quarta-feira, 11 de abril de 2012

O FUTURO DE TIMOR-LESTE SEM GUSMÃO



Tim Anderson

Parece provável que o Primeiro Ministro de Timor-Leste Xanana Gusmão perca a governação para a Fretilin, em Junho próximo.O legado deixado por Gusmão é a prova provada de que um grande líder da resistência não é, necessariamente, um grande construtor de uma nação, escreve Tim Anderson.

Pairam no ar sinais de que Timor-Leste não só terá um novo Presidente como também um novo Governo, que não incluirá o actual Primeiro-Ministro Xanana Gusmão.

As atenções do eleitorado estão agora concentradas na segunda volta das eleições presidenciais, que terão lugar a 16 de Abril. Não serão estas, porém, mas as eleições parlamentares de Junho próximo que vão ditar a formação de um novo Governo. O Governo resultante dessas eleições terá de enfrentar um sem número de desafios como também, e muito especialmente, aqueles deixados pelos cinco anos de governação de Gusmão.

Para a segunda volta das eleições presidenciais, desde já e à partida, apresenta-se como favorito o candidato da Fretilin, Francisco Lú-Olo Guterres (28.8% na primeira volta). Grande parte da ASDT e o ex-Ministro da Fretilin Rogério Lobato (que ficou em 5º lugar com 3.5%) dão o seu apoio a Lú-Olo. As três mulheres candidatas bem como Lurdes Bessa, Vice-Presidente do PD, também apoiam Lú-Olo.

Por outro lado, importantes aliados de Gusmão, que apoia o ex –general das forças armadas Taur Matan Ruak (25,7% na primeira volta), mantêm o atual Primeiro Ministro à maior distância possível. Os candidatos que ficaram em terceiro e quarto lugares, respectivamente, o Presidente Ramos Horta e o líder do Partido Democrático (e Presidente do Parlamento), Fernando “Lasama” de Araújo, e o presidente do Partido Social-Democrata (e Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Gusmão) Zacarias Albano da Costa, apelaram aos seus apoiantes por um voto de consciência. Contas feitas, nada disto se revela auspicioso para Taur Matan Ruak ou para Gusmão.

Os comentários de Ramos Horta contra a campanha eleitoral de Taur (a propósito do uso de uniformes militares e de intimidação), indiciam um favorecimento de Lú-Olo. Há mesmo até quem avance com a ideia de que Horta pretende impedir um segundo mandato de Gusmão.

Independentemente de quem saia vencedor da corrida à Presidência, o mais provável será a formação de uma coligação parlamentar liderada pela Fretilin. A Fretilin foi sempre o maior partido político em Timor. O seu afastamento do Governo em 2007, deveu-se ao facto de Gusmão ter conseguido unir outros grupos contra a Fretilin. Mas, desde então, a disciplina da Fretilin tem-se fortalecido e a coligação anti-Fretilin entrou em colapso, depois de amargas recriminações no Governo dominado por Gusmão. Um sem número de ex- aliados de Gusmão estão, agora, prontos para trabalhar com a Fretilin.

A anunciada colaboração entre o Presidente Ramos Horta e o Presidente do Partido Democrático (PD)Fernando “Lasama”de Araújo (terceiro e quarto na primeira volta das presidenciais) não representa um bloco partidário maior do que a Fretilin, apesar de os seus votos em conjunto atingirem os 36%.

O facto de ambos serem bastante conhecidos e gozarem de apoio pessoal, não terá consequências directas nos votos nas eleições parlamentares para o PD. Os apoiantes de Horta provêm de um largo espectro social e o voto em Lasama, para as eleições presidenciais de 2007, foi consideravelmente maior do que o voto, no PD, naquele ano. Por outro lado, é provável que o voto nas eleições parlamentares na Fretilin, seja superior ao voto em Lú-Olo, tal como foi em 2007. Ainda assim, o apoio de Horta ao PD pode significar que alguns de entre eles sejam possíveis candidatos a participar numa coligação liderada pela Fretilin.

Potenciais líderes do novo governo são os ex-Primeiros Ministros Mari Alkatiri e Estanislau da Silva e o ex-Vice Primeiro-Ministro e Ministro da Saúde Dr. Rui Araújo, que trabalha com a Fretilin há já algum tempo mas só recentemente se juntou ao partido.

Parece estar iminente uma mudança no Governo. Mas qual é, afinal, o legado de Gusmão e quais são os principais desafios para o novo Governo?

Muito tem mudado desde a independência. Os orçamentos anuais aumentaram 10 vezes mais com as receitas do petróleo e do gás natural. Muitos dos fundamentos básicos da administração do estado estão firmemente institucionalizados. No entanto, assiste-se ao mesmo tempo ao esbanjamento de muitos dos novos rendimentos, à escalada da corrupção e do desperdício e ao fracasso no investimento dos sectores chave da educação, saúde e agricultura.

O legado de Gusmão inclui uma série de medidas económicas liberais, uma cultura de corrupção e um fraco desenvolvimento das capacidades na sociedade. A distribuição de grandes “pacotes” de contratos privados, combinando o desenvolvimento de infraestruturas com “estimulo económico”, alimentou o surgimento de uma cultura de elite. Esta abordagem “big money”, aprovada por economistas liberais como o ex-colaborador do Banco Mundial, Jeffrey Sachs, pouco contribuiu para desenvolver capacidades institucionais ou humanas. Em muitos casos, as infraestruturas têm graves deficiências. Qualquer novo Governo terá, pois, de enfrentar a reação desses grupos de elite se e quando a torneira fechar.

O Governo de coligação de Gusmão revelou pouca coerência política, em parte devido aos conflitos internos, o que comprometeu o desenvolvimento de importantes programas. O programa nacional de literacia iniciado pelo Governo da Fretilin foi negligenciado. O importante programa para a saúde com o apoio de Cuba foi mantido mas pouco foi o investimento feito na nova Faculdade de Medicina. Centenas de estudantes regressaram de Cuba, entre 2011 e 2012, para se depararem com um muito limitado desenvolvimento geral do sistema nacional de saúde. O investimento nas escolas e na universidade nacional foi igualmente limitado.

A crise política de 2006 prejudicou os programas e a capacidade agrícolas e em resultado disso a produção agrícola local foi insuficiente para fazer face à crise alimentar global de 2008. Programas de importação de alimentos foram necessários, mas também estes foram alvo de negócios corruptos. Os apoios à pequena produção agrícola, que emprega cerca de 70% da população e que é a base de uma futura produção alimentar sustentável, nunca foram suficientes. Sob a liderança de Gusmão os apoios caíram de 5% para menos de 3% no orçamento de Estado.

De par com esta situação surgiram múltiplas tentativas para arrendar terras a empresas estrangeiras do sector agroindustrial e do biogás. Muitos destes projetos nunca se concretizaram. O Parlamento alterou a lei do Fundo do Petróleo, retirando muitas das medidas de controlo prudentes do principal recurso financeiro do país. Em consequência, até metade desse Fundo pode agora ser transferido“offshore” (mesmo antes das eleições parlamentares) para as mãos menos responsáveis de gestores de investimento externo. Enquanto o orçamento de estado se tornou mais dependente das receitas do petróleo, a eliminação de diferentes classes de impostos limitou as opções do Governo na obtenção de rendimentos alternativos. A base tributária é muito limitada.

Feitas as contas, no conjunto, este não é o mais atractivo panorama de desenvolvimento para um país que beneficiou de estabilidade, de crescimento económico e de substanciais rendimentos estatais.

Uma das principais lições do Governo de Gusmão será a de que um grande líder da resistência não é, necessariamente, um grande construtor de uma nação.

Partindo do princípio de que o novo Governo não será liderado por Gusmão, o primeiro passo será desenvolver e programar uma nova estratégia de desenvolvimento.

Uma prioridade chave deverá ser a educação, a formação e, de um modo geral, o desenvolvimento das capacidades das pessoas. O Plano Estratégico de Desenvolvimento de Gusmão teve, de facto, objectivos ambiciosos para a educação escolar mas faltaram os meios para consegui-los. A alocação das verbas para a educação, no orçamento de Estado, caiu de 15%, em 2005, para 10.2% em 2010. Catorze países em desenvolvimento gastam mais de 25% do orçamento geral de Estado na educação, e praticamente nenhum deles tem um crescimento populacional comparável ao de Timor-Leste.

O investimento na Saúde Pública também decaiu de 12%, em 2005, para menos de 6% em 2010. Ou seja, uma acentuada queda no investimento público na saúde, enquanto se assiste à mais rápida expansão do corpo médico no mundo, graças ao programa de formação de Cuba.

Lao Hamutuk, a organização de monitorização do desenvolvimento de Timor-Leste observa que o empenho na educação e na saúde diminuiu ainda mais no orçamento de 2011 “para menos de 1/5 do que os contratos de infraestruturas com empresas estrangeiras.”

Outra área prioritária deve ser a agricultura e a segurança alimentar. A tentativa do Governo de Gusmão de desenvolver novas culturas de rendimento para a exportação foi contraproducente num país com uma superfície arável limitada, dependente da importação alimentar e com um historial de crises alimentares.No âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, alguns dos piores resultados são ao nível da má–nutrição infantil. O calcanhar de Aquiles de Timor-Leste mina tanto o progresso na saúde como na educação.

Na base de todos estes falhanços está o desenvolvimento rural. Muita atenção é dada a Díli, mas o facto é que a maior parte da população está sediada nas áreas rurais. Mais, a única solução sustentável para a segurança alimentar reside num forte apoio ao sector da pequena produção agrícola. A este respeito, Timor tem muito mais a aprender com o Japão do que com os grandes exportadores agrícolas como a Austrália.

A gestão das várias organizações de ajuda externa ou dos “parceiros para o Desenvolvimento” no país, será, igualmente, um outro importante desafio. O impacto a longo prazo de economias duplas, da inflação e da total discriminação racial desses regimes, é visível em cidades como Luanda, N’Djamena e Port Moresby: entre as mais caras e menos igualitárias cidades no mundo.

Mas Timor Leste tem ainda a capacidade de desenvolver aquela combinação ideal entre um Estado forte e níveis elevados de participação social que parecem essenciais para um desenvolvimento bem sucedido. A sua identidade nacional, sentido de história e consciência social permanecem fortes. Apesar de todos os problemas recentes, ainda podemos esperar feitos notáveis deste pequeno país.

(Tradução livre do artigo de Tim Anderson “ East Timor’s future withouth Gusmão”, publicado no http:// new matilda.com no dia 2/4/2012)

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