sexta-feira, 9 de março de 2012

SE NÃO… AO MENOS SAIA DE CIMA!




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Cavaco Silva resolveu tapar o Sol com uma peneira. Mas, como é timbre de quem nunca tem dúvidas e raramente se engana, esqueceu-se que à noite o Sol está a dormir.

O Presidente da República de Portugal resolveu dizer, no prefácio do seu livro de discursos ("Roteiros VI"), aquilo que não teve coragem de dizer cara a cara. Veio agora acusar José Sócrates de uma série de barbaridades, eventualmente verdadeiras, mas que deveriam ter sido ditas quando o homem era primeiro-ministro.

Os portugueses sabem que Cavaco Silva é um político cada vez mais forte… com os que são cada vez mais fracos.

Cavaco deveria ter seguido o que o padre disse na sua cerimónia de casamento: Se há alguém contra que fale agora ou se cala para sempre. Com tiques quase hitlerianos, Cavaco Silva resolveu agora ajustar contas e servir gelada a sua vingança. Perdeu toda a autoridade moral que, admito, até pudesse ter.

Como todos sabem, Cavaco é um lídimo defensor do diálogo, sobretudo quando está calado ou quando, em alternativa, fala para o espelho. Ele explica que a ausência de diálogo com a oposição ditou “o destino” do Governo minoritário socialista, realçando ainda ter sido "impedido" de evitar o deflagrar da crise política de 2011.

Pobre presidente! Ele bem queria evitar a crise (a tal que até do ponto de vista pessoal o obriga a fazer contas para saber se pode ou não pagar as suas despesas), mas não o deixaram. Ele bem fez o diagnóstico, bem apontou a medicação. Mas não lhe passaram cartão. Viu o doente morrer, mas o que mais poderia o impoluto presidente fazer?

Cavaco sabe, contudo, que a melhor defesa é o ataque. Vai daí, examinou todas as brechas (e são tantas) do seu desempenho e resolveu tapá-las através da velhinha técnica de culpar os outros.

Não sei, mas se calhar até é verdade que a responsabilidade no caso das escutas ao então governo do PS, que tanto animaram os cérebros de Belém, era do próprio José Sócrates. Ao que parece, Sócrates conspirava contra si próprio só para chatear o impoluto presidente da República.

Mas, apesar de reconhecer que os seus avisos não foram ouvidos, Cavaco continua a querer que alguém o oiça e lhe atribua o mérito que até agora só encontra quando fala com o espelho.

Quase ao estilo de quem está numa fase da vida em que já só urina para os chinelos, Cavaco calcula que é inimputável e que mesmo sendo Presidente da República pode dizer o que bem lhe apetece, nomeadamente contra partidos e políticos que estão no activo.

Reconheçamos contudo que, afinal, Cavaco Silva sempre foi visto como um mero corta-fitas, qual Américo Tomás da era moderna. Ele próprio o diz quando acusa José Sócrates de o não ter "previamente informado sobre o conteúdo ou sequer da existência do PEC IV" tendo por isso ficado "impedido de exercer a sua magistratura de influência com vista a evitar o deflagrar de uma crise política".

Lembra o perito dos peritos (refiro-me, obviamente, a Cavaco), que o pedido de demissão do então primeiro-ministro por falta de condições políticas, na sequência do chumbo do 'PEC IV' no Parlamento, e o facto de não existir "qualquer hipótese de constituir um Governo alternativo com o mínimo de solidez e consistência", com todos os partidos da oposição a rejeitarem "liminarmente" a possibilidade de integrarem um Executivo com o PS liderado por José Sócrates e os próprios socialistas a não manifestarem "interesse genuíno na formação de um Governo de coligação".

Cavaco esquece-se, como é timbre das crises temporárias e devidamente programadas e que têm como suporte científico os estudos do neurologista alemão Aloysius Alzheimer, que no seu incendiário discurso de vitória das últimas eleições colocou o PS abaixo do lixo, dando ao seu partido tudo que ele precisava para facturar sobre a crise política.

Todos os portugueses que têm memória (eu sei que são cada vez menos) se recordam que a 9 de Março de 2011 Cavaco Silva disse cobras e lagartos do governo, facto aproveitado pelo Bloco de Esquerda para avançar no dia seguinte com uma moção de censura.

Seja qual for a razão, a verdade é que Cavaco Silva quer, sempre quis, mostrar que é um puro sangue de macho latino, mas na verdade não… nem sai de cima.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: DO VISGO ÀS ASAS CORTADAS

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