sábado, 14 de abril de 2012

“AQUELES QUE RESISTEM”…



Martinho Júnior, Luanda

1 – O projecto de inserção da Guiné Bissau (“Guiné Bissau – Wikipedia” – http://pt.wikipedia.org/wiki/Guin%C3%A9-Bissau) num quadro regional de viabilidade para os interesses da globalização, sob os “bons ofícios” de Angola, falhou ou poderá ter sido protelado “sine die”, podendo ficar como uma experiência histórica referencial dos relacionamentos da Guiné Bissau com outros estados, incluindo os “irmãos” do CPLP (“Angola promete arranque dos projectos dentro de dois meses -- PM Gomes Júnior – Página Global” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/12/projetos-angola-promete-arranque-dos.html).

Não é a primeira tentativa, todavia foi aquela que integrou talvez uma maior expressão de ingredientes, abarcando aspectos e factores de ordem política, económica, financeira (dizem 600 milhões de USD) e até institucional e a que terá levado mais tempo a preparar, se levarmos em conta os interesses que se desenharam para a perspectiva da exploração dos bauxites e do porto de escoamento no sul do país em Buba.

Se tudo isso foi aparentemente bem sucedido em relação ao governo de Carlos Gomes Júnior, o “segredo dos negócios” acompanhado da presença dos efectivos angolanos no quadro da “Missang”, influenciaram na apreciação negativa de muitos quadros das Forças Armadas da Guiné Bissau, estimulada pelas opções distintas dos vários candidatos da campanha eleitoral para a Presidência, particularmente daqueles que constituíam a oposição.

O 1º Ministro Carlos Gomes Júnior sem dúvida que não conseguiu fazer-se ouvir em relação a pelo menos uma parte dos militares, muito menos teve audição que levasse argumentos suficientes para os convencer: o conjunto das iniciativas surgiu para muitos, em especial os mais antigos, como um projecto típico da globalização neo liberal de exploração mineral, atraindo investimentos externos importantes, numa via neo colonial (“Segundo Henrique Rosa – A presença de tropas angolanas na Guiné-Bissau é o principal factor de instabilidade, não a reivindicação eleitoral” – http://guinebissaudocs.wordpress.com/2012/04/09/novas-da-guine-bissau-segundo-henrique-rosa-a-presenca-de-tropas-angolanas-na-guine-bissau-e-o-principal-factor-de-instabilidade-nao-a-reivindicacao-eleitoral).

2 – Em relação ao bauxite o empreendimento é ambicioso e envolve capitais de proveniência vária (“Geocapital e angolanos do BPA parceiros na banca da Guiné-Bissau” – http://www.angonoticias.com/Artigos/item/28533): de Angola (Sonangol e Banco Privado Atlântico), Macau (Geocapital, interligando os interesses com o BPA e ainda no Banco da África Ocidental da Guiné Bissau) e de Hong Kong com a China International Fund ligada, entre outros, à Sonangol e ao J. P. Morgan dos Estados Unidos (“Was Guinea Bought by Beijing?” – http://www.chinaafricarealstory.com/2010/03/earlier-this-week-chatham-house-british.html; “China International Fund's New Bellzone-Kalia Guinea Deal” – http://www.chinaafricarealstory.com/2010/06/china-international-funds-new-bellzone.html).

A exploração prevê a criação do porto de Buba (“Projecto do porto de Buba, na Guiné-Bissau, retomado com capital angolano” – http://www.portosdaguinebissau.com/porto_de_buba.html), de uma estrada ligando Buba à área de exploração do bauxite (junto à fronteira sudeste da Guiné Bissau) e de uma ferrovia com ligações à Guiné Conacry (onde se estão a estabelecer explorações de bauxite impulsionados por interesses angolanos e chineses da plataforma financeira de Hong Kong) e com ligações que se poderão estender ainda ao Mali.

A principal operadora interessada nesses projectos que fazem parte do pacote de medidas angolano, é a Bauxite Angola (“Projectos de Buba e Boé em relançamento” – http://www.lusomonitor.net/?p=138; “Bauxite Angola – Projectos” – http://www.bauxiteangola.co.ao/projectos.php).

A Missão de Angola na Guiné Bissau (“MISSANG), é a outra componente do pacote que prevê a reorganização e reforma em novos moldes aferidos à democracia representativa das Forças Armadas e da Polícia Nacional da Guiné Bissau; as acções previam ainda sob o ponto de vista humano a formação e sob o ponto de vista estrutural a recuperação ou construção de quartéis e de esquadras policiais (“Angola na reforma das FA da Guiné-Bissau” – http://www.lusomonitor.net/?p=121).

3 – Os mentores do pacote de medidas (que integraram o PAIGB e a sua direcção na pessoa de Carlos Gomes), não realizaram previamente um suficiente inventário-avaliação dos factores humanos de risco e de resistência que dominam de certo modo a psicologia de sectores importantes da “inteligência nacional” na Guiné Bissau, aquela que se concentrou e é dominante nas esferas da saúde, do sistema jurídico e do militar, que têm os balantas como referência sócio-cultural de base.

Os balantas (o Wikipedia traduz como “aqueles que resistem”), segundo alguns estudiosos, são provenientes de migrações de comunidades com origem no vale do Nilo (Etiópia, Sudão e Egipto), que mantêm condutas e comportamentos gregários próprios, cultivados nas condições difíceis dessa migração e nas condições da sua fixação na costa ocidental africana face a outros grupos étnicos autóctones com comunidades muito mais numerosas e poderosas (“Balantas – Wikipedia” – http://pt.wikipedia.org/wiki/Balantas).

Os balantas souberam tirar partido de forma muito inteligente das contradições coloniais na região: foi precisamente na colónia portuguesa da Guiné Bissau, (o poder colonial ocidental comparativamente mais fraco em relação à presença da França no Senegal e da Coroa Britânica na Gâmbia), que “aqueles que resistem” se assumiram com uma energia determinante, que redundou no século XX na “alavanca” humana principal que serviu para potenciar a luta de libertação nacional e que levou à proclamação da independência da Guiné Bissau em Madina do Boé (a zona onde existe o bauxite), antes do derrube do poder fascista e colonial português! (“A balantização ou o fomentar (in) consciente do tribalismo na Guiné-Bissau – DIDINHO” – http://www.didinho.org/balantizacao.html).

Estando disseminados pelo Senegal, pela Gâmbia e pela Guiné Bissau, nos dois primeiros constituem minorias insignificantes, mas na Guiné Bissau, havendo dúvidas de eles serem maioria, souberam encontrar fórmulas de domínio na vida nacional, ainda que por vezes seguindo vias em paralelo, ou contraditórias, no que diz respeito aos mecanismos frágeis do poder político e militar (nunca houve por exemplo uma completa sintonia e sincronização de programas entre o poder de estado e o poder militar).

Nos balantas a sabedoria dos anciãos e dos sábios é respeitada e isso pode explicar muitas das dificuldades que se têm vindo a encontrar para se encontrar consensos.

Os militares da Guiné Bissau têm sido refractários à adequação das Forças Armadas ao modelo criado à imagem e semelhança das democracias ocidentais e os sucessivos golpes, bem como uma sempre latente instabilidade, reflectem a desadaptação, fruto aliás de sua capacidade de resistência, que havia sido tão bem aproveitada por Amílcar Cabral e pelo PAIGC durante a luta de libertação nacional.

Kumba Yalá (“Wikipedia” – http://en.wikipedia.org/wiki/Kumba_Ial%C3%A1), ele próprio um balanta que já foi católico e agora é muçulmano (o novo nome é Mohamed Yalá), é um expoente inteligente dessas vias por vezes paralelas, por vezes contraditórias, que lhe confere um carácter distinto: sendo apontado por vezes como um homem desagregador dos mecanismos e instituições do poder, é por outros evocado como um símbolo de resistência sócio-cultural e política, face às pressões correntes delineadas no quadro da globalização que foi ultimamente consubstanciada na aliança dos interesses aliados de angolanos e chineses (via Macau e Hong Kong), em torno principalmente da figura política de Carlos Gomes e do actual quadro do PAIGB.

Mohamed Yalá e os seus pares da presente eleição presidencial, estão aparentemente mais próximos de interesses ocidentais ligados à “Françafrique”, por aquilo que foi aprendendo durante sua ausência em Dakar, onde ocorreram eleições que alteraram o enquadramento sócio-político do poder no Senegal, em reforço das pretensões e manipulações geo estratégicas francesas sob o signo Sarkozy…

4 – As eleições antecipadas após o desaparecimento de Malan Bacai Sanha (que era do PAIGB), tiveram o condão de potenciar as tensões e contradições até ao clímax do presente golpe, desde a altura da formulação dos timings e dos programas da própria campanha!

A previsão desse tipo de riscos aparentemente não foi feita (“Estado maior General das Forças Armadas nunca pediu o abandono da MISSANG na Guiné-Bissau” – http://www.didinho.org/ - http://www.anguinebissau.com/index.php?paginas=21&id_cod=129; “Em comunicado de imprensa Estado Maior-General das Forças Armadas justifica ordem de expulsão da MISSANG na Guiné-Bissau” – http://guinebissaudocs.wordpress.com/2012/04/10/novas-da-guine-bissau-em-comunicado-de-imprensa-estado-maior-general-das-forcas-armadas-justifica-ordem-de-expulsao-da-missang-na-guine-bissau/).

Os bauxites e a Missang, se não têm mais futuro (“Angola anuncia oficialmente retirada de missão militar” – http://www.africamonitor.net/?p=232), têm pelo menos um futuro incerto ou adiado, em especial se Angola com suas capacidades financeiras e seus suportes norte americanos e chineses, bem como o quadro do PAIGB, continuarem a persistir nos erros de inventário e avaliação que até ao momento foram cometidos, por imperativos de ordem subjectiva, intimamente associados a um estado psico-emocional contraproducente que se tornou comprometedor por que terá sido excluído (quantas vezes de forma não consensual) e não terá integrado sectores importantes da vida sócio-política e militares da Guiné Bissau, interligados a factores externos que deveriam ter sido apreciados sem “ânimo leve”!...

No meio disso tudo, “aqueles que resistem” continuam a ter sempre a palavra em todas as opções que forem tomadas na Guiné Bissau, sobretudo aquelas que implicam mecanismos de poder político e militar, inclusive enquanto formas de resistência aos impactos da globalização apesar das pressões, mesmo que aparentemente não estejam em sintonia, ou com programas sincronizados nos relacionamentos entre poder político e militar.

Isso é de se levar em conta em todas as situações, mesmo em países já relativamente estabilizados.

Os relacionamentos de Angola para com a África do Oeste e Sudão devem ser por isso e no mínimo reavaliados: ali onde se decidir permanecer, devem ser alvo de constante acompanhamento e estudo, tendo em conta as tensões que muitas iniciativas gerem, em especial quando esses relacionamentos surgem a coberto de capitais provenientes de “plataformas financeiras” que são um autêntico cruzamento de interesses capitalistas, neo liberais e a coberto dos interesses do império.

Angola nos seus relacionamentos não tem de estimular as suas políticas externas de estado a coberto desses interesses, nem surgir associada a eles, uma vez que eles são por outro lado uma fonte de promoção elitista, onde quer que eles sejam aplicados, fonte de desigualdades e de injustiças sociais de toda a ordem.

Há por outro lado tanto para se fazer em Angola, particularmente em relação aos problemas crónicos de subdesenvolvimento que se têm de enfrentar, que me parece um desperdício aplicarem-se 600 milhões de dólares onde os riscos sendo por demais evidentes, acabam por contribuir para promover sobretudo elites locais que afinal comprovem nem sequer estar suficientemente adequadas ao ambiente político-social do país.

Quanto esses 600 milhões não seriam bem-vindos em qualquer uma das províncias de Angola, onde os projectos sociais, por exemplo, tanto escasseiam, face ao oceano de necessidades?

Ver ainda:
- “Os olhos tristes de Bissau” – http://www.lusomonitor.net/?p=117;

Gravura: Foto do “placard” das obras numa instituição do estado entregues à construtora Paga-Paga afecta a uma personalidade do governo do ex 1º Ministro Carlos Gomes e financiadas pela Missang... sem que houvesse concurso público!...

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