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Em entrevista à DW Brasil, Huguette Labelle, presidente do conselho de administração da ONG, avalia que o Brasil poderá servir de exemplo para países da região e exportar o modelo de transparência que vem implementando.
Autoridades brasileiras têm mostrado liderança e comprometimento no combate à corrupção, avaliou a presidente do conselho de administração da ONG Transparência Internacional, Huguette Labelle. "Se continuar nessa trilha que começou, o Brasil poderá demonstrar que um país pode fazer muito em pouco tempo", declarou à DW Brasil nesta quarta-feira (14/03), após encontro com a presidente Dilma Rousseff.
Labelle se referia à Lei de Acesso à Informação, que entrará em vigor em 16 de maio. O texto regulamenta o acesso a dados do governo, pela imprensa e pelos cidadãos, e determina o fim do sigilo eterno de documentos oficiais. Labelle avalia que o Brasil poderá servir de exemplo para países da região e exportar o modelo de transparência que vem implementando.
Questionada sobre a série de ministros do governo Dilma que tiveram de deixar seus cargos, Labelle disse que o importante não é o número de casos, mas que as denúncias sejam apuradas. "É uma questão de não tolerar impunidade, de assegurar que a infração não será tolerada."
No encontro em Brasília, Labelle e Rousseff falaram sobre leis aprovadas recentemente pelo Congresso brasileiro e outras que ainda estão sendo discutidas. A visita ao Brasil faz parte da agenda de preparação para a 15ª Conferência Internacional Anticorrupção, que acontece em Brasília de 7 e 10 de novembro de 2012.
DW Brasil: Na opinião da Transparência Internacional, qual é a posição que o Brasil ocupa hoje na luta contra a corrupção?
Huguette Labelle: No passado recente, uma série de ações foi tomada. Tem havido uma forte liderança, o que é sempre importante: comprometimento e ações para dar efeito aos comprometimentos. A agenda legislativa é bem importante. Parte do trabalho, que vem sendo feito pela Controladoria Geral da União na transparência de dados como gastos e receitas do governo, aconteceu num momento oportuno em que muitos países poderão aprender com o Brasil.
Uma série de outras ações está sendo colocada em prática neste momento, mas claro que a agenda nunca está concluída, haverá sempre muito trabalho na implementação, por exemplo, da Lei de Acesso à Informação.
Eu acho que todos os países têm muito que fazer pela transparência e luta contra corrupção no nível municipal, por exemplo. Muitos países têm muito que fazer a respeito do sistema judiciário, e eu sei que isso faz parte do plano do Brasil. Então eu acho que o Brasil, se continuar nessa trilha que começou, poderá demonstrar que um país pode fazer muito em pouco tempo, numa agenda de tolerância zero diante da corrupção.
DW Brasil: Em novembro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff assinou a nova lei, aprovada pelo Congresso, sobre o acesso à informação. É uma lei bastante ampla e envolve o Executivo, Judiciário e o Legislativo nas três esferas (municipal, estadual e nacional). Qual sua opinião sobre a aplicabilidade dessa lei num país como o Brasil?
O fato de ela ser aplicada a todos esses setores é muito importante. Então esse é um passo muito positivo. Também significa que a implementação é mais complexa. Eu acredito que, sim: o fato de a lei ter que ser implementada em pouco tempo é muito desafiador, mas, ao mesmo tempo, é importante para que as pessoas possam ver que sim, agora temos uma lei, mas também temos ações e podemos alcançar o acesso a informações.
Mas isso também vai significar que o governo terá que aprender com essa implementação. Eu acredito que é uma importante atitude ser capaz de rever periodicamente quais são os problemas e como as coisas podem melhorar. Mas o fato de a lei ser aplicada para todas essas áreas também será um fator para que outros países tenham a possibilidade de observar, porque em muitos países [leis como essas] são muito limitadas.
DW Brasil: Muitos analistas dizem que o Brasil não tem a "cultura da transparência". A senhora acredita que é verdade que a cultura pode ter papel fundamental na dificuldade de implementação da Lei de Acesso à Informação?
Para mim, trata-se mais de uma questão de prática do que de cultura. A prática antes era a do segredo, enquanto que hoje o que se vê mais e mais é que as pessoas estão consultando amplamente os novos programas, novas políticas, novas leis. Então o que era um segredo até que estivesse pronto não é mais. Acho que já é um grande passo, ao menos na maioria dos países. Eu acredito que, para haver uma mudança cultural, os líderes e funcionários dos governos precisam entender que a informação não é deles, é do povo.
E no momento que você pensa na informação dessa maneira, seu cérebro se transforma e olha para essa questão de uma maneira bem diferente: que é o direito das pessoas de terem acesso a informação, a informação é deles. Claro que há a questão da privacidade ou de sigilo para investigações em andamento. Mas isso deve ser limitado e deve ser claro. A maior parte da informação precisa ser disponibilizada online para todos ver que não há o que esconder. Esses são os dois principais aspectos: nada a esconder e a informação do povo. Quando se inicia com esses dois princípios poderosos, há a possibilidade de criar um novo ambiente no governo.
DW Brasil: Muitos ministros do governo Dilma Rousseff saíram dos cargos ou pediram demissão após uma série de denúncias de corrupção. O que isso significa para a Transparência Internacional?
Se há evidência de má gestão ou corrupção, fraude, então o líder precisa agir. Não pode virar as costas, porque é aí que a impunidade permanece. Então se são 20 pessoas, são 20 pessoas. Se forem 100 pessoas, que sejam 100 pessoas. Eu acho que, primeiramente, é uma questão de não tolerar impunidade, de assegurar que a contravenção não será tolerada.
Também serve como um inibidor muito forte, porque se pessoas num departamento do governo sabem ou sentem que um executivo de alto escalão fez algo errado e isso foi tolerado, essas pessoas pensam: porque não eu também? Cria-se um ambiente em que a infração é aceita. Não são, portanto, os números que importam, mas sim assegurar que, se há indícios de fraude e corrupção, as pessoas serão removidas, investigadas. Caso nada fique comprovado, então elas voltam para seus postos. Mas se já se chegou a essa medida [de afastar ministros] é porque há sinais suficientes.
DW Brasil: O Brasil se prepara para receber importantes eventos esportivos. Nesse processo, há vários aspectos ligados à transparência que preocupam especialistas. Esta semana, por exemplo, Ricardo Teixeira afastou-se Confederação Brasileira de Futebol e do Comitê Organizador da Copa de 2014. Avalia como positivo esse fato?
Qualquer coisa que puder ser feita para construir transparência e integridade nos jogos vai ser vital. Vital para o bem dos jovens atletas que acreditam que dedicar-se ao esporte ainda é uma boa maneira de conduzir a vida. Mas é importante, também, prevenir a corrupção.
Entrevista: Ericka de Sá - Revisão: Carlos Albuquerque
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