domingo, 25 de março de 2012

UM GOLPE DOS “PATRÕES” DA LÍNGUA




Cândido Lince – Jornal de Angola, opinião

Há coisas que, de tão vergonhosas, até o diabo foge delas. Pópilas! Vejam só o atrevimento!

De há alguns dias a esta parte, o Word 2007 do meu computador, ferramenta que utilizo para escrever os meus textos, passou, automaticamente, a assinalar erros ortográficos em palavras, que eu tinha a plena convicção de estarem correctamente escritas. Pensei até que a selecção para a configuração ortográfica do português de Portugal tivesse “emigrado” para o Brasil. Mas não. Emprestando um pouco mais da minha atenção e paciência a este assunto, questionando, também, outras pessoas, conclui que, através de algumas das actualizações automáticas, sem me pedirem qualquer opinião sobre o assunto, passaram-me a impor um novo dicionário da língua portuguesa de Portugal, quando o antigo corrector ortográfico se encontra ainda em uso. Se não foi por feitiço que isto aconteceu, então andou, de certeza, aqui, uma mãozinha marota.

O meu país, Angola, tem, por opção e não por imposição, o orgulho de ter a Língua Portuguesa como língua oficial e de escolaridade. Uma língua que, a par de outras línguas africanas, é património de todos os angolanos que a falam, independentemente do facto de a terem adquirido como primeira ou segunda língua.

Angola assinou o novo acordo ortográfico, mas, por razões de ordem, essencialmente, científica e cultural, ainda não o ratificou e tem todo o direito de querer voltar a discuti-lo, pelo facto de, em alguns aspectos, não se rever nele. De nenhum modo terá de ser obrigado a consumi-lo, tal como, no seu todo, o mesmo se apresenta.

Moçambique também não ratificou o novo acordo ortográfico e há outros países africanos de expressão portuguesa que, apesar de o terem feito, juridicamente, ainda vão a tempo de reponderar sobre determinados aspectos. Em Portugal, por exemplo, o novo acordo ortográfico terá, oficialmente, de conviver com o antigo, pelo menos, até 2015. Assim sendo, o acordo ortográfico de 1945 mantem-se ainda em vigor.

O que terá levado a Microsoft a impor o novo acordo ortográfico de língua portuguesa à margem da lei e sem alternativa de escolha por parte dos seus utentes? Um novo acordo bastante contestado, sobretudo, ao nível dos académicos, agora imposto, por via electrónica, mais por conveniência de interesses obscuros do que por estratégia de divulgação da própria língua, como dita o discurso político?

Nos dias de hoje, não me parece que seja através da força, com o uso de golpes baixos, que teremos de ser forçados a aceitar o novo acordo ortográfico de língua portuguesa. Aproveitar o facto de os PALOP não terem ainda um parque editorial à altura, para, automaticamente, nos forçarem a aceitar um acordo onde, para além dos erros e das situações duvidosas, são mais as excepções que as regras, é uma má opção estratégica, com consequências a curto, médio e longo prazo e com sérios prejuízos para a própria Língua Portuguesa. O novo acordo, para ser validado e dignificado, terá de ser rectificado para não conviver com resistências de todo o tipo. Terá de entrar, em cada país, pela porta grande da frente e nunca, sorrateiramente, pela porta pequena dos fundos. Para tal, se torna necessário que todos os países participem dele, para que todos os países se revejam no mesmo, já que a língua portuguesa é de todos os países membros, que compõem a CPLP.

Angola e os outros países africanos de expressão portuguesa, bem como ainda Timor Leste, não têm de ser usados como caixa de ressonância de problemas que não lhes dizem respeito, nem, tão pouco, terão de ser sujeitos a imposições sub-reptícias de tipo neocolonial, sob o protesto da necessidade de uma unificação linguística, que, como todos sabemos, não passa, desde o início, de um falso pressuposto.

Face aos embaraços constatados no novo acordo, não só em Angola, mas também em Portugal, no Brasil e em outros países da Comunidade, só os asnáticos fogem para a frente e procuram impor pela força o que não conseguem convencer pelo uso da argumentação. O jeitinho do “tomem lá o Acordo e não piem”, é uma forma muito pouco urbana, democrática e sensata de tentar resolver o problema. Assim, dificilmente, em português, seremos capazes de nos entender.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma imposição ortográfica por editoras e empresas de publicações.
À revelia dos escritores, ensaístas, filósofos e até peritos na matéria (linguístas).

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