André Macedo – Dinheiro Vivo, editorial
Como não vender o País lá fora... Passos Coelho desta vez não deu uma entrevista - escreveu um artigo no Financial Times. Podia ter sido um artigo à primeiro-ministro, saiu uma prosa à ministro das Finanças.
Passos disse a verdade: que o País está como está por culpa própria (culpa: uma palavra também muito em voga em Portugal). Mas não disse toda a verdade. Para encontrar esse pedaço essencial da realidade que ajuda a explicar a fragilidade em que nos encontramos era preciso ler o cronista que escrevia na mesma página de Passos Coelho. Esse cronista não é português - é inglês. Não se chama Martim Lobo - responde pelo nome de Martin Wolf e é uma espécie de oráculo do FT ; ou seja, é um velho liberal de cabeça arejada.
Ora bem, ao contrário do primeiro-ministro, este inglês encontra outras razões para explicar a crise e recusa aceitar que tudo isto se deva apenas à loucura despesista de países como Portugal. Não é verdade, isso é apenas metade da história: o euro potenciou os desequilíbrios e isso tem de ser corrigido. Passos, sem subtrair nada ao que tem dito, poderia somar esse ponto ao seu discurso. É justo e pode ajudar o País.
Ponto final: Passos não pode culpar só o País pela crise e omitir os problemas estruturais do euro.
... como não o vender cá dentro...
Há políticas que estão a ser executadas que fazem sentido e podem ajudar a criar as condições para a economia se tornar mais competitiva. É o caso das mudanças na lei do trabalho - vão provocar mais instabilidade, mas também mais abertura e competitividade, os ingredientes certos para uma economia desenvolvida e mais aberta. Este é o lado reformador da agenda de Passos Coelho. Compreende-se também que há um caminho a fazer - sem dinheiro não há políticas públicas de resultados instantâneos. Vai ser preciso tempo e alguma capacidade de sofrimento. No entanto, há limites. Ninguém consegue viver com o chão a tremer e a ceder em permanência. O último ano tem sido sempre assim. Nada é garantido: nem salários, nem impostos, nem reformas. Nada. Assim não se vive - sobrevive-se. E por causa disso volta a criar-se um caldo de cultura medíocre e miserabilista que estava a desaparecer. O excesso de austeridade traz mais mediocridade, mais dependência do Estado. Não traz prosperidade. A mediocridade não se exporta, cria raízes difíceis de arrancar num país com tendência para o servilismo.
Ponto final: A mediocridade instala-se por causa do medo. E assim a dependência do Estado aumenta.
... e como evitar o que é evitável
O ministro Pedro Mota Soares meteu ontem a marcha atrás: afinal, não pensa mexer no financiamento da Segurança Social. O plafonamento - autorizar descontos para fundos privados - é só um assunto a discutir, estudar, pensar, refletir, meditar, ponderar, analisar, espreitar. O ministro parecia ontem um dicionário de sinónimos. Todo ele era democracia e debate e compreensão e respeito. Mota Soares teve uma semana negra. Imperdoável a forma como introduziu (para quê?!) a dúvida nas pessoas sem pensar nas consequências. As reformas que Passos Coelho está a fazer são postas em causa precisamente por causa destes arroubos inconsequentes. A classe média está a centímetros do limite. Esta quinta-feira a revista Visão oferecia autocolantes com slogans revolucionários. Foi um êxito. Não é brincadeira: o primeiro-ministro não pode deixar que as suas políticas fiquem totalmente isoladas e que os ministros lancem para o ar balões de ensaio sem sentido. Há tanto para fazer, para quê inventar e complicar? A classe média responderá a estas provocações, nem que tenha de dar o braço à esquerda mais conservadora e sindical.
Ponto final: A indignação cresce, a incompreensão aumenta no País.
O que interessa na privatização
Já é para aí a segunda vez que a easyJet inaugura o terminal 2 no aeroporto da Portela e leva alguns ministros na bagagem. Quinta-feira foi a vez de Álvaro Santos Pereira. Inaugurada a base da companhia low cost - que deixou bem claro que não aceitará sair da Portela para um aeroporto menor - e depois do habitual gargarejo com números fabulosos (diz a companhia aérea que a operação vai ter um impacto de 594 milhões de euros na economia portuguesa!), tivemos direito às declarações do costume. Compreende-se a necessidade de Santos Pereira dar sinais de vida - dias antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros inaugurou um investimento de 12 milhões nesse território longínquo que é Setúbal. O problema do ministro da Economia não é a falta de assunto, é desconhecer-se o que pensa sobre eles. A privatização da TAP é difícil por duas razões. Primeiro, é a venda da companhia inteira, não de uma fatia do capital, como na EDP e REN. Depois, porque, com esta dimensão, TAP só haverá uma em Portugal, logo o comprador será sempre vital para o desenvolvimento económico do País.
Ponto final: A privatização é bem-vinda, mas o Governo tem de fazer tudo para defender os interesses estratégico do País. Portugal precisa da TAP para se ligar ao mundo.
Aqui há rato que sabe o que faz
Nos próximos anos as vendas de dívida pública portuguesa vão estar nas mãos de João Moreira Rato, até agora diretor do Morgan Stanley (está fora de Portugal há 17 anos). Por causa disto, podem surgir agora mil e uma teorias conspirativas e até procurar enfraquecer o currículo de Moreira Rato, argumentando que trabalhou no ninho das víboras - a banca de investimento que ajudou a criar as diversas bolhas especulativas que andam a rebentar pelo mundo inteiro. Ache-se ou não que a banca de investimento é a origem do mal, os factos aqui são muito claros. Apesar de só ter 41 anos, Rato tem um longo percurso nesta área, conhece os mercados de renda fixa, de ações e os mercados de dívida em geral. Ou seja, está como peixe na água, tem a agressividade cultivada no sector privado e sabe que o único incentivo que tem ao ter aceite o convite para liderar o IGCP não é o financeiro, mas o de ganhar currículo - vai movimentar os interesses de um Estado. Para Portugal é bom saber que, para lidar com tubarões, Vítor Gaspar tenha ido buscar outro tubarão. Procurou competência e conseguiu mais do que o dinheiro (o salário) podia comprar.
Ponto final: O IGCP fica bem servido com João Moreira Rato.
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