naquela sede é justificada por cinco razões: instabilidade nas secretas; falta de fiscalização; contradições no apuramento de práticas criminosas das suas chefias; dúvidas sobre as relações do então líder da oposição com as estruturas das secretas; e dependência hierárquica directa dos serviços em relação ao primeiro-ministro.

Neste quadro interno arrepiante importa também olhar para lá das nossas fronteiras. Não é preciso regressar à Guerra Fria, em que a CIA e o KGB se digladiavam no palco internacional, para demonstrar que a santa aliança entre o poder executivo e os operacionais não é um exclusivo das ditaduras. Nem tão--pouco invocar os mais recentes ataques à liberdade de imprensa, como comprovam as agressões abjectas aos direitos dos jornalistas, amplamente atestados, por exemplo, pelos casos ocorridos em 2010, com os jornalistas Nuno Simas (jornal “Público”) e Gérard Davet (“Le Monde”). Para ilustrar este poder crescente e descontrolado basta reavivar a memória do caso Clearstream (2004), que envolveu os espiões franceses na guerra entre Dominique de Villepin (ex-primeiro-ministro francês) e Nicolas Sarkozy (presidente de França) e sobre a promessa de Obama de encerrar Guantánamo (2008) que continua a esbarrar nas agências norte-americanas.

Face a esta realidade, que ultrapassa a ficção de Ian Fleming e de John le Carré, é óbvio que, desde o infame ataque de Nova Iorque (2001), os serviços secretos têm assumido um poder próprio que vai muito além das medidas excepcionais da luta contra o terrorismo, pelo que é pertinente e legítimo perguntar: estamos nas mãos das secretas?

Em Portugal, ou em qualquer outro país, as respostas sustentadas na utilização abusiva da vinculação ao segredo de Estado, nas sindicâncias administrativas e nos inquéritos criminais não podem substituir a incontornável responsabilização política.

A presença de Passos Coelho na primeira comissão já não é exigível só para esclarecer o que o governo está a fazer ou não para garantir que a democracia não está à mercê de abusos aviltantes em nome de interesses avulsos e difusos. Neste momento, e muito por culpa da espantosa inércia do executivo, é imprescindível responder às dúvidas que já alastraram ao próprio presidente do PSD, a propósito das suas relações, ainda antes de chegar ao governo, com a cúpula responsável pela maior quebra de confiança de sempre nas secretas.

Passos Coelho não recheou o gabinete com um alto quadro do SIS, como fez descaradamente o seu antecessor. Mas ninguém esquece que, na primeira semana de Julho de 2011, durante a campanha eleitoral das últimas legislativas, Miguel Relvas lançou cirurgicamente suspeitas a propósito de alegadas escutas ilegais a membros da direcção do PSD em pleno contexto da célebre vigilância a Belém.

A bem da mudança, da diferença entre o passado e o presente, Passos Coelho tem a indeclinável responsabilidade política de esclarecer definitivamente que nem ele, nem o partido, nem o governo estão nas mãos das secretas.

Escreve ao sábado

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