sexta-feira, 20 de abril de 2012

ANGOLA PRECISA REENCONTRAR-SE!




Martinho Júnior, Luanda

1 – A atracção de Angola às areias movediças do norte, do Sudão às Guinés, é um dos resultados das enormes transformações operadas de há dez anos a esta parte, em função dos caminhos que se privilegiaram com a ausência de tiros no país, sobretudo com a impulsão de poderosas alavancas conotadas às estratégias múltiplas elaboradas a partir do petróleo e tendo-o como vertebral referência.

Seria impossível esses caminhos sem a abertura escancarada de portas a investimentos a partir de várias “plataformas financeiras”, algumas delas ligadas directamente a alguns dos principais bancos tutelados pela aristocracia financeira mundial, que se interligaram a interesses que estão apostados na “deslocalização” a partir das suas áreas tradicionais de “mercado”.

Os fenómenos característicos do capitalismo neo liberal estimulado pela hegemonia do império, que a partir dos “lobbies” do petróleo e dos minerais se fazem sentir cada vez mais em todos os capítulos da vida “emergente” em Angola, estimularam a formação de novas elites, fomentaram fenómenos próprios e implicaram-se na definição e edificação da estratificação económica e social que vai modelando a sociedade angolana, uma sociedade efectivamente desequilibrada, onde o fosso das desigualdades entre um grupo poderoso e o resto da população é cada vez mais evidente, ao ponto de se poder considerar que existe a tendência para um autêntico “apartheid” social, palpável na geografia humana que vai marcando principalmente a capital!

Os impactos são subtis expedientes de ingerência, de conveniência e de manipulação por parte do capital, que modelam os interesses locais do alvo, nas esferas financeiras, económicas e sócio-políticas, condicionando por fim as instituições do estado de “democracia representativa” e o próprio poder, pelo que a Angola contemporânea, após o lançamento dos programas com os rótulos de Reconciliação e Reconstrução Nacional numa via de Paz, nada tem a ver com a imagem de Angola fruto da luta contra o colonialismo, o “apartheid” e suas sequelas, por que é, de facto, uma Angola agenciada pelos métodos e fins da globalização neo liberal e um seu produto agora colocado à prova também no “mercado internacional”.

A SONANGOL está no âmago desse expediente que se sucedeu ao choque das guerras como a única “terapêutica” a seguir:

Antes de 2002, a SONANGOL limitou-se quase exclusivamente às operações no ramo, muito embora tivesse dado início ainda na década de 80, à abertura de representações no exterior (a de Londres).

A partir de 2002, a SONANGOL abriu outras áreas de actuação aproveitando as oportunidades sobretudo da “bancarização”, que vai ganhando consistência no núcleo duro duma holding com proliferação de múltiplos tentáculos e interesses no espaço nacional e em várias partes do mundo, desde os Estados Unidos à China, passando pela Europa, em menor escala pelo Médio Oriente e finalmente, em diversas partes de África.

Essa holding, por seu turno, tirando partido das “parcerias público privadas”, é o fio condutor do grosso das acções externas da “diplomacia económica” angolana marcada pelo compasso dos interesses novas elites agenciadas pela globalização neo liberal (o que é visível no carácter até em muitos órgãos da informação pública) que indicia servir de locomotiva para as políticas do estado atraídas ao “diktat” dos interesses do império, nas suas iniciativas externas, reflectindo aliás o que se passa dentro do país.

Tudo isso faz parte “da paz que estamos com ela”, ou seja, nada tem a ver com luta contra o subdesenvolvimento, nem a ver com equilíbrio e justiça social!

2 – A “bancarização”, a “deslocalização” e a chegada de fluxos humanos importantes (especialmente os aparentemente “deserdados” de Portugal), entre muitos outros fenómenos indexados ao “mercado neo liberal”, provocaram impactos múltiplos incluindo de ordem psicológica e cultural, que agora como nunca condicionam as filosofias do estado angolano nas suas políticas internas e vão-se reflectindo também como nunca nos relacionamentos internacionais.

Se de Portugal, Angola recebe migrações de “know how” técnico relativamente relevantes, como também muita dose de oportunismo, na corrente inversa e em Portugal a SONANGOL enquanto holding está cada vez mais presente, por via de bancos, por via de investimentos, numa nebulosa de parcerias que integram interesses públicos e privados, condicionando também o carácter do estado português impotente, acondicionado e vergado face à crise, conjugando outras “praças financeiras” e estimulando outras projecções em cadeia.

Esses fenómenos projectam-se fortemente na presença angolana nas duas Guinés (a de Bissau e a de Conacry), por causa fundamentalmente da conjugação dos interesses sobre a exploração de bauxite e começam também a manifestar-se por vias distintas noutras regiões como o Mali e o Sudão, em ambos os casos por causa dos esforços do “lobby” do petróleo, com o risco de contrariar a própria identidade nacional frutificada no processo histórico da luta contra o colonialismo, o “apartheid” e as suas sequelas.

Desse modo corre-se o risco de Angola se vir a tornar cada vez mais num “gendarme” de interesses conjugados no âmbito de alargadas políticas e estratégias neo liberais, uma terceira bandeira de conveniência para implantar sob o rótulo da “emergência” no panorama conturbado da Europa, de África e de outros lugares, precisamente no momento em que a sul há indícios do redesenhar do mapa do continente em função desses mesmos interesses, não sendo por acaso que um homem com o curriculum e a trajectória de Chicoty assuma agora a direcção das Relações Exteriores, transmitindo filosofias que rompem com o carácter implementado num passado recente, quando ainda em vida estava Paulo Jorge.

3 – Em “MALI – O PETRÓLEO E AS OUTRAS RIQUEZAS MINERAIS INCITAM AS DISPUTAS” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/mali-o-petroleo-e-as-outras-riquezas.html) apontei alguns elementos que estão implícitos na leitura dos relacionamentos internacionais “de novo tipo” que a diplomacia e o estado angolano estão a levar a cabo na África do Oeste e, ainda em fase embrionária no Mali e no Sudão concluindo que “sob o meu ponto de vista e em nome da cultura de paz que não se cansa de apregoar, Angola deve rever imediatamente as suas políticas em direcção à África do Oeste (Mali e Guinés), tal como em relação ao Sudão, pelo mais simples dos motivos: depois da saga histórica que tem vivido, aqueles que estiveram tão vinculados ao movimento de libertação em África, esperam que nunca venha a acontecer que os feitiços desta globalização capitalista neo liberal com sinal de hegemonia anglo-saxónica, que passam pelo redesenhar neo colonial do mapa de África, não se venham a voltar contra este tão pouco previdente, quão imprudente aprendiz de feiticeiro!”

Julgo pois que Angola se deve voltar sobretudo sob si própria, rever-se e rever todos os expedientes em curso e a sua oportunidade ou não, assim como voltar-se sobre a região da SADC, sobre as suas potencialidades, levando a cabo ingentes tarefas sobretudo em relação à prioridade que é o homem, dando mais consistência e consolidando a muitas das suas iniciativas internas conseguidas ao longo de décadas, antes de assumir qualquer projecção externa de vulto em especial em direcção a regiões onde o “arco de crise”, em função da “primavera árabe” e de outros fenómenos típicos do Médio Oriente, tende a crescer.

Que se dê efectiva proficuidade à Paz e, quaisquer que sejam os maus resultados dos relacionamentos (como no corrente caso da Guiné Bissau), Angola tem a responsabilidade de zelar para nunca se abrir caminho, nem abrir caminho em Organizações como a CPLP, Regionais, na Unidade Africana e na ONU, aos interesses que se reflectem Nas manobras do AFRICOM e da NATO dentro do espaço continental de África!

PAZ SIM, NATO NÃO!

CUBA PARA A CPLP!

Foto: desfile da última marcha pela paz em Luanda, a 4 de Abril de 2012.

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