sexta-feira, 6 de abril de 2012

Timor-Leste: PORQUE O MAIS POBRE É AMEAÇA PARA O PODEROSO



John Pilger

O truísmo de Milan Kundera, "a luta do povo contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento", descreve Timor Leste. No dia em que decidi filmar ali clandestinamente, em 1993, fui à loja de mapas Stanfords, no Covent Garden de Londres. "Timor?", disse um assistente de vendas hesitante. Pusemo-nos a examinar prateleiras marcadas Sudeste Asiático. "Desculpe-me, onde é exactamente?"

Após uma pesquisa ele encontrou um velho mapa aeronáutico com áreas em branco assinaladas: "Dados de auxílio incompletos". Nunca lhe fora pedido Timor-Leste, o qual está a Norte da Austrália. Tal era o silêncio que envolvia a colónia portuguesa a seguir à sua invasão e ocupação pela Indonésia, em 1975. Mas nem mesmo Pol Pot conseguiu, proporcionalmente, matar tantos cambodgianos quanto o ditador Suharto, da Indonésia, matou em Timor-Leste.

No meu filme, Morte de uma nação , há a cena de um brinde a bordo de um avião australiano a voar sobre a ilha de Timor. Decorre numa festa e dois homens de fato estão a brindar-se com champanhe. "Isto é um momento histórico único", balbucia um deles, "é verdadeiramente histórico e único". Trata-se de Gareth Evans, ministro dos Negócios Estrangeiros da Austrália. O outro homem é Ali Alatas, o porta-voz principal de Suharto. Passa-se em 1989 e eles estão a fazer um voo simbólico para celebrar a assinatura de um tratado pirata que permitiu à Austrália e às companhias internacionais de petróleo e gás explorarem o fundo do mar ao largo de Timor-Leste. Por baixo deles há vales crivados de cruzes negras onde aviões caça fornecidos por britânicos e americanos estraçalharam pessoas em bocados. Em 1993, o Comité de Assuntos Estrangeiros do Parlamento australiano relatou que "pelo menos 200 mil", um terço da população, havia perecido sob Suharto. Graças a Evans, em grande parte, a Austrália foi o único país ocidental a reconhecer formalmente a conquista genocida de Suharto. As forças especiais assassinas da Indonésia, conhecidas como Kopassus, foram treinadas na Austrália. O prémio, disse Evans, eram "ziliões" de dólares.

Ao contrário de Muammar al-Kaddafi e Saddam Hussein, Suharto morreu pacificamente em 2008 cercado pela melhor ajuda médica que os seus milhares de milhões podiam comprar. Ele nunca correu o risco de ser processado pela "comunidade internacional". Margaret Thatcher disse-lhe: "Você é um dos nossos melhores e mais válidos amigos". O primeiro-ministro australiano Paul Keating encarava-o como uma figura paternal. Um grupo australiano de editores de jornais, conduzido pelo veterano servidor de Rupert Murdoch, Paul Kelly, voou a Djacarta para prestar homenagem ao ditador; há uma foto de um deles a fazer uma reverência.

Em 1991, Evans descreveu o massacre de mais de 200 pessoas por tropas indonésias, no cemitério de Santa Curz, em Dili, capital do Timor-Leste, como uma "aberração". Quando manifestantes colocaram cruzes do lado de fora da embaixada da Indonésia em Canberra, Evans ordenou a sua retirada.

Em 17 de Março, Evans estava em Melbourne para falar num seminário sobre o Médio Oriente e a Primavera Árabe. Mergulhado agora no ocupado mundo dos "think tanks", ele explana acerca de estratégias de grandes potências, nomeadamente a elegante "Responsabilidade de proteger", a qual é utilizada pela NATO para atacar ou ameaçar ditadores arrogantes ou desfavorecidos sob o falso pretexto de libertar seus povos. A Líbia é um exemplo recente. No seminário também estava presente Stephen Zunes, professor de política na San Francisco University, que recordou à audiência o longo e crítico apoio de Evans a Suharto.

Quanto acabou a sessão, Evans, um homem de fusível limitado, atacou Zumes e gritou: "Quem raios é você? De onde raios você saiu?" Disseram a Zumes, confirmou Evans posteriormente, que tais observações críticas mereciam "um soco no nariz". O episódio foi oportuno. A celebrar o décimo aniversário de uma independência que Evans outrora negava, Timor-Leste está nas convulsões da eleição de um novo presidente; a segunda volta da votação é em 21 de Abril, seguida pelas eleições parlamentares.

Para muitos timorenses, com seus filhos malnutridos e atrofiados, a democracia é uma noção. Anos de ocupação sangrenta, apoiada pela Austrália, Grã-Bretanha e EUA, foram seguidos por uma campanha implacável de intimidação por parte do governo australiano para afastar a pequena nova nação da fatia a que tem direito das receitas de petróleo e gás do seu leito marítimo. Tendo recusado reconhecer a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça e a Lei do Mar, a Austrália mudou unilateralmente a fronteira marítima.

Em 2006 foi finalmente assinado um acordo, em grande medida nos termos da Austrália. Logo após, o primeiro-ministro Mari Alkatiri, um nacionalista que enfrentou Canberra e opôs-se à interferência estrangeira e ao endividamento ao Banco Mundial, foi efectivamente deposto naquilo a que chamou uma "tentativa de golpe" por "elementos externos". A Austrália tem tropas de "manutenção da paz" em Timor-Leste e treinou seus opositores. Segundo um documento escapado do Departamento da Defesa australiano, o "primeiro objectivo" da Austrália em Timor-Leste é que os seus militares "tenham acesso" de modo a que possa exercer "influência sobre a tomada de decisões em Timor-Leste". Dos dois actuais candidatos presidenciais, um é Taur Matan Rauk, um general e o homem de Canberra que ajudou a afastar o incómodo Alkitiri.

Um pequeno país independente montado sobre recursos naturais lucrativos e caminhos marítimos estratégicos é objecto de preocupação séria para os Estados Unidos e o seu "vice xerife" em Canberra. (O presidente George W. Bush promoveu realmente a Austrália a xerife pleno). Isso explica em grande medida porque o regime Suharto exigiu tanta devoção dos seus patrocinadores ocidentais. A obsessão permanente de Washington na Ásia é a China, a qual hoje oferece a países em desenvolvimento investimento, qualificação e infraestrutura em troca de recursos.

Ao visitar a Austrália em Novembro, o presidente Barack Obama emitiu outra das suas ameaças veladas à China e anunciou o estabelecimento de uma base dos US Marines em Darwin, bem em frente às águas de Timor-Leste. Ele entende que países pequenos e empobrecidos podem muitas vez apresentar a maior ameaça à potência predatória, porque se eles não puderem ser intimidados e controlados, quem poderá?

O original encontra-se em www.johnpilger.com/...

Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/

5 comentários:

Anónimo disse...

INDONÉSIOS ONTEM, AUSTRALIANOS AMANHÃ.

Anónimo disse...

Full story on

WORLD
AlterNet / By Stephen Zunes

Why One of the World's Leading Peace Advocates Threatened to Punch Me in the Face
Gareth Evans, a former attorney-general and foreign minister in Australia, threatened me because I raised the issue of his support for the Suharto dictatorship in Indonesia.
April 5, 2012|

Anónimo disse...

"Dos dois actuais candidatos presidenciais, um é Taur Matan Rauk, um general e o homem de Canberra que ajudou a afastar o incómodo Alkitiri."

At least this is what Canberra thought. But we must remember that Taur Matan Ruak was approached by a priest and an English speaker foreigner, (it is widely believed that the priest is Father Apolinário Guterres, a fervent anti-FRETILIN and the former US Ambassador to East-Timor, also a anti-FRETILIN), to lead a coup-de-etát against Alkatiri's government BUT Ruak refused on the basis that overthrowing an democratically elected government is against the Timorese constitution.

A FRETILIN supporter

Anónimo disse...

"Dos dois actuais candidatos presidenciais, um é Taur Matan Rauk, um general e o homem de Canberra que ajudou a afastar o incómodo Alkitiri."

Isto o que queriam em Canberra. Mas não aconteceu. Não devemos esquecer de que Taur Matan Ruak e mais alguns comandantes recusaram a proposta do atual Vigário ou Vigarista-Geral da Diocese de Dili, Padre Apolinário Guterres e o ex-Embaixador dos Estados Unidos para depôr o governo de Alkatiri. No minimo que se pode dizer é Canberra ajudou o atual PM para depôr o governo de Alkatiri, que quando era PR comportava-se mais como uma pessoa de partidos da oposição do que um PR de um país.

Anónimo disse...

Não me parece que Camberra esteja muito satisfeita com o Xanana. O caso do petróleo é um bom exemplo. A propósito, taur deve vencer.

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