Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
A primeira tentativa de concentração para a manifestação antigovernamental marcada para hoje em Luanda foi, de acordo com as regras da democracia do regime do MPLA, corrida à bastonada pela polícia.
Nada de novo, portanto. O regime de Eduardo dos Santos, presidente (não eleito e há 32 anos no poder) de um país que preside à CPLP, não está com meias medidas e mostra – sem preocupações – que a democracia e a liberdade são coisas de somenos importância.
“Tivemos que dispersar, porque logo que nos começámos a concentrar, a polícia, e civis que consideramos serem agentes à paisana, começaram a bater e a prender”, disse Adolfo Campos, um dos organizadores.
A carga policial provocou pelo menos um ferido – Luaty Beirão, o conhecido rapper Ikonoclasta, que sofreu ferimentos na cabeça – e número indeterminado de detidos, acrescentou Adolfo Campos, indignado por julgar que a liberdade dos donos do país terminava onde começava a do Povo.
Convocada pelo auto-denominado Movimento Revolucionário Estudantil, para exigir o afastamento da presidente da Comissão Nacional Eleitoral e a demissão do Presidente José Eduardo dos Santos, o primeiro acto da manifestação era a concentração no Cazenga, bairro popular situado a norte de Luanda, com os manifestantes a tentarem progredir em direcção à Praça da Independência, no coração da capital.
A manifestação deveria realizar-se 24 horas depois do mais recente ataque perpetrado por desconhecidos (alguns encapuzados) contra alguns dos organizadores do protesto.
A iniciativa visa protestar contra a designação de Suzana Inglês para a presidência da CNE, que desencadeou uma série de iniciativas dos três maiores partidos da oposição com representação parlamentar, UNITA, PRS e FNLA, junto do Conselho Superior da Magistratura Judicial e do Tribunal Supremo, onde interpuseram uma providência cautelar, e que foram liminarmente rejeitadas por estes dois órgãos judiciais.
Falar, no caso de Angola, de democracia é uma forma de branquear a situação, compreensível no contexto de que os angolanos sabem que o regime – perante a atávica e petrolífera apatia internacional - mata primeiro e pergunta depois.
O regime de Eduardo dos Santos sabe bem que a melhor forma de exercer a sua “democracia” é ter 70% da população na miséria, é ter tirado a coluna vertebral à esmagadora maioria dos seus opositores políticos, a começar pela UNITA, é dizer ao povo que tem de escolher entre a liberdade um saco de fuba.
Com a cobertura internacional, nomeadamente da CPLP, o regime não brinca em serviço e, por isso, nada como preventivamente mostrar aos manifestantes (bem como aos jornalistas presentes) que quem manda é o MPLA, que Angola é o MPLA.
José Eduardo dos Santos que tem, que ainda tem, a cobertura internacional (comprada, mas tem), sabe que pôr o povo a pensar com a barriga é a melhor forma de o manter calado e quieto.
Aliás, se assim não for o que lhe restará? Provavelmente, “peixe podre, fuba podre, 50 angolares e porrada se refilares”.
Defender a liberdade de expressão não é nada do outro mundo, mas é algo que o regime não quer. Tudo quanto envolva a liberdade (com excepção da liberdade para estar de acordo com o regime) é algo que causa alergias graves a Eduardo dos Santos.
Recorde-se que o dirigente Bento Bento, governador de Luanda, foi claro quando disse: "Quem tentar manifestar-se será neutralizado, porque Angola tem leis e instituições e o bom cidadão cumpre as leis, respeita o país e é patriota."
Apesar de corridas à bastonada, ou a tiro, a verdade é que estas acções de protesto fazem tremer o regime. Recorde-se, por exemplo, que perante o anúncio da primeira manifestação em Luanda, o Governo apressou-se a pagar salários em atraso nas Forças Armadas e na Polícia, a fazer promoções em série e a, inclusive, a mandar carradas de alimentos para a casa de milhares de militares.
Basta também ver que, perante as manifestação, o regime põe nas rua e por todo o lado – mesmo em locais onde os angolanos nem sabem que ia haver manifestação – os militares e a polícia a avisar que qualquer apoio popular aos insurrectos significava o regresso da guerra.
No entanto, por muita força que tenha a máquina repressora do regime angolano (e tem-na), por muito apoio que tenha de alguns órgãos de comunicação estrangeiros, como a RTP, nunca conseguirá fazer esquecer que 70% dos angolanos vive na miséria.
Nunca fará esquecer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.
Nunca fará esquecer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.
Nunca fará esquecer que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros, que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população, que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.
Nunca fará esquecer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
Por tudo isto, a luta continua e a vitória é certa! Pode demorar, mas vai chegar.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: SE NÃO… AO MENOS SAIA DE CIMA!
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