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Foi o primeiro veredicto da história do Tribunal Penal Internacional, que condenou o ex-chefe rebelde do nordeste congolês por recrutar crianças soldado entre 2002 e 2003. Sentença ainda não foi pronunciada.
Dez anos após a sua criação, o TPI pronunciou o primeiro veredicto da instituição, contra o antigo líder rebelde Thomas Lubanga, da República Democrática do Congo (RDC). O processo contra Lubanga, acusado de recrutamento de crianças soldado para a sua milícia Forças Patrióticas para a Libertação do Congo (FPLC), foi o primeiro a ser aberto no TPI, em janeiro de 2009.
No final da audiência, esta quarta-feira (14.03), o TPI, com sede em Haia, na Holanda, anunciou que “concluiu por unanimidade que a acusação provou, sem deixar dúvidas, que Thomas Lubanga é culpado de crimes de recrutamento e envolvimento de crianças com menos de 15 anos e de as ter feito participar num conflito armado”, nas palavras do juiz britânico Adrian Fulford.
A sentença será lida mais tarde, em data ainda a anunciar. A pena máxima diante do TPI são 30 anos de prisão. Mas em casos de crimes considerados como extremamente graves, os juízes podem declarar a prisão perpétua.
“Ninguém podia escapar do serviço militar”
Um vídeo de março de 2009 mostra uma audiência de testemunhas em Haia. A voz de um homem que respondia diante do tribunal foi distorcida de propósito e a imagem borrada pela equipe de produção.
"O senhor presenciou alguma execução?", ressoa a pergunta de uma advogada. A testemunha responde: "Sim, testemunhei como um menino que queria fugir foi executado. Queriam mostrar como qualquer um poderia ter o mesmo destino, que ninguém podia escapar do serviço militar. Ele foi morto. E eu fui a testemunha".
A testemunha é um ex-rebelde da RDC. O homem não pode ser reconhecido – para a sua própria proteção. A apenas poucos metros da testemunha, está sentado o homem tido como o responsável pela execução descrita.
Senhor da guerra congolesa
Thomas Lubanga Dyilo, de 51 anos de idade, é ex-líder de milícias no Congo Democrático. Em 2006, o governo da RDC prendeu Lubanga, entregando-o ao Tribunal Penal Internacional. Em 2009, os juízes abriram processo contra Lubanga. A acusação que pesa contra ele é de pesados crimes de guerra.
Entre 2002 e 2003, Lubanga teria recrutado centenas de crianças para a milícia armada Forças Patrióticas para a Libertação do Congo, ou FPLC, na região de Ituri, no nordeste do país, no âmbito de um conflito armado iniciado no final dos anos 1990.
As FPLC são o braço militar da UPC, a União dos Patriotas Congoleses, que Lubanga ajudou a fundar e da qual foi presidente.
Segundo agências noticiosas, que citam associações humanitárias, os enfrentamentos entre etnias e violências entre milícias pelo controle das minas de ouro e outros recursos naturais em Ituri provocaram a morte de 60 mil pessoas a partir de 1999 e até 2003, quando acabou oficialmente o conflito na região.
Muitas das crianças recrutadas por Lubanga não tinham completado 15 anos de idade. Lubanga as teria forçado a matar, além de fazer delas escravas sexuais.
Chega ao fim o primeiro processo no TPI
O processo contra Lubanga é o primeiro que foi aberto pelo Tribunal Penal Internacional, em janeiro de 2009. Concentra-se exclusivamente na problemática das crianças soldado.
Antes do início do processo, em 2009, o procurador geral do TPI, Luis Moreno-Ocampo, afirmou que “o que importa para mim é a pena. Estamos falando de crianças que foram transformadas em assassinos”.
O processo contra Thomas Lubanga foi interrompido duas vezes. O tribunal criticou que Ocampo e seus colegas mantiveram segredo sobre as atas contendo provas do caso, além de esconderem a identidade de pessoas com quem mantinham contato na RDC.
Segundo os juízes do TPI, a defesa de Lubanga tinha o direito de averiguar o material para permitir um processo justo. A defesa acabou conseguindo acesso às atas, mas os nomes das testemunhas continuaram secretos.
O processo acabou por ser retomado. Em agosto de 2011, acusação e defesa leram as considerações finais. A advogada de defesa de Lubanga, Catherine Mabille, na altura, atacou a credibilidade das testemunhas – especialmente das crianças soldado. Segundo Catherine Mabille, "oito delas nunca estiveram na FPLC. A nona testemunha, que realmente integrou a milícia a partir de 2003, mentiu recorrentemente sobre a própria idade e sobre as circunstâncias do próprio recrutamento. Todos mentiram sobre as idades", sustentou.
Por ser o primeiro processo do Tribunal Penal Internacional, o veredicto no caso Lubanga é considerado um indicativo importante para futuros processos no âmbito do TPI, acreditam especialistas. Nesta quarta-feira (14.03), várias ONGs internacionais saudaram a condenação de Lubanga.
"É um sinal forte para os autores de crimes tão graves - um sinal de que a impunidade não existe", disse à agência France Presse a encarregada do departamento de justiça internacional da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW), Géraldine Mattioli.
Para o homólogo de Mattioli na Anistia Internacional, Michael Bochenek, o veredicto é motivo de reflexão "para aqueles que cometem no mundo o horrível crime de abuso de crianças, dentro e fora do campo de batalha".
Além do ex-líder rebelde Thomas Lubanga, mais acusados de crimes de guerra deverão ser responsabilizados diante do Tribunal. Entre outros países, os suspeitos vêm de países africanos como a RDC, do Quênia ou da Costa do Marfim. Existem ainda mandados de prisão emitidos contra, por exemplo, o presidente sudanês Omar al-Bashir, e contra Saif Al-Islam Kadhafi, filho do antigo ditador líbio.
Autora: Julia Hahn / Renate Krieger (com agências AFP/Reuters/dpa) - Edição: Glória Sousa
Autora: Julia Hahn / Renate Krieger (com agências AFP/Reuters/dpa) - Edição: Glória Sousa
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