domingo, 22 de abril de 2012

POLITICAMENTE INCORRETO…



Esther Spencer Farmhouse – Liberal (cv), opinião

No rescaldo de golpes e conflitos, a Guiné-Bissau procura o seu espaço, num continente africano marcado por feridas abertas… e parecendo ser a maior “dor de cabeça” dessa coisa a que chamamos “comunidade internacional”. Vivendo permanente instabilidade, com excepção do curto período de liderança de Luís Cabral (o primeiro Presidente da República, um homem bom abandonado pelos seus “camaradas” cabo-verdianos) e uma “normalidade” forçada pelo punho autoritário do primeiro consulado de Nino Vieira, a pátria de Amílcar Cabral parece marcada pelo selo de tragédia da morte violenta do seu inspirador e pai da independência.

Golpe atrás de golpe, os militares guineenses têm marcado a agenda política do país, transformando a sociedade civil (aqui, uma figura de estilo para se falar das pessoas comuns) em mera espectadora dos desmandos de uma tropa prenhe de autoritarismo, ressabiamentos antidemocráticos e perigosas ligações ao universo do tráfico de estupefacientes, no que rivaliza com uma classe política que bebe do mesmo cântaro e engorda num oceano de corrupção e iniquidade.

A Guiné-Bissau, aparentemente, parece ingovernável, a não ser que fosse possível inventar uma nova instituição militar e novos agentes políticos nos destroços de uma sociedade marcada pela insanidade, e reinventar-se um conceito de democracia que correspondesse com mais equidade à multiplicidade étnica e cultural de que enforma o país: uma manta de retalhos criada pela ocupação colonial e desenhada a régua e esquadro numa lógica de partilha do continente africano pelas potências europeias.

Os problemas da Guiné-Bissau, para além das dores domésticas desse povo sofrido, são feridas profundas gravadas a escopro na má consciência daqueles que procuram receitas iguais para coisas diferentes. Ou seja, o concerto das nações só é possível se gizado sobre as diferenças que fazem deste nosso mundo uma manta de multiculturalidades.

As receitas do ocidente “civilizado” e “democrático”, às tantas, não farão muito sentido num continente que tem de reinventar novos conceitos e novas formas de organização política e social. A “chapa 5” dos regimes democráticos da Europa e do continente americano já provou não servir nem ajudar uma África que, de tanto ser “ajudada”, só tem vindo a atrasar o seu desenvolvimento e o progresso social dos seus povos.

E o presente conflito na Guiné-Bissau representa à evidência o role de equívocos e incompreensões, não raras vezes subjugados a lógicas neocoloniais, que caracterizam as posições “politicamente correctas” da dita “comunidade internacional”. O que, de resto, me apela a ser completamente “politicamente incorrecta” ao admitir, como mera hipótese de raciocínio, a possibilidade de, por esta vez, os militares não deixarem de ter razão.

Os apetites expansionistas do regime angolano não são um sofisma, como também se percebe que o governo de José Eduardo dos Santos traz na algibeira vários dirigentes africanos a quem distribui generoso o pecúlio de sangue dos diamantes e do petróleo roubado ao seu povo. E o dinheiro serve para tudo, até para se comprarem consciências e ganharem eleições.

Cercado pela insatisfação dos seus povos, que saem à rua exigindo liberdade e uma outra democracia, o ocidente “civilizado” e “democrático” precisa de exemplos na distante África que legitimem a superioridade civilizacional de que, arrogantemente, se julga portador. E está disposto a pagar para isso. E, como já se percebeu, a fila de pedintes da “ajuda internacional” é interminável, com políticos ávidos e gordos do que desviam dos bolsos dos famintos do continente.

Sem comentários:

Mais lidas da semana