Rui Peralta
Guiné-Bissau: notas sobre a geoestratégia do narcotráfico (4)
O narcotráfico na África Ocidental
Senegal, Libéria e Costa do Marfim, foram os pontos iniciais, as pontes, de introdução do tráfico de cocaína e derivados, num comércio triangular que envolve a América do Sul, Africa Ocidental e Europa. A Guiné Bissau é um parceiro recente, mas importante, nestas rotas do narcotráfico. Aliás países como Cabo Verde e a Gambia foram os grandes responsáveis pela introdução da Guiné-Bissau nesta rota, durante a década de 90.
Os países do oeste africano tornaram-se rotas cada vez mais importantes para os cartéis que controlam o tráfico de drogas na América do Sul, pois este é um caminho curto e pouco dispendioso para transportar o produto para a Europa. Os lucros dos cartéis, na utilização desta rota, rondam os 700 milhões de euros / ano.
O crescimento deste comércio estendeu-se por toda a Africa Ocidental. Tendo como base inicial a actividade bancária e o investimento estrangeiro (através das célebres parcerias publico / privadas e investimentos na hotelaria, casinos e turismo), que foram portos seguros para a lavagem de dinheiro dos cartéis. Dai ao estabelecimento de redes de agenciamento foi um passo breve.
A importância deste comércio não foi relevante apenas para as elites locais. Ele revelou-se também importante para a sustentabilidade financeira dos interesses franceses na região, que viram nele uma forma eficaz de financiar as suas operações, sem utilizar verbas públicas e contornarem, assim, um controlo orçamental cada vez mais apertado que se fazia sentir devido á crise que atravessa a zona euro.
Temos então um imenso polvo que envolve os cartéis sul-americanos, as elites tradicionais da região da Africa Ocidental, as suas elites políticas e a política externa francesa, que considera esta região como sendo o seu quintal histórico. Das actividades estrictamente financeiras na Gambia, Cabo Verde e Senegal, passou-se rapidamente á estratégia de desestabilização da região, acelerada pelos efeitos da crise global e pela longa crise estrutural das economias da área. Libéria e Serra Leoa tornaram-se bases territoriais do processamento das drogas, sendo a Costa do Marfim o receptor das actividades deste processamento, sob condução dos serviços da inteligência francesa. Mesmo no Senegal, a região de Casamance, torna-se desde a década de 80 um ponto nevrálgico deste tráfico. Guiné-Conacry e Guiné-Bissau foram os próximos passos desta operação.
Algumas notas sobre o narcotráfico
O narcotráfico é uma indústria mundial que consiste no cultivo, elaboração, distribuição e venda de drogas ilegais. É um mercado subterrâneo, clandestino, informal, que opera de forma similar aos outros mercados subterrâneos (armamento, redes de prostituição, etc.)
Na cadeia especializada do narcotráfico dominam os cartéis, focalizados na especialidade do sector da cadeia que controlam. Variam em tamanho, consistência e organização, dependendo da rentabilidade de cada parte do processo. Esta é uma cadeia vasta que vai dos meros vendedores de rua, na sua maioria consumidores, aos chefes dos cartéis de produção e distribuição, associados aos intermediários financeiros. Os lucros provenientes desta actividade são de tal dimensão que criam-se autênticos impérios multinacionais que rivalizam com governos nacionais, subordinando-os em alguns casos.
Grande parte das substâncias estupefacientes produzidas são cultivadas na América do Sul (Colômbia, Bolívia e Peru, na produção de cannabis e cocaína), Ásia (India, China, toda a região da Indochina, Birmânia, Tailândia e Afeganistão, na produção de ópio e elaboração de heroína), Norte de Africa, Próximo e Medio Oriente (Marrocos e Argélia na produção de haxixe e os países do Próximo e Medio Oriente na produção de ópio e haxixe) sendo os pontos de maior consumo os Estados Unidos e a Europa.
Durante o ano de 2003, segundo o United Nations World Drug Report de 2005, o valor do mercado global de drogas ilícitas foi estimado em 13 mil milhões de USD, ao nível da produção, 94 mil milhões de USD, ao nível de valores de lucro na cadeia de distribuição e 322 mil milhões ao nível dos preços de venda aos consumidores. Não é pois de admirar que em alguns países o tráfico ilícito de drogas tenha sido motivo de formação e fortalecimento de grupos armados e fenómenos de gangsterismo, corrupção estatal, emigração forçada de populações e deterioração das zonas rurais e florestais.
Exemplos não faltam, na actualidade e na História. A primeira Guerra do Ópio foi um esforço para obrigar a China a permitir que os comerciantes ingleses vendessem ópio entre a população chinesa, proibida de o consumir por decreto imperial, embora o seu consumo fosse comum no seculo XIX, pois acreditava-se nas actividades terapêuticas deste produto. Os chineses levaram o opio para o México, onde descobriram que aí existiam condições para o cultivo rentável desta planta. Iniciou-se desta forma o comércio internacional de drogas.
E a Guiné-Bissau
Como vimos a Guiné-Bissau não é, conforme muitos interesses pretendem fazer crer, o ponto crítico do narcotráfico na Africa Ocidental. Não é mais do que um dos muitos pontos de expansão dos cartéis nesta região. E atenção que quando afirmo isto, estou essencialmente a dizer que os cartéis são apenas um dos vectores de penetração de interesses muito mais vastos, que necessitam da desestabilização politica e económica para melhor imporem as suas condições e que utilizam as mesmas redes de intermediação financeira dos cartéis.
O que se passa na Guiné-Bissau já se passou na Libéria, na Serra Leoa, na Costa do Marfim, passa-se no Mali, no Sudão é um imenso dejá vu de uma vasta tragédia em vários actos, encenada pelos interesses neocoloniais que utilizam todos os meios para continuarem a sua influência em Africa. O narcotráfico é apenas um instrumento visível, uma ponta de um icebergue, que tem como funções criar diversão afastando as atenções do fundamental e por outro lado arranjar os fundos necessários às operações de desestabilização.
Este é um ponto em que os dois candidatos às presidenciais francesas não discordam. Sarkozy e Hollande identificam-se em pleno na francoáfrica. Sejam quais forem as divergências entre os dois principais agentes políticos da burguesia nacional francesa, os interesses da sagrada aliança francesa em Africa são inalteráveis. E como são doceis os seus agentes africanos no terreno, sempre aptos a colocarem-se em bicos de pés para melhor servirem os seus suseranos, conforme se pode verificar na recente decisão da CEDAO, ignorando o papel da UA e da CPLP e espezinhando os interesses do povo guineense.
Antes de concluir queria apenas realçar o papel da Republica de Angola. Os laços históricos entre o povo angolano e o povo da Guiné-Bissau, reforçados pela longa luta de libertação nacional encetadas pelo PAIGC e pelo MPLA, estão patentes nos esforços encetados pelo governo da Republica de Angola no sentido do reforço institucional na Guiné-Bissau, condição necessária á reconstrução nacional deste país. A MISSANG é um esforço real, realista e fundamental no processo de estabilização da Guiné-Bissau e um exemplo daquilo que de facto representa o respeito pela soberania e da amizade entre os povos. Fazer de um acto solidário entre dois povos soberanos uma malfeitoria de Angola e dos interesses angolanos é próprio dos filisteus que pululam por este continente mártir, falando de África a partir dos escritórios dos seus patrões europeus e norte-americanos, ou bem sentados nos seus cadeirões de pele, ao fresco do ar condicionado, usufruindo os frutos das independências, retirados ao esforço dos trabalhadores africanos que sempre incorporaram a frente da luta de libertação nacional e da reconstrução das nações africanas.
Angola e Guiné-Bissau são um exemplo de solidariedade, cimentada pelos laços da luta e da persistência. Amizade reforçada pelo combate comum e pelo papel histórico de dois dos grandes líderes africanos: Amílcar Cabral e Agostinho Neto.
Portanto, meus caros filisteus: deixem-se de merdas. Não só porque cheira mal, mas porque também vos obriga a viver na sombra e na mentira. É que na Historia o vosso lugar é o caixote do lixo e talvez fosse salutar virem sentir para que lado sopra o vento da História…talvez isso clarificasse as vossas mentes e talvez com isso pudessem participar nesta grande batalha dos povos africanos pelo desenvolvimento. Talvez.
Fontes
Banco Mundial; Guinea-Bissau General Report (2010). World Bank - African Reports.
United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute (UNICRI); Guinea Golf; Annual Bolletin, 2005
UNODC, West Africa Report, 2009
UN; World Drug Report; 2005
1 comentário:
Para quem fala tanto de "interesses" franceses, você doura muito bem a pílula para falar de Angola.
Cabral e Agostinho Neto? Onde é que eles já vão...Acha portanto que Angola está na GB por altruísmo e solidariedade?
Brilhante, sem dúvida. Brilhante!
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