Martinho Júnior,
Luanda
1 – A atracção de
Angola às areias movediças do norte, do Sudão às Guinés, é um dos resultados
das enormes transformações operadas de há dez anos a esta parte, em função dos
caminhos que se privilegiaram com a ausência de tiros no país, sobretudo com a
impulsão de poderosas alavancas conotadas às estratégias múltiplas elaboradas a
partir do petróleo e tendo-o como vertebral referência.
Seria impossível
esses caminhos sem a abertura escancarada de portas a investimentos a partir de
várias “plataformas financeiras”, algumas delas ligadas directamente a alguns
dos principais bancos tutelados pela aristocracia financeira mundial, que se
interligaram a interesses que estão apostados na “deslocalização” a partir das
suas áreas tradicionais de “mercado”.
Os fenómenos
característicos do capitalismo neo liberal estimulado pela hegemonia do
império, que a partir dos “lobbies” do petróleo e dos minerais se fazem sentir
cada vez mais em todos os capítulos da vida “emergente” em Angola, estimularam
a formação de novas elites, fomentaram fenómenos próprios e implicaram-se na
definição e edificação da estratificação económica e social que vai modelando a
sociedade angolana, uma sociedade efectivamente desequilibrada, onde o fosso
das desigualdades entre um grupo poderoso e o resto da população é cada vez
mais evidente, ao ponto de se poder considerar que existe a tendência para um
autêntico “apartheid” social, palpável na geografia humana que vai marcando principalmente
a capital!
Os impactos são
subtis expedientes de ingerência, de conveniência e de manipulação por parte do
capital, que modelam os interesses locais do alvo, nas esferas financeiras,
económicas e sócio-políticas, condicionando por fim as instituições do estado
de “democracia representativa” e o próprio poder, pelo que a Angola
contemporânea, após o lançamento dos programas com os rótulos de Reconciliação
e Reconstrução Nacional numa via de Paz, nada tem a ver com a imagem de Angola
fruto da luta contra o colonialismo, o “apartheid” e suas sequelas, por que é,
de facto, uma Angola agenciada pelos métodos e fins da globalização neo liberal
e um seu produto agora colocado à prova também no “mercado internacional”.
A SONANGOL está no
âmago desse expediente que se sucedeu ao choque das guerras como a única “terapêutica”
a seguir:
Antes de 2002, a
SONANGOL limitou-se quase exclusivamente às operações no ramo, muito embora
tivesse dado início ainda na década de 80, à abertura de representações no
exterior (a de Londres).
A partir de 2002, a
SONANGOL abriu outras áreas de actuação aproveitando as oportunidades sobretudo
da “bancarização”, que vai ganhando consistência no núcleo duro duma holding
com proliferação de múltiplos tentáculos e interesses no espaço nacional e em
várias partes do mundo, desde os Estados Unidos à China, passando pela Europa,
em menor escala pelo Médio Oriente e finalmente, em diversas partes de África.
Essa holding, por
seu turno, tirando partido das “parcerias público privadas”, é o fio condutor
do grosso das acções externas da “diplomacia económica” angolana marcada pelo
compasso dos interesses novas elites agenciadas pela globalização neo liberal
(o que é visível no carácter até em muitos órgãos da informação pública) que
indicia servir de locomotiva para as políticas do estado atraídas ao “diktat” dos
interesses do império, nas suas iniciativas externas, reflectindo aliás o que
se passa dentro do país.
Tudo isso faz parte
“da paz que estamos com ela”, ou seja, nada tem a ver com luta contra o
subdesenvolvimento, nem a ver com equilíbrio e justiça social!
2 – A “bancarização”,
a “deslocalização” e a chegada de fluxos humanos importantes (especialmente os
aparentemente “deserdados” de Portugal), entre muitos outros fenómenos indexados
ao “mercado neo liberal”, provocaram impactos múltiplos incluindo de ordem
psicológica e cultural, que agora como nunca condicionam as filosofias do
estado angolano nas suas políticas internas e vão-se reflectindo também como
nunca nos relacionamentos internacionais.
Se de Portugal,
Angola recebe migrações de “know how” técnico relativamente relevantes, como
também muita dose de oportunismo, na corrente inversa e em Portugal a SONANGOL
enquanto holding está cada vez mais presente, por via de bancos, por via de
investimentos, numa nebulosa de parcerias que integram interesses públicos e
privados, condicionando também o carácter do estado português impotente,
acondicionado e vergado face à crise, conjugando outras “praças financeiras” e
estimulando outras projecções em cadeia.
Esses fenómenos
projectam-se fortemente na presença angolana nas duas Guinés (a de Bissau e a
de Conacry), por causa fundamentalmente da conjugação dos interesses sobre a
exploração de bauxite e começam também a manifestar-se por vias distintas
noutras regiões como o Mali e o Sudão, em ambos os casos por causa dos esforços
do “lobby” do petróleo, com o risco de contrariar a própria identidade nacional
frutificada no processo histórico da luta contra o colonialismo, o “apartheid”
e as suas sequelas.
Desse modo corre-se
o risco de Angola se vir a tornar cada vez mais num “gendarme” de interesses
conjugados no âmbito de alargadas políticas e estratégias neo liberais, uma
terceira bandeira de conveniência para implantar sob o rótulo da “emergência” no
panorama conturbado da Europa, de África e de outros lugares, precisamente no
momento em que a sul há indícios do redesenhar do mapa do continente em função
desses mesmos interesses, não sendo por acaso que um homem com o curriculum e a
trajectória de Chicoty assuma agora a direcção das Relações Exteriores,
transmitindo filosofias que rompem com o carácter implementado num passado
recente, quando ainda em vida estava Paulo Jorge.
3 – Em “MALI – O
PETRÓLEO E AS OUTRAS RIQUEZAS MINERAIS INCITAM AS DISPUTAS” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/mali-o-petroleo-e-as-outras-riquezas.html)
apontei alguns elementos que estão implícitos na leitura dos relacionamentos
internacionais “de novo tipo” que a diplomacia e o estado angolano estão a
levar a cabo na África do Oeste e, ainda em fase embrionária no Mali e no Sudão
concluindo que “sob o meu ponto de vista e em nome da cultura de paz que não se
cansa de apregoar, Angola deve rever imediatamente as suas políticas em
direcção à África do Oeste (Mali e Guinés), tal como em relação ao Sudão, pelo
mais simples dos motivos: depois da saga histórica que tem vivido, aqueles que
estiveram tão vinculados ao movimento de libertação em África, esperam que
nunca venha a acontecer que os feitiços desta globalização capitalista neo
liberal com sinal de hegemonia anglo-saxónica, que passam pelo redesenhar neo
colonial do mapa de África, não se venham a voltar contra este tão pouco
previdente, quão imprudente aprendiz de feiticeiro!”
Julgo pois que
Angola se deve voltar sobretudo sob si própria, rever-se e rever todos os
expedientes em curso e a sua oportunidade ou não, assim como voltar-se sobre a
região da SADC, sobre as suas potencialidades, levando a cabo ingentes tarefas
sobretudo em relação à prioridade que é o homem, dando mais consistência e
consolidando a muitas das suas iniciativas internas conseguidas ao longo de
décadas, antes de assumir qualquer projecção externa de vulto em especial em
direcção a regiões onde o “arco de crise”, em função da “primavera árabe” e de
outros fenómenos típicos do Médio Oriente, tende a crescer.
Que se dê efectiva
proficuidade à Paz e, quaisquer que sejam os maus resultados dos
relacionamentos (como no corrente caso da Guiné Bissau), Angola tem a
responsabilidade de zelar para nunca se abrir caminho, nem abrir caminho em
Organizações como a CPLP, Regionais, na Unidade Africana e na ONU, aos
interesses que se reflectem Nas manobras do AFRICOM e da NATO dentro do espaço
continental de África!
PAZ SIM, NATO NÃO!
CUBA PARA A CPLP!
Foto: desfile da
última marcha pela paz em Luanda, a 4 de Abril de 2012.
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