Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
O Decreto-Lei n.oº 85--A/2012, de 5 de abril - que suspende as reformas antecipadas - foi aprovado pelo Governo e promulgado pelo Presidente da República, secretamente. Este procedimento suscita dúvidas quanto à sua conformidade com a Constituição da República que tanto o Governo como o Presidente estão estritamente obrigados "a defender, cumprir e fazer cumprir", como prescreve a fórmula solene do juramento do Presidente no ato de tomada de posse perante a Assembleia da República. Será que o Presidente entende que os deveres de informação do Governo foram criados para seu exclusivo benefício? Mas vamos, por agora, afastar a questão da validade constitucional deste procedimento inédito e extraordinário para considerarmos apenas o aspeto político das boas práticas de uma governação democrática, aberta, transparente e merecedora da confiança dos cidadãos.
A antecipação da reforma não é um favor ou privilégio. Uma vez verificadas as condições previstas na lei, é um direito daqueles cidadãos que, devido a graves problemas de saúde, às condições particularmente penosas ou desgastantes das funções que desempenham ou porque não conseguiram arranjar novo emprego ao fim de um período considerável, se acham qualificados para recorrer ao regime de antecipação da idade de acesso a uma pensão de velhice que, por isso mesmo, sofre uma redução do seu valor. Da multiplicidade de motivos que até agora podiam justificar a antecipação da reforma apenas ficou ressalvado o desemprego de longa duração. A proposta de Decreto-Lei foi aprovada em segredo pelo Conselho de Ministros, a 29 de março, e com essa ocultação intencional foi solidário o próprio Presidente da República que, em segredo, a recebeu e prontamente promulgou no dia 5 de abril. Muito se estranha que o mesmo Presidente da República que ainda recentemente se indignava com a "falta de lealdade institucional" de um primeiro-ministro, por não ter sido informado do teor do "Pacto de Estabilidade e Crescimento" antes da sua apresentação no Parlamento, há precisamente um ano, se tenha agora entendido com o Governo para esconder dos portugueses a preparação de uma medida tão gravosa, sem consulta, sem debate nem sombra de concertação social.
Sabemos bem que é muito grande o desgaste político provocado pelo debate público de medidas impopulares e é compreensível que o Governo se queira poupar a essa dura provação. Naturalmente, a dimensão do desgaste será tanto menor quanto mais persuasivo for o Governo na explicação dos seus motivos. Contudo, não é admissível, numa democracia, governar no pressuposto de que os cidadãos, em geral, são criminosos e oportunistas que só esperam a primeira ocasião para violar as leis e obter benefícios indevidos. O que é chocante é que o Governo, ao mesmo tempo que reclama a solidariedade dos portugueses para enfrentar a grave crise financeira, se entregue a manobras conspiratórias para iludir expectativas legítimas e surpreender os cidadãos com factos consumados que destroem a relação de confiança cívica que deve prevalecer, numa República, entre governantes e governados.
O que justifica este comportamento inédito? Como se demonstra a sua necessidade? Onde está a ponderação dos cálculos dos hipotéticos prejuízos que se pretendeu acautelar à custa do sacrifício dos valores inestimáveis da segurança e da proteção das expectativas legítimas dos contribuintes? Será que o Governo tem medo de uma oposição minoritária, insuficiente para impedir, na Assembleia da República, a adoção destas medidas? Ou, pelo contrário, será que a intenção do Governo é, exatamente, assustar os portugueses, promover a incerteza, o conformismo e a resignação, para impor as suas políticas como o castigo fatal e irremissível de um nefando pecado coletivo, acima das vicissitudes do pluralismo, da transparência e das regras da política democrática? Não sabemos, porque nada disto é explicado no preâmbulo do Decreto-Lei nem no comunicado apócrifo assinado pelo ministro da Solidariedade...
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