Martinho Júnior, Luanda
1 – Ao voltar-se para si própria e para a região SADC, conforme concluo em “Angola precisa reencontrar-se!” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/martinho-juniorluanda-1-atraccao.html), Angola deve reflectir sobre a generalidade dos fenómenos provocados pelos impactos da globalização capitalista neo liberal na sua estrutura sócio-política, tendo em conta o que se passa em muitas instituições internas e externas, surgidas após 2002, não perdendo de vista a necessidade de não se desenvolverem precisamente os mesmos factores que estão nas razões causais das sucessivas crises contemporâneas nos Estados Unidos como na União Europeia, ao mesmo tempo que se dê oportunidade às alternativas que coloquem o homem e o meio ambiente no cerne de todas as atenções.
Se hoje o fluxo de entrada de capitais e investimentos dão substância à “emergência” do país, a aplicação das mesmas filosofias, dos mesmos critérios, métodos e modelos, por via duma banca que expressa uma autêntica “ditadura do mercado”, quando África se esgota num cada vez mais extenso “arco de crise”, é o preâmbulo da deliquescência duma paz que merece ganhar projecções a muito longo prazo, projecções com desenvolvimento sustentável, equilíbrio e justiça social, depois de tantos sacrifícios consentidos durante várias décadas.
A reforçar a necessidade duma nova estratégia, no sentido das interdependências e não das dependências, estão efectivamente dois acontecimentos externos recentes que têm necessariamente repercussões à escala global e são sinais de oportunidade para todos os “emergentes”:
- A cúpula dos BRICS em Nova Delhi, que estabeleceu conceitos e nexos que começaram já a alterar os relacionamentos internacionais (“A virada de Nova Delhi” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/brics-virada-de-nova-delhi.html).
- A VIª Cimeira da OEA, em Cartagena das Índias, que propicia, 52 anos depois de Praia Girón em Cuba, a “Praia Girón da América Latina” face à decadência da hegemonia dos Estados Unidos na América (“Latin America rebels against Obama over Cuba – http://news.yahoo.com/scandal-mars-obamas-wooing-latin-america-002040977.html)!
2 – Esta reflexão implica avaliar qual é o “mal de África” e situar-me precisamente na essência do problema.
A contradição antagónica principal em África continua a ser entre o expediente capitalista e neo liberal deste modelo de globalização sob a égide do império e os povos africanos constituídos em alvo, por que continuam a ser explorados e efectivamente oprimidos.
A exploração e a opressão traduz-se pelo imenso cenário de subdesenvolvimento crónico que se estende com maior ou menor ênfase por todo o continente.
À contradição antagónica em que o império se assume, agregam-se as antigas potências coloniais, o que por outro lado pode levar ao estímulo do incremento de contradições secundárias.
As velhas potências coloniais, perdido o espaço onde exerciam o colonialismo, tiram partido das suas próprias influências regionais que foram cultivando década após década mesmo depois das independências de bandeira, ainda que com disputas que cheguem aos conflitos, à assumpção de novas identidades ditas nacionais (no fundo emanações de carácter étnico, mesmo tribal)… ou a golpes de estado!...
A tendência para golpes de estado na África do Oeste, onde a predominância de relacionamentos com a França é evidente, é uma questão que deve ser considerada como intimamente associada a interesses da “Françafrique”!
Em África vive-se em dependência neo colonial e estão ainda em vigor muitas sequelas do colonialismo!
As alternativas que se devem buscar, ao mesmo tempo que visam um processo saudável de luta contra o subdesenvolvimento, devem perseguir as vias da paz, do aprofundamento da democracia, da cidadania, da participação e da sustentabilidade, tendo o homem como prioridade e centro de todas as atenções, programas e vontades, mobilizando-o para as imensas tarefas que isso comporta, aprofundando a cultura da identidade nacional, sem perder de vista os processos de integração regionais.
Lembrar os conceitos de “pan africanismo” é também lembrar a necessidade de luta contra o subdesenvolvimento! (“Europa hundió a África en el subdesarrollo” – http://alainet.org/active/53823).
As alternativas em África podem e devem-se inspirar nas revoluções sociais do passado e na história contemporânea da América Latina, tal como nas últimas posições dos BRICS (colectiva e individualmente) e com elas estabelecer nexos e relacionamentos que catapultem a consolidação das resistências e das vontades, reduzindo cada vez mais a margem de manobra daqueles que continuam na senda da dependência do continente ao “diktat” dos seus interesses e poderio.
Os acontecimentos que vão ocorrendo em África, sujeitam-se aos complots neo liberais, incluem em muitos casos a proliferação de divisões (precisamente ao contrário das correntes estimuladoras do pan-africanismo de há 50 anos), implicam noutros casos o redesenhar dos mapas, condicionam a vida interna dos estados, bem como os seus relacionamentos externos, submetem e oprimem os povos.
Dando ênfase aos negócios, estimulados por parceiros internacionais que actuam a partir de “plataformas financeiras” com a aparência de inócuas, o império fomenta novas elites e novas articulações, uma grande parte delas escondidas nos bancos, fomenta a “diplomacia económica”, tudo isso segundo expedientes de tal forma subtis e inteligentes que não é mais preciso ao AFRICOM, por exemplo, ter a sua sede no continente, ou nele ter bases fixas…
Desse modo, gere e arregimenta, por via da lógica capitalista desencadeada, os processos elitistas e as novas elites africanas, que estão a alinhar obcecadas pelo seu egoísmo nos projectos que chegam com as inteligências de fora do continente, tornam-se instrumentos dóceis dessas políticas, à custa da submissão dos povos!
Essas políticas de dependência, colocam em muitos casos as novas elites integradas nos expedientes de ingerência e manipulação, tirando partido dos seus argumentos filosóficos e políticos, de acordo fundamentalmente com os interesses económicos e financeiros, tal como no que diz respeito à teoria do estado formatado e conforme às “democracias representativas” e aos “direitos humanos” da conveniência.
Sectores extensos de cada sociedade sofrem exclusões de todo o tipo por que o capitalismo neo liberal é o factor-matriz dos desequilíbrios, das assimetrias e da marginalidade, não é (muito pelo contrário) um instrumento de luta contra o subdesenvolvimento e tende a esconder na luta contra a pobreza, uma caridade cínica, a sua ineficácia em relação às atenções que o homem merece.
Há que descobrir a verdade sobre todos esses processos e expedientes típicos do capitalismo neo liberal essência da globalização do império e da cadeia de dependências que ele gere, fazer a leitura correcta dos acontecimentos, avaliar quanto as antigas potências coloniais estão, em função do seu próprio desconcerto, indexadas às crises africanas e por dentro das contradições secundárias que entre outras coisas procuram a todo o transe atenuar a contradição antagónica principal.
África está a ser envolvida por um neo colonialismo “de novo tipo”, fomentado pelas poderosas correntes neo liberais, evocando “democracia representativa”, “direitos humanos” mas com todos os sentidos postos nos mesmos objectivos de sempre: as imensas riquezas naturais do continente e a imensa fragilidade das (pseudo) nações africanas, que se debatem desde as origens nas artificiosas fronteiras traçadas na Conferência de Berlim, sem conseguirem arrancar os seus povos do subdesenvolvimento a que secularmente estão votados.
3 – No caso da Guiné Bissau as contradições secundárias devem ser levadas neste momento em consideração pois elas avultam (e subsistem) por detrás das cenas: dum lado as influências de Portugal, por tabela de Angola e por arrasto da China não oficial (via “plataformas financeiras” de Macau e Hong Kong), indexadas aos interesses ligados ao PAIGC liderado por Carlos Gomes, do outro, aparentemente em sectores dispersos da oposição e aparentemente algumas franjas do PAIGC, processos de inteligência próximos à “Françafrique”, um facto que não é novo para a Guiné Bissau, mas um tema insuficientemente abordado pelos analistas.
Essa insuficiência é tão mais gritante, quanto hoje se sabe, por exemplo, que o SDECE desempenhou um papel importante no assassinato de Amílcar Cabral em suporte da PIDE/DGS portuguesa e isso ser ainda hoje tão deliberadamente “desconhecido”!... (“Os exércitos secretos da NATO – A guerra secreta em Portugal - I” – http://www.avante.pt/pt/1966/temas/115672/; “Resgatar 26” – http://ultramar.terraweb.biz/Conackry22Nov1970/Resgatar_26.pdf).
Isso que dizer que a nível militar e de alguns políticos na oposição, a predominância parece ser dos estímulos delineados pelos expedientes de inteligência da “Françafairque”, especialmente evidentes na África do Oeste desde 2011, na sequência das ingerências externas das antigas potências coloniais na Líbia, sob o benevolente “guarda-chuva” dos Estados Unidos!
Neste contexto, o relacionamento “bilateral” Guiné Bissau – Angola, é um relacionamento em que Angola começa a agir antes de mais “por procuração” (se atendermos aos interesses nos bauxites e na banca – http://www.bauxiteangola.co.ao/operacoesmineiras.php; http://www.bauxiteangola.co.ao/projectos.php) antes de agir com suas próprias políticas de estado, que indiciam “ir a reboque” das ocorrências económicas e financeiras.
Angola corre o risco de estar a agir “por procuração” num processo que indicia “neo colonialismo”, que instrumentalizando o estado angolano em função do peso das novas elites angolanas e de acordo com processos elitistas, pretende arregimentar uma nova bandeira!... “brandos costumes”!...
Teria alguma vez havido Missang, sem os financiamentos e a exploração do bauxite?
O que vai sendo detalhado à superfície, via órgãos de informação pública dominantes e até muitos dos outros, quantas vezes esconde o que se passa com a principal vítima, o povo da Guiné Bissau: “quando dois elefantes lutam, é o capim que sofre!”
4 – Ao levar em consideração a necessidade, por parte de Angola, de rever a sua conduta de relacionamento para com a África do Oeste (recordo o Mali e as Guinés), tal como em relação ao Sudão, considero que os envolvimentos projectados por via de Angola contêm riscos que poderão um dia afectar a sua própria identidade e a soberania nacional.
O peso específico maior desses riscos prendem-se às lógicas, quer do que acima considerei de contradição antagónica principal, quer em função de contradições secundárias, por muito que os discursos se esforcem por ser espelhos dos conceitos aplicados pelo neo liberalismo, os espelhos “politicamente correctos” a que estamos habituados pelo menos durante a última década, que procuram não deixar ver a submissão, a dependência e o que constitui efectiva raiz-causal do subdesenvolvimento crónico a que África está votada!
Em Angola e no espaço de um ano, foi desaparecendo a vocação para o “socialismo democrático” e agora, em plena época pré-eleitoral tonifica-se o reforço da atenção sobre os pequenos e médios empresários, publicitando-se “um capitalismo de rosto humano”, quando no fundo é “diplomacia económica” interna que continua o que é fundamental para o neo liberalismo, o fortalecimento dos interesses e bancos de manobra indexada à aristocracia financeira mundial e às novas elites locais!...
Está a desaparecer no mapa léxico do “politicamente correcto” o “socialismo democrático” e, por outro lado, a atenção que deveriam por exemplo merecer as cooperativas, em especial as cooperativas rurais, vai também desaparecendo, na medida em que vão surgindo entre outras iniciativas típicas, imensas extensões de terrenos demarcados e apropriados pelas novas elites, por vezes associadas a interesses que chegam do exterior, sem que haja um aproveitamento efectivo dos solos e sem que haja rigor na fiscalização desses expedientes.
Com o crescimento que houve em 10 anos, desde 2002, um crescimento evidente na construção civil, na recuperação de estradas e dos caminhos de ferro, Angola está longe de ter consolidado e amadurecido o seu processo humano interno, semeou desequilíbrios e assimetrias, projectou uma economia dando completa abertura a capitais e a bancos sobre os quais deveriam ter havido muito mais cuidados, providenciou a ascensão de novas elites ávidas de poder e de lucro, cujo comportamento egoísta tende para a instauração dum “apartheid” social que choca com toda a cultura gerada com e no movimento de libertação, tem dificuldades em se afirmar numa região como a SADC e promove relacionamentos externos que espelham a sua própria fragilidade, senão vulnerabilidade.
Continua a ser o petróleo e os minérios (em especial os diamantes), o motor da economia, mantendo-se os outros sectores de actividade, salvo aqueles que estão dependentes desses sectores incluindo por via da “bancarização” (como a construção civil e algum comércio, por exemplo) raquíticos e longe de afirmação.
Na verdade começa-se a pagar a factura humana do que vem sendo gerado em Angola desde 1985, que foi acelerado a partir de 2002: a promoção da dependência neo colonial, num mundo onde já é possível estimular quadros de interdependência e “emergência” que se situe muito para lá do crescimento, que se situe num plano construtivo de desenvolvimento sustentável, equilibrado, com justiça social, com paz efectiva, sem rodeios, nem meias verdades!
- Foto de 11 de Março de 2012: Iates de luxo e as “torres” dos bancos e dos investimentos neo liberais surgidos do nada mas de forma muito “politicamente correcta”, após 2002!
Recordo ainda a propósito:
- Castas das Arábias – http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/castas-das-arabias.html
- Mercenários até quando? – I – http://pagina--um.blogspot.com/2010/11/mercenarios-ate-quando-i.html
- Mercenários até quando? – II – http://pagina--um.blogspot.com/2010/11/mercenarios-ate-quando-ii.html
* Ver todos os artigos de Martinho Júnior – ligação também em autorias na barra lateral
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